Até 1722 – e à morte do pai – Voltaire foi um estroina. E muito por causa do vício do jogo, que a certa altura, quando jovem, o deixou (contaria o próprio) “sem um centavo” no bolso. Em 1722 Voltaire tinha somente 28 anos.

Mas em herança, e sabendo do vício do filho, o pai declarou que Voltaire só receberia a parte que lhe estava destinada quando completasse 35 anos. Então, e não querendo viver “falido e desprezado” como a maioria dos escritores da época, voltou-se às apostas, nomeadamente na lotaria. Mas desta vez para enriquecer.

E ganhou cerca de meio milhão de francos com um esquema… “iluminado”. A história é contada pelo historiador (e tradutor de Voltaire) britânico Roger Pearson na revista Lapham’s Quarterly.

Para compreender este golpe de Voltaire (que nada teve se sorte) é preciso recuar até à França de 1719. À época, os bancos inventaram instrumentos financeiros que transmitiram uma impressão de abundância falsa. Resultado: gerou-se uma “bolha” e, depois de a mesma explodir, a França viu-se perto da bancarrota. Uma das soluções encontradas para tornar a encher os cofres foi criar a primeira lotaria francesa.

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No entanto, e numa fase inicial, apenas poderia jogar quem possuísse títulos de dívida do Place de l’Hôtel-de-Ville, ou seja, da Câmara Municipal de Paris.

Foi então que, estudando as regras daquela lotaria, Voltaire e o amigo (e matemático) Charles-Marie de La Condamine perceberam que podiam enriquecer facilmente. Cada bilhete custava um milésimo do valor da quota da dívida. Ou seja, quem possuísse um quota pequena podia comprar bilhetes por preços muito baixos. Por exemplo: valendo a quota mil francos, cada bilhete custaria apenas um franco. No entanto, e mesmo tendo investido menos, o apostador teria as mesmas chances de alguém que tivesse, por exemplo, uma quota cem vezes mais cara.

Foi então que Voltaire e La Condamine resolveram adquirir todos ou a maioria dos bilhetes logo que estes fossem lançados. Para isso, criaram um pequeno grupo que detinha todas as quotas de pouco valor existentes. Logo no primeiro sorteio o grupo, adquirindo todos os bilhetes, amealhou um milhão de francos. La Condamine, por exemplo, ganhou 13 mil francos com 13 bilhetes que lhe haviam custado um franco cada um.

A lotaria era sorteada, a partir de janeiro de 1729, no oitavo dia de cada mês. Mas a certa altura as autoridades (nomeadamente o controlador-geral de Finanças, Michel Robert Le Peletier des Forts) começaram a perceber que houve um grande aumento no número de vencedores da lotaria com bilhetes comprados pelo valor mais baixo.

O grupo de Voltaire foi então denunciado. Mas o mas o conselho real declarou que as regras não haviam violadas; a lotaria estava, isso sim, mal concebida. Então, alterar-se-iam as regras. Mas à época já Voltaire levava uma vida desafogada no castelo de Ferney. Morreria em 1778.