Era uma vez um argumento que os irmãos Joel e Ethan Coen tinham escrito nos anos 80 depois do seu primeiro filme, “Sangue por Sangue”, e que meteram numa gaveta. Chamava-se “Suburbicon” e era uma comédia negra bastante ensanguentada, passada nos anos 50, num daqueles subúrbios imaculados que então começavam a aparecer na orla das grandes cidades dos EUA, com casas todas iguais, relvados impecáveis, uma igreja, um grande supermercado e algumas empresas. O paraíso dos “baby boomers” e um símbolo da prosperidade galopante do pós-guerra e do advento da era do consumismo de massas.

[Veja o “trailer” de “Suburbicon”]

É em Suburbicon que vive Gardner Lodge com a mulher, paralisada numa cadeira de rodas na sequência de um acidente de carro, a irmã gémea desta e o filho pequeno. Uma noite, dois ladrões entram na casa dos Lodge e adormecem-nos com clorofórmio, para poderem concretizar o assalto com mais vagar. Mas a dose dada à mulher de Gardner foi muito grande e ela acaba por morrer. A irmã fica a viver com o cunhado e o sobrinho, e pouco a pouco, vai ocupando o lugar da morta – e também na cama daquele. E após um estranho incidente na esquadra de polícia, o rapazinho começa a desconfiar que há qualquer coisa que não bate certo com a morte da mãe.

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[Veja a entrevista com George Clooney]

George Clooney recuperou este argumento dos manos Coen, limpou-lhe o pó e decidiu realizá-lo e interpretar o papel principal, mas não sem antes lhe mexer, para exibir os seus galões de estrela de cinema progressista. E com o seu colaborador Grant Heslov, acrescentou à martelada a “Suburbicon” um subenredo “social” em que uma família negra, os Mayers, se muda para a casa ao lado da dos Lodge. Isto causa uma onda de revolta no bairro e leva muitos moradores a irem manifestar-se ruidosa, agressiva e continuamente para a porta dos Mayers. Entretanto, Clooney acabou por desistir de entrar na fita, ficando apenas com as funções de realizador, entregou o papel de Gardner Lodge a Matt Damon e pôs Julianne Moore a interpretar as gémeas.

[Veja a entrevista com Matt Damon]

Do humor ácido e violento à dupla de criminosos trapalhona, há em “Suburbicon” vários sinais daquilo que mais tarde haveria de vir a ser a obra-prima dos Coen, “Fargo”. Mas tal como se apresenta, o filme é banal de bocejar na premissa (os podres que há por trás das fachadas imaculadas das casa suburbanas e no seio das famílias aparentemente perfeitas que as habitam), cada vez mais inverosímil e previsível à medida que a história se desenrola e tosco como sátira negra, e os actores também não ajudam (o insosso Matt Damon, particularmente, é um erro de “casting” de bradar aos céus). E “Suburbicon” é ainda um filme em que a bota do enredo principal não dá com a perdigota do enredo secundário que lhe foi pregado “a posteriori”.

[Veja a entrevista com Julianne Moore]

A família negra não tem a menor relevância narrativa e dramática para o filme, é um mero adereço passivo. Ela está ali só para que Clooney possa fazer figura de bom escoteiro paternalista e politicamente correcto e, com toda a delicadeza de um paquiderme, envie a mensagem anti-racista da moda directamente dos EUA dos anos 50 do Movimento dos Direitos Civis para os nossos dias, numa tentativa frustrada e anacrónica de fazer um filme de entretenimento com mochila de “consciência social”. “Suburbicon” é cinema medíocre dobrado de activismo de juntar os pontinhos. Desta vez, George Clooney enganou-se no endereço.