Carmen Franco y Polo, a única filha do ditador que governou Espanha entre 1939 e 1975, morreu na madrugada desta sexta-feira aos 91 anos na sua casa, em Madrid. Tinha um cancro há 15 anos. A morte foi confirmada pela jornalista Nieves Herrero, que recentemente terminou de escrever uma biografia de Carmen Franco, publicada há pouco mais de um mês.

Filha de Francisco Franco e de Carmen Polo, nasceu em 1926, durante a ditadura de Miguel Primo de Rivera. Quando era jovem, a sua família era uma das mais bem cotadas do regime — Francisco Franco, além de ter sido diretor da Academia Geral Militar, em Saragoça, entre 1928 e 1931, era também um protegido do rei Afonso XIII. Depois da proclamação da república, em 1931, tinha Carmen Franco cinco anos, a família mudou-se para a cidade galega da Corunha, onde Francisco Franco foi governador militar.

Carmen Franco, que naquela altura era conhecida em casa como “Nenuca” ou “Moirita”, viveu uma infância resguardada e austera — “sem beijos nem abraços, para não suavizar as crianças, como era crença na época”, escreve Nieves Herrero. Teve sempre aulas privadas — antes, durante e depois da Guerra Civil espanhola que as tropas comandadas pelo seu pai venceram em 1939. Segundo conta a sua biógrafa no El Mundo, teve uma professor de que lhe dava aulas particulares de francês, a mademoiselle Labord — uma professora que foi despedida por haver suspeitas de que era uma espia francesa.

Carmen era a única filha do ditador e general Francisco Franco e de Carmen Polo, a mulher que o acompanha nesta foto em Burgos (Keystone/Getty Images)

O domínio do francês, que era também característica da sua mãe, levava Francisco Franco a perguntar em casa: “Quando é que aqui se vai falar espanhol?”. No início a Guerra Civil, fugiu de Espanha com a mãe num navio alemão que as levou às Canárias e depois a França. Naquele país vizinho, foi por um dia à escola, um colégio interno. Tinha 10 anos e dormiu ali uma noite — após a qual a sua mãe a foi buscar, para devolvê-la ao ensino particular. Em 1937, ainda durante a Guerra Civil, regressaram as duas a Espanha.

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“Reconhece que o meu pai foi muito autoritário e até machista comigo”

Tal como a infância, a adolescência foi marcada pelo tom austero, quase militar, durante a qual foram proibidos namoros. “Não o renego, mas reconheço que o meu pai foi muito autoritário e até machista comigo e com a minha mãe, como eram os homens naquela época. Gostava de mandar sempre em tudo. A minha opinião nunca contava, mas desde 10 de abril de 1950 comecei a tomar as minhas próprias decisões”, disse a Nieves Herrero.

Aquela data marca o dia em que se casou com o Marquês de Villaverde, Cristóbal Martínez-Bordiú, um empresário com quem foi casada até 1998, ano em que este morreu. Tiveram sete filhos, e apesar dos rumores de adultério do marido, eram à época apontados como um família-modelo da Espanha franquista, católica e conservadora.

Retrato de Carmen Franco, filha do General Franco, posando com o vestido com que casou com o Marquês de Villaverde, em Madrid, a 10 de abril de 1950 (Keystone/Hulton Archive/Getty Images)

Porém, com a morte de Francisco Franco e com a transição da ditadura para a democracia em 1976, essa ideia viria a dissipar-se. Da discrição e recato que a ditadura permitia àquela família, passou-se para o extremo oposto em que a imprensa cor-de-rosa passou a pôr os holofotes nos ascendentes de Francisco Franco.

Embora Carmen Franco resistisse a estas andanças — “Sempre fez o mais correto. Nunca deu um escândalo. Obedeceu aos seus pais e depois submeteu-se à vontade do seu marido”, escreveu Nieves Herrero —, o mesmo não pode ser dito da sua filha mais velha, Carmen Martínez-Bordiú, cujo divórcio de Afonso de Bourbon (membro da família real espanhola, com quem a neta de franco foi casada entre 1972 e 1982) foi alvo de intensa cobertura pela imprensa espanhola.

Carmen foi casada com o aristocrata e cirurgião, Marquês Cristobel de Villaverde (atrás) com quem teve sete filhos – cinco deles estão nesta foto (da esquerda para a direita): Maria del Carmen, Maria della O Mariola, Francisco Franco, Maria del Mary and Jose Cristobal. (Keystone Features/Hulton Archive/Getty Images)

Ao longo da sua vida, viveu sob a sombra do seu pai, cujo legado procurou proteger — sendo recorrentes a defesa de que o corpo de Francisco Franco, que permanece numa basílica no Vale dos Caídos, monumento franquista construído por prisioneiros políticos da Guerra Civil, ali permanecesse. Até perto dos seus últimos dias, manteve os seus hobbies — como era viajar, como fez pela última vez este verão, num cruzeiro no Reno — e os seus hábitos — entre os quais se incluía a leitura de jornais à noite.

Morreu em casa, aos 91 anos. Tinha o DNI — equivalente ao Cartão de Cidadão — número 3. O número 2 era o da sua mãe, Carmen Polo; o número 1 era do seu pai, Francisco Franco.