João Lourenço, o sucessor de José Eduardo dos Santos no cargo de Presidente de Angola, considera que a forma como a Justiça portuguesa se comportou no “Caso Manuel Vicente” é uma “ofensa” para o Governo angolano.

“Consideramos isso uma ofensa, não aceitamos esse tipo de tratamento e por esta razão mantemos a nossa posição e vamos aguardar pacientemente a conclusão do processo em Portugal”, afirmou o Presidente angolano, na conferência de imprensa que assinalou os primeiros 100 dias à frente dos destinos daquele país e onde estiveram presentes mais de uma centena de jornalistas.

O Presidente angolano referia-se ao facto de a Justiça portuguesa ter recusado transferir o processo do antigo vice-presidente do país Manuel Vicente, para Angola. O ex-presidente do conselho de administração da Sonangol foi formalmente acusado pelo Ministério Público português de corrupção ativa e branqueamento de capitais, depois de ter alegadamente corrompido Orlando Figueira, quando este era procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) com o alegado objetivo de ver arquivado um inquérito onde o ex-governantes angolano era suspeito de branqueamento de capitais.

Com o processo a decorrer na Justiça portuguesa — o início do julgamento está marcado para 22 de janeiro — Angola pediu a transferência do processo para a Justiça angolana, mas o pedido não foi correspondido. “Portugal lamentavelmente não satisfez o nosso pedido”, alegando que não confia na Justiça angolana”, lamentou João Lourenço.

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O sucessor de José Eduardo dos Santos garantiu que o Governo angolano não está a “pedir que seja absolvido, nem que o processo seja arquivado”. O que as autoridades angolanas pretende, insistiu, é que o caso seja julgado nos tribunais daquele país. “Não somos juízes nem temos competência para dizer se Manuel Vicente cometeu o crime de que é acusado. A intenção não é livrar, a intenção é que o processo seja conduzido pela Justiça Angolana”, afirmou João Lourenço, antes de deixar um aviso: “Qualquer posição nova de Angola [em relação a Portugal] vai depender muito do desfecho deste caso. A bola não está do nosso lado, está do lado de Portugal”.

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Isabel dos Santos exonerada “por conveniência”

João Lourenço foi ainda questionado sobre os motivos que o levaram a exonerar Isabel dos Santos do cargo de presidente do conselho de administração da petrolífera Sonangol. Mas respondeu apenas que foi por “conveniência de serviço”. Lourenço afastou ainda motivação política, explicando que a “pessoa exonerada não era da oposição. Não estou a ver por que razão exoneraria por falta de confiança política”.

Contudo, acrescentou: “As exonerações, regra geral, não são justificadas. O nosso país está independente há 42 anos, não me recordo nunca de nenhum Presidente ter vindo a público justificar-se porque é que exonerou A, B ou C”.

Desde que tomou posse, a 26 de setembro, João Lourenço nomeou por dia, em média, mais de três de administradores, para cerca de 30 empresas públicas, órgãos da administração do Estado, Justiça, comunicação social estatal, Banco Nacional de Angola e outros organismos.

Presidente angolano não descartou esta segunda-feira a exoneração da administração do Fundo Soberano de Angola que é presidido por outro filho do seu antecessor, José Filomeno dos Santos. João Lourenço acrescentou que ainda está a analisar as propostas do Ministério das Finanças, na sequência de um diagnóstico feito àquele fundo que gere ativos finaneiros do Estado angolano no valor de cinco mil milhões de dólares.

Saída de cena de Zedu? “Não estou impaciente”

O Presidente da República de Angola deixou ainda em aberto a possibilidade de vir a exonerar a administração do Fundo Soberano de Angola, algo que, admitiu, pode acontecer em breve. Desta administração faz parte um dos filhos do ex-presidente angolano, José Filomeno dos Santos, que viu o seu nome envolvido no Paradise Papers. Recorde-se que, neste momento, decorre uma investigação ao Fundo Soberano que poderá ditar o afastamento do filho de Zedu.

Por falar em Zedu, João Lourenço garantiu ainda não sentir qualquer crispação com o ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos. Mas não deixou de assumir que aguarda que Zedu cumpra o compromisso anteriormente assumido de deixar a liderança do partido em 2018.

“Só a ele compete dizer se o fará, se vai cumprir com esse compromisso. Quando isso vai acontecer, só a ele compete dizer. Não tenho razões para estar impaciente”, disse o Presidente da República, que falava nos jardins do Palácio Presidencial, em Luanda.

Questionado sobre a alegada tensão que mantém com o presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder em Angola desde 1975, e ex-chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, o Presidente negou qualquer problema: “Não sinto essa crispação nas nossas relações”, afirmou João Lourenço.

Acrescentou que mantém “relações normais de trabalho” com o presidente do partido, negando qualquer bicefalia na governação em Angola, até porque “nada está acima da Constituição”, ambos trabalhando em “campos distintos” e com “cada um a cumprir o seu papel”.

“Oito dias [dias do mês de janeiro] não é nada. Vamos aguardar os próximos tempos”, refutou, sobre o anúncio feito em 2016 por José Eduardo dos Santos, que disse abandonar a vida política em 2018.

Desde que assumiu o cargo de Presidente da República, João Lourenço já realizou mais de 300 nomeações, que corresponderam a várias dezenas de exonerações, incluindo da empresária Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, da Sonangol, e de mais de 30 oficiais generais em posições de topo na hierarquia militar, valeram-lhe a alcunha nas redes sociais: “O exonerador implacável”.

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“Nós não perseguimos pessoas”, diz João Lourenço

O Presidente angolano rejeitou esta segunda-feira insinuações de haver perseguição aos filhos do ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos, considerando esta “uma forma incorreta de se analisar o problema”.

“Nós não perseguimos pessoas”, afirmou o chefe de Estado, na primeira conferência de imprensa do Presidente João Lourenço, com mais de uma centena de profissionais de órgãos nacionais e estrangeiros, quando passam 100 dias após ter chegado à liderança do país.

Em causa está a rescisão do contrato entre a Televisão Pública de Angola (TPA) e a empresa Semba Comunicações, detida por Welwítschia “Tchizé” e José Paulino dos Santos “Coreon Dú”, filhos de Eduardo dos Santos, que geriam os canais 2 e Internacional da TPA, até à rescisão do contrato, a 15 de novembro.

Questionado sobre como encarava os comentários na sociedade angolana, de uma suposta perseguição aos filhos de José Eduardo dos Santos, também face à exoneração de Isabel dos Santos (outra das filhas do ex-chefe de Estado), do cargo de presidente do conselho de administração da Sonangol, João Lourenço minimizou o assunto.

“Em primeiro lugar, não sou diretor da TPA, quem rescindiu o contrato com a empresa que geria o canal 2 e a TPA Internacional, foi a TPA”, respondeu o chefe de Estado angolano. “Tanto quanto sabemos das razões da rescisão desse contrato é que o contrato era bastante desfavorável ao Estado”, disse.

Segundo João Lourenço, o contrato foi assinado numa determinada conjuntura (em 2007), que hoje é diferente, tendo-se constatado que “os termos do contrato são bastante lesivos aos interesses do Estado”.

E se não for o Estado a defender os seus interesses, quem o fará? Neste caso, a TPA, a empresa que neste domínio representa o interesse do Estado, ela não fez outra coisa se não defender os seus interesses, ou seja, os interesses do Estado”, frisou.

O chefe de Estado angolano, recorrendo ao lema da campanha eleitoral do MPLA, partido no poder e de que é vice-presidente, disse que está a ser corrigido o que está mal.

“O que nos foi orientado fazer é corrigir o que está mal, então vamos continuar nesta senda de procurar corrigir o que está mal”, assegurou, salientando que o executivo que lidera “está empenhado em procurar fazer esta correção sem olhar as pessoas que estão à frente deste ou daquele projeto”.

Se os contratos são prejudiciais ao Estado, dei há bocado o exemplo do Porto de águas profundas da Barra do Dande, se é lesivo aos interesses do Estado, com certeza que o Estado tem que se defender e fazer algo para que o Estado tenha moral de exigir boas práticas aos privados, aos cidadãos. Só pode fazê-lo se ele próprio for o primeiro a dar o bom exemplo”, disse.

João Lourenço reiterou que “não são pessoas” que “foram perseguidas”, mas “foram situações que comprovadamente são lesivas ao interesse público, ao interesse do Estado”, referindo “Que acreditamos que a grande maioria dos cidadãos apoiaram a medida que foi tomada pela TPA”.

Economia: é tempo de passar das ações à prática

O Presidente angolano afirmou que é tempo de Angola passar das ações à prática no que toca à diversificação da economia, para que, quando se fala das exportações nacionais, não seja apenas do petróleo.

O Presidente da República falava nos jardins do Palácio Presidencial, em Luanda, na sua primeira conferência de imprensa, com mais de uma centena de jornalistas de órgãos nacionais e estrangeiros, tendo sido questionado sobre os efeitos da austeridade no processo de diversificação da economia.

“É absolutamente necessário. A nossa salvação está aí. E a autoridade não significa não diversificar a economia, antes pelo contrário. É precisamente a austeridade que nos obriga a diversificarmos a economia”, defendeu. Mais de 95 por cento das exportações angolanas são de petróleo bruto, pelo que a economia do país ressente-se, desde finais de 2014, da quebra prolongada na cotação do barril de crude no mercado internacional.

Angola não tem outra saída senão diversificamos de facto a sua economia. Sobre isso já muito se falou, já correu muita tinta. Temos que passar a ações concretas, no sentido de fazer com que as nossas exportações não se baseiem apenas no crude, no petróleo bruto, mas quando falarmos de exportações de Angola falemos sobretudo mais de outros produtos”, defendeu João Lourenço.

Ainda assim, as receitas fiscais angolanas com a exportação de petróleo deverão atingir, em 2018, mais de 2,399 mil milhões de kwanzas (12 mil milhões de euros), com o Governo a estimar vender cada barril a 50 dólares. Os dados constam do relatório de fundamentação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018, que o Governo angolano entregou na Assembleia Nacional e que tem votação na generalidade prevista para 18 de janeiro.

O documento do Governo angolano prevê que 24,8% de todas as receitas a angariar pelo Estado sejam provenientes do setor petrolífero, enquanto os impostos do setor não petrolífero deverão ascender, em 2018, a 1,740 mil milhões de kwanzas (8.875 milhões de euros).

O Governo angolano prevê, no OGE, exportar 620 milhões de barris de crude por dia em 2018, acima dos 610,6 milhões esperados, na mais recente projeção, para 2017. Depois dos 46 dólares orçamentados em 2017, e numa altura em que o barril de crude é vendido no mercado internacional a mais de 60 dólares, o Governo optou por uma previsão mais conservadora para 2018.

Tendo em conta a incerteza atual no mercado petrolífero e a volatilidade do preço, com base em toda a informação disponível sobre o desenvolvimento do mercado petrolífero, para o exercício de 2018 foi adotada a previsão de 50 dólares/barril”, refere o relatório de fundamentação.

Na proposta de OGE, cuja votação final no parlamento deverá acontecer até 15 de fevereiro, o Governo angolano estima despesas e receitas de 9,658 mil milhões de kwanzas (48,6 mil milhões de euros), e um crescimento económico de 4,9% do PIB.

Trata-se do primeiro OGE que João Lourenço, empossado a 26 de setembro como terceiro Presidente da República e líder do Governo, leva ao Parlamento, depois de 38 anos de liderança em Angola a cargo de José Eduardo dos Santos.