O livro “Derborance”, do escritor suíço Charles-Ferdinand Ramuz, de quem Stefan Zweig disse ter uma intensidade artística capaz de transfigurar e eternizar a banalidade do quotidiano, vai ser publicado pela primeira vez em Portugal.

Com apenas dois títulos publicados em Portugal, o mais recente dos quais há 16 anos, o poeta e escritor de língua francesa retoma agora os escaparates das livrarias portuguesas, com “Derborance”, escrito há 84 anos, mas que “permanece como um dos mais celebrados títulos da literatura suíça”, refere a editora, Sistema Solar.

Mais de 70 anos após a sua morte, foram até ao momento publicados em Portugal apenas dois livros de Charles-Ferdinand Ramuz: “O circo”, em 1991, pela editora & Etc, e “História do soldado: em duas partes”, libreto que escreveu para a composição de Igor Stravinsky, em versão portuguesa de Mário Cesariny, editado pela Assírio & Alvim.

“Derborance”, que será publicado este mês, com tradução de Aníbal Fernandes, é a memória de um longínquo e brutal acontecimento passado no cenário da sua terra natal, explica a editora.

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Esta alta montanha suíça tinha sob a sua imponência o frágil assentamento de camadas do primário e o terciário com espaços ocos entre elas, um peso de rochas, neves e florestas que a incitavam à desagregação. Os camponeses das suas encostas ouviam inexplicáveis ruídos que atribuíam aos Diabretes, seres fantásticos que a sua superstição enfeitava com histórias mais e menos macabras, mais e menos assustadoras”, escreveu o autor.

“Derborance” é apenas um dos 30 trabalhos publicados por Charles Ferdinand Ramuz, ao longo dos seus 68 anos de vida, apesar de uma certa menorização que o próprio autor se atribuía: “Escrevi (tentei escrever) uma língua falada; a língua falada por aqueles do meio onde nasci”.

Uma “menorização ocultadora de um grande trabalho de estilo”, que o escritor austríaco “Stefan Zweig retocou numa homenagem que o teve como centro: ‘Os temas de Ramuz são a cadeira de Van Gogh, a árvore de Hobbema, a violeta de Du¨rer, a maçã de Cézanne: a banalidade transfigurada do quotidiano, eternizada pela intensidade do artista'”, escreve Aníbal Fernandes na apresentação do livro.

E ainda o dom de fazer a simplicidade sublime e o sublime simples; esta mistura de contenção e generosidade, este equilíbrio entre a arte requintada e a força primitiva. Aqui estão, segundo me parece, os seus mais belos segredos de artista, os que lhe valem toda uma admiração de colegas e amor dos seus leitores”, acrescentou Zweig, citado por Aníbal Fernandes.

Para este tradutor, “Derborence” é precisamente “a cadeira, a árvore, a violeta, a maçã de Charles Ferdinand Ramuz”.

Além deste romance, a chancela Documenta, da editora Sistema Solar, vai publicar este mês uma série de outros títulos, entre os quais “We, chefs — Beyond cooking”, a reunião de um conjunto de textos que resultaram de quatro anos de conversas com ‘chefs’ de cozinha do mundo, pesquisa e captação de imagem fotográfica, para contar outras histórias sobre aquilo que são, muito para além de cozinheiros, com texto e fotografias de João Wengorovius.

A Documenta publicará também “Janela, Espelho, Mapa… — A obra de arte e o mundo, reflexão sobre o projeto artístico individual”, um estudo do escultor Rui Sanches sobre o seu trabalho, desde a formação inicial até ao presente, bem como “O céu recuou dez metros”, um livro de desenhos do ilustrador João Jacinto, que visitam “alguns dos autores malditos da história da criação europeia”, como Caravaggio, Goya, Sade, Giacometti, Klossowski, Bataille, Bernini, Bacon, Artaud ou Lautréamont.

Ainda na Documenta, sairá um livro de Filipa Rosário que explora o cinema de Cassavetes, enquanto “cinema da palavra, sem deixar, ao mesmo tempo, de ser um cinema de corpo”, intitulado “O trabalho do actor no trabalho de John Cassavetes”.

“Vozes plurais — A comunicação das organizações da sociedade civil”, editado também pela Documenta e organizado por Sónia Lamy e Carla Cerqueira, fecha a lista das novidades editoriais da Sistema Solar para janeiro.

Trata-se de um livro, no qual vários especialistas, académicos e profissionais refletem sobre o fenómeno da comunicação e a sua importância para a construção de uma cidadania mais participada e consciente.