O xadrez é uma daquelas modalidades que necessita sempre de algo a “puxar” para a sua prática. Porque não é aquele desporto como o futebol, que todos jogam na escola. Porque não é aquele desporto que se veja ao mais alto nível na TV, como o basquetebol. Porque não é aquele desporto muito enraizado em determinado país ou continente, como o ténis de mesa (já houve o seu tempo, na União Soviética, mas a realidade foi mudando). Mas é uma modalidade de elite, que se pode tornar apaixonante e que consegue potenciar alguns dos melhores exemplos para os adeptos de desporto, como se viu recentemente com a antiga campeã que abdicou de ir ao Mundial na Arábia Saudita por não concordar com as regras impostas às mulheres no país, Anna Muzychuk.

Em paralelo, o xadrez é uma modalidade capaz de potenciar algumas das figuras com mais história do desporto mundial. Garry Kasparov, à cabeça. Bobby Fischer, de forma incontornável. Rameshbabu Praggnanandhaa, em breve. Quem?, perguntará o leitor. Esse mesmo, que costuma ser referido como Prag e que é apontado como o próximo prodígio 60 anos depois do título ganho pelo americano com apenas 14 anos.

O El País recorda esta terça-feira esse dia em que Fischer se apresentou ao mundo com uma retumbante vitória no Campeonatos dos Estados Unidos da América. “Aos 14, converte em peões os 13 melhores”, titulava o jornal Daily News. Só em 1972 se viria a confirmar a profecia que estava ali um futuro campeão mundial – num dos triunfos mais marcantes da história do desporto, frente ao principal nome de uma União Soviética que dominava a modalidade, Boris Spassky – mas foi a partir daqui que começou a nascer o legado daquele que é conhecido como um dos mais excêntricos e controversos desportistas. Mas tem uma outra pequena caixa interessante a acompanhar esse texto do americano: porque razão no xadrez, nas matemáticas e na música existem tantos génios antes dos 15 anos, ao contrário que acontece noutras áreas como a literatura, por exemplo?

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A resposta resume-se a uma palavra: experiência. “Para escrever como um génio é preciso ler, escrever e viver com uma intensidade quase impossível a essa idade, mas um menino superdotado para o xadrez, a música e as matemáticas consegue mostrar a sua genialidade com uma idade muito precoce. Aos 13, o atual campeão do mundo, Magnus Carlsen, ganhou a Karpov num torneio de rápidas na Islândia; no dia seguinte, jogou duas partidas com Kasparov, empatou uma e perdeu outra. ‘Joguei como um miúdo’, lamentou”, destaca o El País.

Avançando seis décadas sobre esse acontecimento que despertou atenções no mundo (até porque o xadrez tinha um acompanhamento e um peso maior do que na atualidade), encontramos a história de Prag, o tímido miúdo indiano de apenas 12 anos nascido em Chennai que é apontado como a figura que vai dominar uma era na modalidade e que começou quase por acaso, por influência da irmã, Vaishali Praggnanandhaa.

Como conta o El Confidencial, a irmã mais velha de Prag passava demasiado tempo em frente à televisão e os pais insistiram para que tivesse outras atividades extra escolares para ocupar o tempo e a cabeça. Gostou do xadrez, quis aprender mais e também já venceu provas internacionais. Tal como Prag, que desde os três anos revelou particular interesse pela modalidade que começou a jogar de forma mais a sério aos cinco. No limite, aprendeu quase ao mesmo tempo a escrever do que a jogar xadrez, com o mérito que hoje todos lhe reconhecem.

Em 2013 foi campeão mundial Sub-8, dois anos depois sagrou-se campeão mundial Sub-10 mas seria em 2016 que atingiria o ponto mais alto (até ao momento) da carreira: com apenas dez anos, dez meses e 19 dias, tornou-se o Mestre Internacional mais novo de sempre, falhando por muito pouco o grau de Grande Mestre ao terminar o Campeonato do Mundo Sub-20 na quarta posição. “Quero jogar um xadrez perfeito”, pedia na escola.

“Xadrez muito interessante! Joga simplesmente o teu intrépido jogo habitual, os títulos chegam sempre”, escreveu no Twitter Viswanathan Anand, indiano que se sagrou campeão mundial em 2000 e que é o grande ídolo do jovem de Chennai. Curiosamente, os peritos comparam Prag a… Bobby Fischer, pelo jogo cheio de variantes, atrevido e capaz de correr riscos sacrificando peças antes de puxar pela imprevisibilidade e genialidade.

“Lido bem com isso, mas a verdade é que não sei porque sou tão bom nisto”, comentou o jovem xadrezista indiano numa entrevista concedida em 2017.

“Tem um físico leve e ligeiro, mas com o talento de um peso pesado”, descreveu Ramachandran Ramesh, o seu guia e treinador, explicando o porquê do resumo: o cérebro de Prag processa as decisões a uma velocidade luz. Agora, é dar tempo ao tempo ao miúdo que gosta de andar de bicicleta mas habituou-se cedo a andar de avião para todo o lado e que já era destaque do The Guardian em 2016. Mas, para já, o título de Grande Mestre é o objetivo (veremos se vai a tempo de bater o recorde de Sergey Karjakin, que tinha apenas 12 anos e meio).