Em 2002, a Holanda foi o primeiro pais a legalizar o recurso à eutanásia, sendo o suicídio medicamente assistido é igualmente legal. No entanto, e antes de poder ser eutanasiado, a lei holandesa obriga o paciente a ser avaliado por uma equipa médica. E apenas poderá “morrer com dignidade” caso esta garanta que o mesmo tem “um quadro clínico intratável” e um sofrimento (físico ou psicológico) “constante e insuportável” que não pode ser aliviado.

Contudo, e aproveitando um vazio legal na legislação holandesa, uma cooperativa local, a Last Will, vai começar a disponibilizar a partir de março um comprimido aos seus associados (são hoje mais de 18 mil associados, a maioria na Holanda e cerca de mil no estrangeiro) que permite o suicídio (neste caso, não é de eutanásia que se trata) destes sem auxílio médico. Mas porquê “vazio legal”? É simples: o comprimido em questão é feito a partir de um conservante alimentar (se tomado em doses elevadas, o conservante causa a morte) e a sua venda não é proibida ou associada à eutanásia.

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O presidente da Last Will, o holandês Jos van Wijk, entrevistado pelo El Español, explicou a razão pela qual considera este procedimento uma “rota autónoma” à eutanásia. “Não queremos que os médicos – ou outros profissionais — tenham uma decisão final sobre a nossa vida ou morte. Queremos tomar a nossa própria decisão.” E acrescentou, não adiantando qual é o conservante alimentar utilizado nestes comprimidos: “Não dizemos o nome [da substância] porque não queremos que as pessoas a procurem massivamente na Internet. Mas posso dizer que funciona muito bem. Temos uma declaração de um toxicologista que garante que é mortal e que não precisa de ser tomada em grande quantidade. A única dor que causa é uma dor de cabeça – porque reduz a pressão sanguínea. O que fazemos é legal, humano e seguro. É uma forma muito digna de acabar com a vida, sem dor, em menos de uma hora.”

Para ser associado da Last Will não é necessária qualquer declaração médica — atestando uma doença terminal, por exemplo — mas apenas ser maior de idade (quase todos os associados tem mais de 55 anos) e pagar uma quota anual de 15 euros. Aos que são associados da cooperativa há mais de meio ano, a Last Will enviou nas últimas semanas um e-mail onde pergunta se estes querem participar na compra coletiva do conservante alimentar que está na origem do comprimido mortal. A explicação de Jos van Wijk para a “compra coletiva” é simples: “A quantidade mínima que podemos comprar [da substância] são 500 gramas e apenas são necessários dois [gramas] para matar uma pessoa”.

Os associados que depois queiram ter acesso ao comprimido, vão recebê-lo em casa, via correio. Mas não será o procedimento da Last Will uma apologia do suicídio? O seu presidente nega, garantindo que a partir de março a cooperativa vai organizar sessões informativas, presenciais, para explicar como tudo se processa. E explica: “Muitos [dos associados] só querem ter a substância em casa porque isso lhes proporciona tranquilidade. Sabem, assim, que se pretenderem acabar com a vida, têm a capacidade para o fazer. Com tranquilidade, ganham uma energia nova para pensar em outras coisas ao invés de pensarem em como vão acabar com a sua vida ou quanto tempo vão ainda sofrer”.