Quando os Alucina Eugénio subiram ao palco do Termómetro Unplugged, em 1994 (era assim que se chamava), levaram um baixo elétrico. “Pensei que não era grave. Era um miúdo que queria organizar um festival e, para mim, o que interessava era participar”, recorda Fernando Alvim, o tal que é homem da rádio mas que também é o responsável pelo evento que regressa este sábado ao Cinema de São Jorge, em Lisboa, para a 23ª edição.

O regulamento era claro: “Utilização de baixo acústico e vassouras é obrigatória”. Todas as bandas e artistas concorrentes tinham que tocar as músicas em versão acústica, ou seja, com instrumentos que não fossem elétricos. “Os Ornatos Violeta não foram à final por causa disso. Os Ornatos, vê lá tu”, conta, a rir-se. Alvim tinha apenas 19 anos quando se lembrou “do nada” de criar um festival no Porto para mostrar o trabalho de jovens aspirantes a músicos.

[finalistas #1: Jerónimo]

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No início dos anos 90, a cidade borbulhava de música e já tinha mostrado talentos com diferentes estilos. Logo na edição inaugural, a de 94, surgiram as primeiras maquetas de bandas desconhecidas até então, como os Ornatos Violeta. “Consegui convencer o Nuno Faria, da antiga PolyGram, hoje Universal, a vir ouvir os Ornatos. Disse-lhe: ‘Vais ficar doido’.”

Quando Nuno disse que sim, Alvim não queria acreditar. “Ele apanhou um avião e foi de Lisboa ao Porto de propósito ouvi-los. Ficou maluco”, diz. Acabaram por ir jantar no final de concerto. “Organizei um festival sem dinheiro. Fui mas não comi. Disse que não tinha fome”, ri-se. Na primeira edição do Termómetro, a banda vencedora foram os então recém-formados Blind Zero. Pouco tempo depois, a banda de Miguel Guedes assinou contrato com a editora Norte/Sul e um ano mais tarde lançaram o álbum Trigger.

Depois daquele êxito, o número de maquetas não parava de chegar e a editora multinacional BMG já era parceira na 2ª edição do Termómetro. “A ideia tinha surgido depois de ver o programa MTV Unplugged. Pensei em fazer uma versão portuguesa, mas que descobrisse novos valores e bandas. Queríamos sangue novo”, relata.

[finalistas #2: Mathilda]

O evento começou a crescer, a ganhar personalidade e a abrir portas para outros países. “Deixamos de ser Unplugged porque percebemos que estávamos a limitar a criatividade das bandas”. Abriram o espaço físico para outras cidades, além de Lisboa e Porto, e tornaram o festival itinerante. “Tínhamos até candidaturas internacionais”, afirma.

Na 15.ª edição do festival, por exemplo, Alvim quis juntar Manel Cruz, Samuel Úria e B fachada num concerto especial. “Estes dois últimos nem se conheciam. Quis proporcionar um encontro mítico”. Meteu-se no carro, deu boleia a Samuel e B Fachada até ao Porto para um jantar com Manel Cruz. “Fomos à Praça dos Poveiros e eu a tentar perceber como é que eles só estavam a conhecer-se ali, pela primeira vez, à minha frente. Senti-me o Júlio Isidro”, diz.

[Manel Cruz, B Fachada e Samuel Úria no Termómetro de 2010:]

Das maquetas recebidas, a organização apenas selecionava as 24 melhores. “Muitas vezes as bandas que viriam a tornar-se revelação não eram vencedoras e tinham ficado em segundo”, conta o organizador do evento. “A Marta Ren é um desses casos”. Mas há outros que acabam também por desistir durante o processo. “Não sei se há talentos que nunca vimos”, confessa. É o caso de Gisela João, que nunca participou porque achava que o festival era demasiado grande para ela. “Intimidou-a”, conta.

Alvim acredita que houve muitas formações e artistas que começaram a dar os primeiros passos naquele festival. Ana Bacalhau e Capicua, por exemplo, participaram no evento com outros projetos. “Era o síndrome da Miss Portugal. Os mais mediáticos ficaram em segundo. E olha hoje onde estão”.

Nos primeiros anos, as regras eram também diferentes. Em cada eliminatória, atuavam quatro bandas na presença de um júri constituído por 5 elementos, que atribuía uma classificação de 1 a 10 valores a cada banda participante. Na final, a votação passava a 10 elementos no júri. “Nessa época, o júri podia votar de uma forma livre e podia influenciar os outros. Havia júris que davam 10 pontos à banda com menos probabilidade de ganhar”, recorda Alvim.

[finalistas #3: quartoquarto]

Numa dessas edições, um responsável de uma editora chegou a pedir-lhe para influenciar os resultados. “O vencedor gravava um disco a custo zero”, acrescenta Alvim. Estavam empatados por 1 ponto: “Não me meti. Honestidade era fundamental”, diz. A banda vencedora não vingou e a segunda classificada era Marta Ren, que fez parte dos Sloppy Joe e que hoje segue percurso em nome próprio.

Por estes dias, tudo é diferente. Mudaram as regras. É o primeiro e o segundo lugar que contam e o júri reúne-se só no final. “Primeiro votam, depois falam uns com os outros para não influenciar”. Nem a organização. “Tenho as minhas preferência mas não digo. Nunca iremos dar a nossa opinião”. O prémio é aliciante. A banda vencedora toca em grandes festivais como o Alive ou o Bons Sons, tem direito a 10 horas de gravação num estúdio e também à produção de um videoclip.

O júri é composto por um mix. Há músicos, há jornalistas, há editoras e há pessoas ligadas à indústria de outras formas. O Zé Pedro, o Rui Reininho, Henrique Amaro ou o Jorge Romão são alguns dos nomes que já fizeram parte do júri. “Este ano, o Noiserv e o Samuel Úria vão estar entre os jurados.” Noiserv, aliás, que faz parte da lista de artistas que conseguiu primeiros momentos de atenção naquele mesmo festival, tal como DJ Ride, os Black Mamba, Salto, Mazgani, Richie Campbell, Quelle dead gazelle ou Alex D’alva Teixeira, entre muitos outros. “Sabias que o nome Noiserv foi criado de propósito para participar no festival? E que o B Fachada nem sequer chegou à final?”, recorda Fernando Alvim.

[finalistas #4: Planeta Tundra]

Não faltam histórias caricatas dos últimos 23 anos de festival. Como no dia a seguir à vitória dos Silence 4. “Estávamos a tomar o pequeno-almoço no hotel. Eles estavam em êxtase”, afirma. “A notícia na capa de um jornal do dia era: ‘Cabo Raso perderam o festival Termómetro’”, recorda entre risos.

Silence Becomes It foi o primeiro álbum do grupo de Leiria, lançado em 1998. A versão dos Erasure, do tema “A Little Respect”, foi criada de propósito para o festival Termómetro. Em cada atuação, as bandas era obrigadas a interpretar 4 temas, respetivamente 3 originais e uma “cover”, sendo pontuada a originalidade e a criatividade imposta na recriação do tema escolhido em detrimento da imitação. “Eles apresentaram essa. E foi esse o tema que lançou o sucesso do grupo”, conta.

Os Silence 4 tiveram 6 discos de platina, venderam mais de 240 mil cópias e com Silence Becomes It conseguiram um dos álbuns mais vendidos de sempre em Portugal. “Sou um privilegiado por ter visto tudo isto nascer”, reforça. “Quem ficou em segundo no passado era porque naquele momento ainda não tinha alcançado o nível de qualidade para avançar. Olha a Capicua, não chegou à final”, diz.

[finalistas #5: Caio]

Ao longo dos anos, o festival adaptou-se também à nova realidade musical. “Há uma democratização no acesso aos meios tecnológicos. Hoje, para conseguir gravar, é muito mais fácil. Naquela altura as bandas que tinham discos eram filhos de pais ricos”, recorda. Por isso, Alvim confessa que tem vindo a fazer um esforço para que exista “menos competição e mais valores emergentes”. O Cinema São Jorge, na Avenida da Liberdade, será o palco da 23ª edição, este sábado, dia 13, e contará com a atuação dos cinco finalistas, eleitos através de concursos locais no Fundão, no Porto, em Aveiro e em Lisboa. Caio, quartoquarto, Planeta Tundra, Jerónimo e Mathilda. Nomes até agora desconhecidos. Tal como eram desconhecidos os Blind Zero, Ornatos Violeta ou Silence 4.

Os bilhetes para assistir à final estão à venda na bilheteira do São Jorge e custam 10 euros. Além das bandas a concurso atuam também os Pop Dell’Arte. Mais info aqui.