A ascensão da China, o protecionismo norte-americano, o declínio da Europa, os riscos na península coreana, as potencialidades da América Latina e as economias emergentes no continente africano. Nesta volta ao mundo em uma hora e meia, o ex-líder do CDS, Paulo Portas, só não falou sobre o caso particular de Portugal, uma regra que tem seguido à risca desde que abandonou a vida política ativa. No entanto, os alertas que foi deixando, para a falta de competitividade fiscal da Europa, mas também para os riscos de um modelo político assente no conceito de direitos sociais adquiridos, são igualmente extensíveis a Portugal. E, para Paulo Portas, os factos são indesmentíveis: numa Europa incapaz de lidar com o défice demográfico e com a concorrência dos grandes blocos económicos, a rigidez do modelo social só vai acentuar essas diferenças.

A cultura de direitos adquiridos só existe na Europa. Os direitos adquiridos só existem quando há condições para os pagar, de os financiar. Na China e nos Estados Unidos não existe essa cultura. Deixemos de olhar para o umbigo e passemos olhar para o mundo como ele é“, defendeu Paulo Portas, que participou esta terça-feira numa conferência informal sobre “Geoestratégia do Mundo em 2018”, organizada pela Câmara de Comércio.

Segundo o antigo líder democrata-cristão, apesar de ter travado a “sua desagregação”, a Europa “não travou seu declínio”, por oposição ao que vai acontecendo na China, mas também nos Estados Unidos, onde, apesar da contestação política a Donald Trump, a economia tem tido um bom desempenho. Sem encontrar formas de atrair investimento, considera, o fosso entre a Europa, de um lado, e os Estados Unidos e a China, do outro, tenderá a acentuar-se.

Lembrando que a Europa, como bloco económico, “já tem um défice de competitividade no critério fiscal significativo” em relação aos Estados Unidos, Paulo Portas acredita que a nova reforma fiscal de Donald Trump — mais favorável para as empresas — pode ter implicações sérias na economia europeia, que teima em saber reinventar-se.

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Suspeito que a economia americana vai crescer bastante bem e vai agravar o défice de competitividade da Europa”, notou.

Além disso, a Europa tem outros desafios imediatos, sublinhou Portas: a relação com a Rússia, que a Europa, em particular a União Europeia, continua erradamente a “confundir com a União Soviética”; a inclinação para leste de países como Polónia, Hungria e República Checa, mais permeáveis ao “populismo”; a crise dos movimentos independentistas, uma “caixa de Pandora” instalada no coração da Catalunha; e as implicações do Brexit, que além de naturais consequências políticas e económicas, podem resultar na perda de “50% da capacidade nuclear da União Europeia”.

E há ainda o grande desafio que representa a crise dos refugiados. Neste ponto, Paulo Portas foi particularmente crítico em relação à União Europeia: “Devíamos corar de vergonha em matéria de acolhimento de refugiados“, criticou o antigo vice-primeiro-ministro.

Estados Unidos, China e o perigo nuclear

Paulo Portas falou também da nova realidade norte-americana, do crescimento da China e do perigo nuclear que domina todas as movimentações na Península Coreana. Fenómenos necessariamente interligados que podem moldar o tabuleiro geopolítico.

Primeiro, os Estados Unidos. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros desvalorizou a liderança política de Donald Trump, condicionada que está na sua atuação pelo sistema de checks and balances previsto na Constituição. Portas preferiu antes apontar para os indicadores positivos da economia norte-americana. Ainda que os Estados Unidos estejam hoje “a viver um ciclo que os afasta da comunidade internacional”, reconheceu Portas, o “mundo depende muito mais do Presidente dos Estados Unidos do que os norte-americanos“.

Ainda assim, Paulo Portas não deixou de lembrar que Trump enfrenta em novembro eleições decisivas: os norte-americanos vão a votos para eleger a nova composição da Câmara dos Representantes e 1/3 dos senadores. O resultado — neste caso, uma eventual vitória dos democratas — será fundamental para perceber se o Presidente dos Estados Unidos “terminará ou não o seu mandato“.

Até lá, a renegociação ou não do NAFTA, tratado comercial que junta Estados Unidos, Canadá e México, será fundamental para perceber qual será o posicionamento económico dos norte-americanos: “Se [o NAFTA] cair preocupem-se com o protecionismo dos Estados Unidos; se não cair, não se preocupem exageradamente“, aconselhou Portas.

O crescimento do mercado asiático, e da China em particular, é que é “incontornável“, segundo o agora conselheiro e consultor económico. “O problema dos Estados Unidos não é Rússia. É a China. E os Estados Unidos estão a revelar uma grande dificuldade em conter o crescimento da China“, sugeriu Paulo Portas.

Enquanto a China se tenta afirmar como o novo líder mundial, crescem os riscos de conflito naquela região do globo. “O crescimento migrou para Ásia, mas também o risco“, notou o democrata-cristão. “Se houver um conflito, onde é que pode acontecer? Obviamente, na Península da Coreia. Obviamente, no Mar da China”.

E é neste cenário que os riscos da ascensão da Coreia do Norte como potência nuclear se assumem como mais relevantes — uma ascensão que, segundo Portas, aconteceu com a “condescendência e boa fé da comunidade internacional“.

O que é que quer a Coreia do Norte? Sentar-se à mesa das negociações com a bomba nuclear. Negociar como potência nuclear. Faz toda a diferença”, defendeu.

Atingido o potencial nuclear da Coreia do Norte, “é impossível” não surjam outros contrapesos nucleares, alertou Paulo Portas — nomeadamente, a Coreia do Sul e o Japão, que não podem “continuar a viver” indefesos, sob a sombra nuclear da Coreia do Norte. E rapidamente se chega a uma “multidão” de países com acesso direto ao botão nuclear: “China, Índia, Paquistão, Japão, Coreia do Sul e Coreia do Norte”. Um autêntico barril de pólvora.

A perda de influência do Irão e a nova Arábia Saudita

Também preocupante, considera Paulo Portas, é o “conflito” que se vai travando pela influência no Médio Oriente e que põe, de um lado, o Irão, e, do outro lado, a Arábia Saudita. Para o antigo número dois de Pedro Passos Coelho, as reformas que estão a ser conduzidas pelo novo príncipe saudita, Mohammed bin Salman, que tem apostado tudo na reforma social do país, “pode ter um impacto direto” no Irão.

Segundo Portas, Mohammed bin Salman for bem sucedido, ele que tem defendido um novo contrato social para a Arábia Saudita e a construção de um Estado menos teocrático, a camada mais jovem do Irão pode sentir-se impelida a fazer exigências de mudança ao Governo iraniano, uma espécie de primavera árabe conduzida de fora para dentro.

Mais do que o confronto entre xiitas e sunitas, considera Portas, o que está em causa é, precisamente, a derrocada dos modelos teocráticos naquela região. “Porque é que o Irão tem de continuar a ser uma teocracia, se Arábia Saudita deixar de o ser?“, questionou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros.

Uma América Latina free market e o crescimento das economias africanas

Noutro ponto do globo, Paulo Portas destacou a evolução política das cinco principais economias da América Latina: Argentina, Chile, México, Colômbia e Brasil.

Os cinco países vão a eleições este ano, mas os principais sinais apontam num sentido: o favoritismo de forças políticas mais próximas do mercado livre, logo, com potencial de afirmarem ou consolidarem a sua posição como os novos players mundiais. Esta nova ordem política e económica pode ter, naturalmente, efeitos na economia mundial, notou o antigo vice-primeiro-ministro.

No continente africano, as perspetivas são mais complexas. “A África que está a correr bem é aquela que não depende do petróleo nem do gás natural“, sublinhou Paulo Portas. Países como a Costa do Marfim, Senegal, Etiópia, Ruanda, Tanzânia e Botswana têm registado crescimentos “acima dos 6%”. Em contrapartida, os gigantes económicos — África do Sul e Nigéria — parecem agora em contraciclo, com os sul-africanos a enfrentarem o esvaziamento do modelo político do ANC, partido de Mandela, e os nigerianos com dificuldade em conter o radicalismo religioso e o crescimento dos movimentos terroristas.

Paulo Portas reservou ainda um minuto para falar do caso particular de Angola. Para o antigo vice-primeiro-ministro, a transição de poder é “para levar a sério” e os sinais de maior abertura de João Lourenço no que diz respeito à política cambial (tendencialmente “mais flexível”) e à política de concorrência (de “maior abertura” e menos monopolizada) são “positivos”.

No final, confrontado pelos jornalistas com a tensão crescente entre Portugal e Angola a propósito do “Caso Manuel Vicente”, Portas rematou para canto.

“Como sabem, não ocupo nenhuma função pública, nem política. Não dou conselhos de bancada. A única coisa que eu sei é que as relações entre Portugal e Angola são muito importantes para a nossa economia e para a nossa afirmação no mundo.Tomei a decisão de não estar na vida política e sou consequente com isso. Por aqui me fico. Não gosto de ser treinador de bancada.”