O que têm em comum filmes como “King, Queen, Knave”, de Jerzy Skolimowski, “Verão de 42”, de Robert Mulligan, “Pecado Venial”, de Salvatore Samperi, e “Love Lessons”, de Bo Widerberg? Todos eles contemplam o mesmo tema: um adolescente é iniciado no amor e no sexo por uma mulher mais velha, quase sempre no espaço de um Verão, e servindo-lhe de introdução à idade adulta. É uma fantasia sexual recorrente no cinema, que a tem tratado quer com pudor, quer com picante, ora como drama ora como comédia, com maior ou menor carga erótica. “Chama-me pelo Teu Nome”, de Luca Guadagnino (“Eu Sou o Amor”, “Mergulho Profundo”), volta a glosar este tema. Agora com a diferença da situação ser homossexual em vez de heterossexual, envolvendo um rapaz de 17 anos e um homem com vinte e muitos.

[Veja o “trailer” de “Chama-me Pelo Teu Nome”]

O filme adapta parte do livro homónimo do escritor egípcio André Anciman, publicado em 2007 (a outra parte, em que os dois protagonistas são mais velhos e um deles está casado e tem filhos, vai também ser levada à tela por Guadagnino) e tem argumento do realizador James Ivory, autor de fitas como “Quarto Com Vista Para a Cidade” ou “Regresso a Howard’s End”. Ivory ia realizar “Chama-me Pelo Teu Nome”, mas foi Luca Guadagnino, há vários anos associado ao projecto como colaborador, quem acabou por agarrar no filme, rodado na Lombardia, onde vive. Ainda quis fazê-lo a meias com o próprio Ivory, mas este declinou e chamou a si apenas os créditos de argumentista e produtor.

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[Veja a entrevista com o realizador Luca Guadagnino]

O protagonista é Elio (Timothée Chalamet), um jovem intelectualmente precoce e com talento para a música, que está a passar as férias de Verão, no início da década de 80, com os pais, na sua casa de campo. O pai é um prestigiado professor de Arqueologia e a mãe uma intelectual distinta, e a família vive num ambiente de conforto, privilégio, cultura e erudição, onde se fala inglês, italiano, francês e alemão. Todos os anos, o pai de Elio selecciona um estudante recém-formado para ser seu assistente durante o Verão. E assim surge Oliver (Armie Hammer), um americano bonito e atlético, que cai de imediato nas graças dos pais de Elio, dos amigos e amigas destes e até dos habitantes da vila, e com o qual o rapaz embirra, virando-se para Marzia, com a qual tem um namorico. Só que lentamente, Elio começa a sentir-se atraído por Oliver. (Num filme feito há 20 ou 30 anos, Oliver seduziria a balzaquiana mãe de Elio e não o filho).

[Veja a entrevista com os dois actores principais]

O facto de estarmos nos anos 80, quando a atitude social para com a homossexualidade e a sua visibilidade quotidiana e mediática eram o oposto de agora, frisa a ideia de clandestinidade que envolve a história do filme, sensualmente fotografado pelo tailandês Sayombhu Mukdeeprom, colaborador de Apichatpong Weerasethakul e que trabalhou em “As Mil e Uma Noites”, de Miguel Gomes. Mas a verdade é que, tirando a orientação sexual das personagens, tudo o resto está aqui conforme a convenção do formato, desde o ambiente idílico e a languidez estival, que atiçam o desejo e convidam ao envolvimento carnal, à forma hesitante e desajeitada como a parte mais nova se envolve na relação. Guadagnino faz referências à estatuária grega clássica, numa caução “cultural” e erótica tão óbvia como estereotipada, e evita nudez frontal e sequências íntimas mais explícitas (há, no entanto, uma sequência involuntariamente risível de masturbação com um pêssego).

[Veja uma cena do filme]

Timothée Chalamet, que veremos em breve em “Lady Bird”, de Greta Gerwig, e acabou de fazer o novo Woody Allen, “A Rainy Day in New York” sai-se bastante bem como Elio, transmitindo a mistura de desejo, confusão, retracção e euforia da personagem perante o que está a sentir e a viver. Já Armie Hammer, um canastrão bem-parecido, não passa no papel de Oliver. A bota erudita e intelectual da personagem não dá com a perdigota do seu ar de jogador de futebol americano bronco. Mas se há uma figura inverosímil em “Chama-me Pelo teu Nome”, é o pai de Elio, interpretado por Michael Stuhlbarg. Impossivelmente compreensivo e incomensuravelmente tolerante até para os dias de hoje, quanto mais para os anos 80, este pai é a personagem mais idealizada e mais fantasiosa desta afectada e inócua variante homossexual do “coming of age movie” heterossexual clássico.