António Costa reuniu-se durante 40 minutos esta terça-feira, em Davos, à margem do Fórum Económico Mundial, com o Presidente angolano João Lourenço, num momento em que os dois países atravessam uma das suas maiores crises diplomáticas. Na semana em que começou em Lisboa o julgamento, por corrupção, do ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, o primeiro-ministro português declarou que está tudo normal, menos as visitas ao mais alto nível entre os países.

Nem Costa fará a visita a Angola em que começou a preparar há mais de um ano, nem o novo Presidente angolano virá a Portugal:

Tudo decorre normalmente com uma única exceção: não haver visitas ao mais alto nível aos respetivos países. As relações entre os nossos países e povos são fraternas e insubstituíveis. Estamos juntos”, declarou Costa no fim da reunião.

O primeiro-ministro português disse que “foi um encontro extremamente positivo”, em que se fez o ponto da situação das “boas relações, a vários níveis”. Mas admitiu o elefante no meio da sala: “Não ignoramos que existe uma questão — e uma só questão — estritamente jurídica, que decorre da responsabilidade única das autoridades judiciárias”. Angola queria que o julgamento decorresse em Luanda, onde Manuel Vicente gozaria de imunidade.

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Apesar de António Costa dizer que estão congeladas as visitas oficiais, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebeu a primeira-dama angolana na semana passada, tinha avançado o Expresso no sábado. A visita ao Palácio de Belém de Ana Dias Lourenço, mulher de João Lourenço e ex-ministra do Planeamento de José Eduardo dos Santos, estava fora da agenda e não foi divulgada.

O Governo chegou a pedir um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a imunidade diplomática do ex-vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, Manuel Vicente, acusado de corrupção ativa e de branqueamento de capitais no âmbito da Operação Fizz. O mesmo parecer não foi homologado pelo primeiro-ministro, depois de o receber, em novembro.

O parecer em causa visava a alegada imunidade diplomática de Manuel Vicente — que a sua defesa invoca desde a fase de inquérito –, sendo que a Conselho Consultivo da PGR, ao que o Observador apurou, terá retirado as mesmas conclusões que as procuradoras responsáveis pela investigação e pelo juiz: Manuel Vicente não tem direito a imunidade diplomática porque os crimes de corrupção e de branqueamento de capitais terão sido praticados quando Vicente era presidente da Sonangol — e não como vice-presidente de Angola.

Costa não homologou e não vai publicar parecer sobre imunidade diplomática de Manuel Vicente

António Costa já se tinha reunido com João Lourenço na cimeira UE-África, em dezembro, e na sequência desse encontro faria declarações no mesmo sentido das desta terça-feira — tirando a parte das visitas oficiais: “Foi uma reunião frutuosa, onde ficou claro que não há nenhum problema entre Portugal e Angola dos pontos de vista económico e político. Há uma questão que transcende o poder político, que não diz respeito ao Presidente da República, ao Governo ou à Assembleia da República. É um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, Augusto Santos Silva chegou a visitar Luanda em fevereiro de 2017, para preparar a deslocação do primeiro-ministro a Angola: “Depois de várias visitas setoriais de membros do Governo português a Angola e de membros do Governo angolano a Portugal, é chegado o momento de proceder ao fecho de abóbada nessas visitas, com a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros”, referiu então Santos Silva, citado pela Lusa. Um dos “objetivos essenciais” era “preparar uma próxima visita ao mais alto nível”, ou seja, a uma futura visita oficial do primeiro-ministro, ainda em 2017. No entanto, já nessa altura não havia clima para o chefe do Governo português visitar Luanda. E agora ainda menos.

Augusto Santos Silva em Angola para preparar “visita ao mais alto nível”