— Quem gosta de andar nesta escola que levante o braço.
— E quem não gosta?
— Mais!
— Tu aí, passa o microfone para lá.
— Ali, ali, ali.
— Muito bom. Mais, mais.
— Está aqui à frente. Quem mais quer?
— Atenção professoras e professores, estão a ouvir isto?

Marcelo Rebelo de Sousa chegou por volta das 11h30 à Escola Secundária de Camarate, em Loures. Tinha perguntas, mas foi para responder às muitas dúvidas dos estudantes que deu a aula-debate desta quarta-feira – no dia em que faz dois anos que foi o ex-comentador da TVI foi eleito para a presidência. Com vários alunos sentados no chão, à sua volta, e outros encostados às paredes, o professor Marcelo esteve durante cerca de uma hora a dar aula. Perguntas, fez duas: “Quais são os principais problemas de Portugal” e “O que é que cada um de vocês pode fazer para ajudar a resolver esse problema?”.

A primeira corajosa chama-se Ângela, a segunda Matilde. E daí em diante o microfone passa de mão em mão, com mais ou menos atropelo, mais ou menos problemas no som. Falta de informação no geral, uma justiça muito lenta, a quantidade de pessoas que sai do país e emigra, a desigualdade salarial, o desemprego (a esta, Marcelo respondeu: “Tens noção de que já esteve pior do que o que está?”), a organização das florestas, a falta de aposta na cultura e na criatividade dos jovens, a diminuição da taxa de natalidade foram apenas alguns dos problemas destacados pelos jovens.

“Bom dia, eu chamo-me Samanta e acho que um dos verdadeiros problemas de Portugal é cortarem no povo e não cortarem no Estado, com todo o respeito. Cortarem só no povo e não cortarem também no estado”, disse uma das alunas da Escola Secundária de Camarate.

À segunda pergunta de Marcelo Rebelo de Sousa, os jovens responderam com conceitos de humanismo, entreajuda, solidariedade social, direitos humanos, interesse pela política, com a questão dos refugiados, com artes ou com a luta contra o racismo e o preconceito. Terminada a ronda, foi a vez de o professor, que agora é Presidente da República, passar para o lugar de entrevistado e responder às mais de 10 perguntas dos alunos. No centro das preocupações dos estudantes de Camarate, os valores que devem orientar os governantes, a forma como Marcelo gostaria de ser lembrado, a inclusão dos mais idosos na vida social, o desemprego e até Fernando Pessoa.

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“É preciso respeitar a dignidade de cada um, de cada uma das pessoas de carne e osso. Somos diferentes. É preciso aceitar a diferença. A coisa mais difícil da vida é aceitar que os outros são diferentes de nós. Não nos podemos fechar de forma egoísta”, disse Marcelo, explicando que quem está em cargos de poder se fecha ainda mais, por ter muitas coisas para resolver e dar reposta. “Fecham-se e esse respeito pelas pessoas é fundamental. Tudo o resto é consequência disso, porque é o respeito que faz compreender as pessoas, entender a gravidade dos seus problemas.”

“António Guterres é o melhor da minha geração, é notável”

Na ordem das características ou feitos pelos quais gostava de ser lembrado, primeiro a família, depois o ensino e por último a presidência. “Gostaria de ser lembrado por esta ordem: primeiro, por ser um bom pai e um bom avô; segundo, por ter sido um bom professor, depois por ter cumprido a missão – esta missão – o melhor. Se for por estes três já não é mau.”

Marcelo conta ainda que uma das coisas que mais o preocupa é o facto de a sociedade portuguesa poder dividir-se por uma questão de idade e de acesso às novas tecnologias. “Preocupa-me que de repente os menos jovens, porque vão menos à Internet, e que se ficam pelas televisões generalistas se sintam esquecidos e abandonados”, afirmou, lembrando, mais à frente, que os jovens têm “um jogo de cintura e uma capacidade de adaptação” que os mais velhos não têm, mas que ainda assim é preciso que as escolas os eduquem para a mudança.

O presidente frisou ainda que hoje as decisões mais importantes do mundo se resolvem com um clique e que as consequências dessas decisões chegam rápido às ciências, à economia e às ciências sociais.

“Mas a política é mais lenta. As decisões em matéria de lei são mais lentas. Há uma distância entre o tempo em que as pessoas estão a viver certas questões e o momento em que sentem que as respostas chegam. Isto é um problema real e que às vezes dá soluções erradas. Uma decisão errada é começar a decidir por Twitter e não estou a falar de manifestar opiniões. Isto cria nos mais jovens a sensação de que quem decide não os acompanha, está longe deles, não vê os problemas”, afirmou.

Da esfera política e governamental, uma frase: “a vida política do último ano pareceu uma montanha russa”, afirmou, para se referir às boas e às más notícias que marcaram 2017. “Aquilo que no momento parece uma tragédia, depois as pessoas pegam nas suas forças e começam a construir, como aconteceu com os incêndios. Em Pedrógão, ficou tudo destruído pelos incêndios em junho. Quando passei lá, em agosto, estava já a rebentar em verde um conjunto de áreas. A Natureza já tinha tido um processo rapidíssimo, mesmo antes de as reflexões e comissões terem conduzido ao que vai ser feito lá. Este é um exemplo do ritmo da Natureza”, disse Marcelo.

À pergunta de uma estudante que evocou a “Mensagem”, de Fernando Pessoa, o Presidente da República disse que “somos grandes e gloriosos”. “Olhamos para o país e dizemos que é um país geograficamente pequeno, num cantinho da Europa”, disse, lembrando que não é por acaso que temos um português como secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. “Primeiro, porque ele é excecional. António Guterres é o melhor da minha geração, é notável. Mas além disso, é porque ele conseguia falar com os russos, os americanos, os chineses sem mudar de opinião com cada um deles, mas compreendendo a diferença entre eles. E é por isso que temos tanta gente em posições importantes”, disse, estacando ainda o facto de Mário Centeno ter sido eleito presidente do Eurogrupo.

Entre os microfones, mais questões — da crise de refugiados aos vários problemas transnacionais. E o senhor Presidente e professor respondeu a todas.