Primeiro, foi o secretário de Estado da Proteção Civil, José Artur Neves, a admitir utilizar helicópteros, drones e inibidores de sinal para obrigar os condutores a reduzir a velocidade e impedir o uso de telemóvel ao volante. Depois, foi o ministro Eduardo Cabrita a esclarecer: está tudo em fase de estudo e o Governo está de “espírito aberto” para acolher sugestões. Operadoras, regulador e especialistas ouvidos pelo Observador levantam muitas dúvidas e dizem não ter sido sequer contactados.
O Ministério da Administração Interna deixou sem resposta uma série de perguntas do Observador sobre este assunto, limitando-se a dizer que são ideias a ter em conta no futuro, e remetendo para as declarações de Eduardo Cabrita, que, no mesmo dia, veio esclarecer as declarações de José Artur Neves. “É uma possibilidade que existe em alguns países e que Portugal vai estudar e seguir com muita atenção. Queremos trazer o conhecimento e trazer a melhor experiência técnica, académica e científica para as soluções que são necessárias implementar. Existe um espírito aberto para estudar experiências de outros países para reduzir a sinistralidade rodoviária”, respondeu uma fonte oficial do ministério.
Num primeiro momento, o Observador procurou saber junto do gabinete do ministro da Administração Interna o que estava, de facto, em causa. Em relação ao uso de helicópteros da Proteção Civil e drones para controlar a velocidade dos veículos, o Observador perguntou: isto implicaria algum tipo de investimento? Há meios aéreos suficientes? Estas novas missões não significariam uma maior sobrecarga para a Proteção Civil? Portugal já dispõe de drones capazes de executar estas missões?
Governo admite helicópteros e drones para fiscalizar velocidade e inibir sinal de telemóvel
Sobre o uso de inibidores de sinal para impedir os condutores de receber ou fazer chamadas, o Observador perguntou: esta aplicação seria articulada com as operadoras? Como é que funcionaria esta tecnologia? Seria opcional, ou seja, dependeria do condutor? Ou seria automaticamente acionada por sensores de movimento? Esta aplicação seria extensível a todos os passageiros? Como é que funcionaria em caso de emergência? O condutor e/ou passageiros poderiam facilmente desativar esta “inibição de sinal”?
Apesar de o Ministério não ter respondido a qualquer questão, o Observador procurou, ainda assim, uma posição da ANACOM, autoridade reguladora em Portugal das comunicações postais e das comunicações eletrónicas, sobre a possibilidade de o Governo, em coordenação com as operadoras, utilizar inibidores de sinal para impedir que os condutores recebessem chamadas telefónicas. Não obteve uma resposta formal, apesar da insistência.
As várias operadoras contactadas pelo Observador, que preferiram não reagir oficialmente, garantiram que ninguém no Governo as contactou nesse sentido. Uma fonte de uma operadora disse ao Observador que, na eventualidade de se adotar uma tecnologia dessa natureza, tal obrigaria a um investimento tecnológico “inquantificável” e a “mudanças legislativas muito complexas”.
“Neste momento, é quase impossível imaginar uma solução dessa natureza. Nem sequer fomos contactados pelo Governo. Acho, honestamente, que foi um palpite do secretário de Estado, que não sabia muito bem o que estava a dizer”, nota uma responsável de uma das principais operadoras de telecomunicações móveis.
Luís Manuel Ribeiro, professor no Instituto Superior Técnico de Lisboa, no Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, diz “não perceber o alcance” das palavras do secretário de Estado. “Honestamente, não conheço, neste momento, tecnologia que seja capaz de responder às questões levantadas pelo secretário de Estado”, diz ao Observador.
De facto, já existem recursos tecnológicos para impedir que os condutores recebem chamadas. Em dois cenários: ou dependem dos próprios condutores, através de opções como “Não Incomodar”; ou dependem das entidades patronais. “Há empresas, por exemplo, que colocam nos camiões dispositivos que impedem os condutores de usarem o telemóvel, permitindo apenas que contactem com a entidade patronal ou com a família, por exemplo”, explica. Como é que isso pode ser transversal a todos os condutores? Luís Manuel Ribeiro não sabe.
“Uma solução dessas podia existir, se o carro tivesse, por exemplo, inibidores de sinal incorporados, ativados por sensores de velocidade. Mas seriam extensíveis a todos, condutor e passageiros. Não conheço qualquer solução que funcionasse apenas para o condutor e fosse proativa, ou seja, não dependesse exclusivamente da ação do condutor“, nota.
Os inibidores de sinal existem enquanto tecnologia. No fundo, quando ativados, interferem na transmissão do sinal dos telemóveis num determinado raio de influência. São usados, por exemplo, para proteger altas figuras do Estado em deslocações oficiais. O Presidente dos Estados Unidos quando segue de carro é acompanhado por outros carros que estão equipados por inibidores de sinal que impedem comunicações na frequência comum. O objetivo é impedir ataques com explosivos acionados através de telemóvel.
Em alguns países, como nos Estados Unidos, existem prisões equipadas com inibidores de sinal que impedem a comunicação via telemóvel entre reclusos ou com o exterior. Há vários países que já testaram e adotaram essa tecnologia para impedirem que as pessoas utilizem o telemóvel em cinemas ou teatros. Transpô-la para o controlo do trânsito, como sugeriu o secretário de Estado, seria difícil, reconhece Luís Manuel Ribeiro.
“Não conheço tecnologia exterior [ou seja, que não dependesse do próprio utilizador] que fosse capaz de impedir um condutor de receber chamadas na autoestrada, por exemplo. Mesmo que fosse adotada, não seria legal e afetaria todos os que circulassem, incluindo os passageiros. Como é que funcionaria, por exemplo, em casos de emergência? E em estações de serviço? Não sei”, diz Luís Manuel Ribeiro. Resta saber o que pensará o Governo.