Acordar, fazer um treino de descompressão, passar tempo com a família, ir ver um jogo de ténis, aproveitar para ir ao cinema. Este podia ser o sábado de qualquer pessoa, mesmo com atividades distintas mas dentro da mesma onda relaxada de descanso. Este foi o sábado de Roger Federer, que na Austrália não tem por hábito deitar-se antes da uma da manhã e que ontem foi ver “A Hora Mais Negra”: “Na quinta-feira fui ver um filme para relaxar mas acabou por tornar-se um thriller louco; hoje [ontem] vou ver o filme sobre Winston Churchill, ouvi dizer que é bom”, comentou na antecâmara da final que seria a reedição do último jogo decisivo de Wimbledon.

Aos 36 anos, o suíço conhece cada vez melhor o seu corpo, os seus limites, as fraquezas que já foram forças e as forças que um dia tinham sido fraquezas. E é assim que continua a somar Grand Slams, neste caso o 20.º. Que é como quem diz, 10% de todos os Majors disputados na Era Open. Aliás, na Austrália, a notícia nem foi propriamente a vitória de Federer mas o facto de Marin Cilic ter conseguido vencer dois sets na final de pouco mais de três horas…

Além de ainda não ter perdido um único set ao longo de todo o torneio, o helvético despachou o primeiro set em 25 minutos (6-2), o que reforçava ainda mais essa ideia de chegar ao triunfo com a “folha limpa”. No entanto, o croata ainda conseguiu provocar surpresa ao vencer o segundo set no tie break (7-5). Haveria mesmo surpresa? O terceiro set, que terminou em 6-3, disse que não; o quarto, abriu a porta ao sim: Cilic conseguiu finalmente quebrar o serviço de Federer e levou as decisões para o quinto e último set (6-3). Aí, na hora das decisões, o suíço conseguiu logo um break a abrir e foi gerindo o resultado no seu serviço até fechar o encontro com 6-1.

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“Para mim, o Roger é o melhor de todos os tempos. O modo como joga há 15 anos, a consistência com que joga, a forma aparentemente fácil com que ganha tantos torneios… É verdadeiramente assombroso! Continua a viajar por todo o mundo e continua a ser competitivo. Para mim era uma honra ganhar o seu 20.º Grand Slam aqui, no estádio que tem o meu nome”, tinha comentado na final Rod Laver, um dos grandes nomes de sempre do ténis.

Roger Federer com o australiano Rod Laver: duas lendas do ténis mundial (GREG WOOD/AFP/Getty Images)

“Aquilo que mais gosto é o que não se vê, o que está dentro. O modo como bate a bola é inato, é igual ao que tem o Rafa Nadal. Os fundamentos técnicos são próprios, mas valorizo acima de tudo o que está por dentro: a forma como conduz os jogos, a forma de solucionar os problemas… Faz isso como nunca ninguém fez no desporto e é por isso que se torna para mim o mais impressionante. Acredito que o Roger ainda vai ganhar mais quatro ou cinco Grand Slams”, acrescentou Mats Wilander, atual comentador após vencer sete Majors na carreira.

Roger Federer, o nosso elixir da juventude: o melhor dos melhores ganhou Wimbledon pela oitava vez

A partir de agora, Roger Federer passou a ser, em igualdade com Roy Emerson e Novak Djokovic, o jogador que mais vitórias conseguiu no Open da Austrália (2004, 2006, 2007, 2010, 2017 e 2018). Antes, já era também o jogador com mais triunfos em Wimbledon (2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2009, 2012 e 2017). A isso acrescem ainda os cinco títulos consecutivos no US Open (2004, 2005, 2006, 2007 e 2008) e a vitória em Roland Garros em 2009. 20 razões para concordar com Rod Laver: o suíço é mesmo o melhor de sempre.

Rafael Nadal e Roger Federer ajudaram a Europa a ganhar ao Resto do Mundo (Clive Brunskill/Getty Images for Laver Cup)

Em paralelo, pelas qualidades dentro e fora dos courts, Federer é também o jogador mais apreciado do circuito. Por atitudes como aquela que teve, por exemplo, com o amigo e adversário Rafa Nadal, ligando ao espanhol para saber como estava depois da desistência por lesão do número 1 do mundo. Mas ainda é a viragem de paradigma desde o ano passado, altura em que passou a fazer apenas alguns torneios (falhou, por exemplo, Roland Garros em 2017) para gerir a sua condição física aos 36 anos, que continua a ser abordada após os encontros. “Prefiro fazer como este ano, em que acordo de manhã e posso andar normalmente. No ano passado lamentava ‘Oh meu Deus, tenho dores nas costas, na perna, no pé’. Doía-me sempre qualquer coisa. A dor às vezes é boa mas agora as minhas expetativas são diferentes”, comentou após o triunfo na Austrália em 2017.

Estou tão feliz, isto é inacreditável… Quando os jogos são à noite é mais complicado, porque pensamos nisso o dia todo. O conto de fadas continua, depois do grande ano que tive em 2017 é incrível. Obrigado a todos, tivemos um tempo extraordinário, tanto que ainda cá estamos, e estivemos muito bem como família e equipa”, agradeceu.

Depois de mais um torneio e uma final como se de um extraterrestre se tratasse, Roger Federer não conseguiu evitar as lágrimas como qualquer humano na altura de agradecer o apoio da família, da equipa e dos fãs. Essa é também a sua receita do sucesso e, ao mesmo tempo, o nosso elixir da juventude: a forma como o suíço se mantém no topo do desporto mundial aos 36 anos mas comemora os triunfos de forma sentida como se fosse o primeiro e como se tivesse 18 é um exemplo para tudo e para todos. E que promete não ficar por aqui.