A Mazda tirou mais um coelho da cartola. Numa fase em que os motores a combustão parecem estar condenados a ser banidos do comércio numa série de países, eis que este fabricante japonês surgiu com o inovador Skyactiv X, um motor que funciona a gasolina, mas que trabalha com o mesmo princípio que rege os diesel, para se tornar mais potente e com menores consumos. É uma solução tecnológica que a maioria dos construtores de automóveis persegue há cerca de duas décadas e que a Mazda foi a primeira a conseguir fazer funcionar correctamente.

O revolucionário Skyactiv X pressupõe ser uma alternativa aos Skyactive G e Skyactive D da Mazda, respectivamente a gasolina e a diesel. A nova unidade, visa conseguir conciliar as vantagens dos motores a gasolina, ao fazer mais rotação para atingir mais potência, com os trunfos dos diesel, essencialmente funcionar com excesso de ar (na relação ar/gasóleo) para diminuir o consumo e trabalhar com taxas de compressão superiores, para tornar todo o processo mais eficiente e obter mais força. Denominada, em termos gerais, Homogeneous Charge Compression Ignition (HCCI), esta é uma tecnologia em que há muito tempo os principais fabricantes de automóveis investem fortemente, mas até agora sem resultados práticos. A dificuldade está em conseguir controlar a compressão da mistura ar/gasolina, sem que esta detone antes de tempo e danifique o motor, furando-lhe um pistão, por exemplo. E para ultrapassar todas estas dificuldades, a Mazda vai recorrer a uma vela. Ou melhor, a várias.

Como é o Skyactiv X?

Este primeiro Skyactiv X – pois tudo indica que se tratará de uma família de motores, com diversas capacidades e potências – é um 2.0 a gasolina com quatro cilindros, capaz de queimar a partir de 87 octanas, o que revela à partida que a Mazda está confortável com a tecnologia, a ponto de não exigir 95 ou 98 octanas, cujo índice de octanas o defenderia mais da auto-detonação. Com quatro válvulas por cilindro, o novo motor possui injecção directa e tem o injector colocado no centro da câmara de combustão, entre as válvulas, o que obrigou a deslocar a vela para uma extremidade. E, para fornecer a quantidade de ar necessária, o motor recorre a um turbocompressor, ainda que, pressupostamente (a marca ainda divulgou a pressão), a uma pressão muito baixa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas esta não é a única diferença do Skyactiv X para o Skyactiv G, apesar de este ser um dos mais eficazes motores a gasolina do mercado. O “X” anuncia uma taxa de compressão de 16:1, uma verdadeira brutalidade para um motor a gasolina, especialmente sobrealimentado. Para se ter uma ideia, o motor do Ferrari 812 – para dar exemplos, nada melhor do que recorrer aos melhores e, neste capítulo, a Ferrari dá cartas –, um 6.5 V12 atmosférico com 800 cv, comprime à razão de 13,6:1. Mas a mesma marca, nas unidades com turbocompressor, como o 3.9 V8 biturbo do 488 GTB, com 670 cv, não ultrapassa 9,4:1. Isto deixa patente a compressão elevadíssima do “X”, o que se justifica sabendo que quanto mais elevada é a taxa de compressão, maior é o potencial para extrair cavalos do combustível que se queima – a menos que isso comprometa a fiabilidade e resistência mecânica –, o que coloca este inovador motor da Mazda ao nível dos diesel. Como se pode ver pelo motor 4.0 V8 biturbo com 435 cv, ao serviço do Bentley a gasóleo, tem exactamente a mesma taxa de 16:1.

Segundo a Mazda, o novo Skyactiv X é capaz de reduzir o consumo entre 20 e 30%, enquanto simultaneamente consegue fornecer mais 10 a 20% de força (binário), quando comparado com o Skyactiv G. Embora a marca não tenha ainda revelado as características do novo “X”, é fácil concluir pelos valores anunciados pelo “G”, que o novo motor deverá consumir substancialmente menos do que os 6,4 litros, colocando a fasquia algures entre os 4,4 e os 5,1 litros. Quanto ao binário, o novo “X” será capaz de elevar os 210 Nm do “G” para uns bem mais interessantes 230 a 250 Nm.

[jwplatform msmafNMo]

Como funciona?

Um motor diesel trabalha com excesso de ar. Na fase de compressão comprime apenas ar, com o combustível a ser injectado imediatamente antes do pistão atingir o ponto morto superior, altura em que a mistura dentro da câmara de combustão está uma temperatura tal que surgem em simultâneo inúmeras zonas mais quentes onde se iniciam múltiplas explosões.

Por comparação, as unidades a gasolina já admitem uma mistura de ar e combustível, para garantir uma solução mais homogénea, que depois é comprimida para, junto ao ponto morto superior, a vela gerar a faísca que a faz explodir, empurrando o pistão para baixo e, com isso, produzindo força.

A dificuldade em colocar um motor a gasolina a funcionar com ignição por compressão, como os diesel, é que o intervalo de temperatura e de pressão dentro da câmara é tão pequeno, para tudo correr bem, que é difícil garantir e, acima de tudo, de controlar. Foi exactamente isto que a Mazda conseguiu, graças a uma tecnologia que apelida de Spark Controlled Compression Ignition (SPCCI).

A SPCCI faz o Skyactiv X funcionar como se fosse dois motores distintos, de forma a resolver os maiores problemas que esta tecnologia enfrenta. A maior dificuldade da ignição por compressão da gasolina reside em impedir que o motor se deteriore no arranque a frio e a trabalhar em carga máxima, quando se circula a fundo numa condução mais desportiva. Em ambas as situações, a possibilidade da explosão da mistura não acontecer, ou acontecer antes de tempo, é grande e a saúde do motor iria ressentir-se, de forma evidente. Ora foi exactamente aqui que os técnicos da Mazda surpreenderam, ao arranjar uma vela que provocasse uma pequena faísca para iniciar a explosão, que depois se irá propagar ao resto da mistura.

Nas restantes condições, que consistem no uso normal do motor em ritmo de passeio, ou em cidade, este funciona com uma mistura muito pobre, gerada durante toda a fase de admissão, e daí a redução do consumo. Quando o pistão sobe e comprime a mistura ar/gasolina, esta vai aumentando de temperatura à medida que a pressão aumenta, com a explosão a surgir em diversos pontos da câmara de combustão em simultâneo, como acontece nos diesel. Segundo a marca, trata-se de uma explosão muito mais rápida e violenta, empurrando o pistão com mais força e daí o binário superior. Comparar o motor “X” com o “G” é como comparar um balão cheio que liberta o ar porque o furamos, ou porque abrimos o bocal.

É melhor que o diesel? E os eléctricos?

O novo Skyactive X é obviamente melhor do que os gasolina atmosféricos, em potência e consumo e, se as versões sobrealimentadas convencionais podem debitar mais potência e força, será impossível atingir os consumos muito reduzidos do inovador motor da Mazda.

Em relação aos diesel a conversa é outra, com o Skyactiv X a não conseguir batê-los em força, mas a aproximar-se muito no que respeita a consumos e logo emissões de CO2. Contudo, o novo “X” será consideravelmente mais leve e barato, tanto mais que os diesel começam a ficar demasiado caros, devido aos inúmeros sistemas antipoluição a que têm que recorrer. A grande diferença reside contudo nas emissões poluentes, com a Skyactiv X a ser mais amigo do ambiente no que respeita aos NOx e às partículas, as dificuldades tradicionais dos motores a gasóleo.

A Mazda chama contudo à atenção para o facto de, face aos baixos consumos do novo motor, e se considerarmos todo o ciclo de vida, ou seja, o Well to Wheel (desde a fase de produção à utilização final ), o Skyactiv X é capaz de emitir menos CO2 do que os eléctricos a bateria que se alimentem a partir da rede em países que não recorram, de forma esmagadora, a fontes sustentáveis. Os mercados onde a produção energética ainda depende muito do carvão ou da queima de derivados de petróleo dificilmente podem rivalizar com um motor a gasolina com consumos reais de 4,4 litros/100km. O que não será o caso português, onde a maioria da energia eléctrica provém de fontes hidroeléctricas, eólicas e fotovoltaicas.

O Skyactiv X vai servir igualmente para a Mazda electrificar futuros modelos, surgindo associado a motorizações híbridas e híbridas plug-in, com o recurso a pequenos conjuntos de motores eléctricos e baterias a potenciarem ainda mais os baixos consumos do Skyactiv X.

Quando o podemos ter?

Como nenhum dos actuais modelos da marca está capaz de montar o novo Skyactiv X, só o poderemos ver nos novos modelos, que a Mazda irá introduzir a partir de 2020. Uma das primeiras dificuldades prende-se com a juventude da tecnologia SPCCI, que foi apresentada no Salão de Tóquio, no final de 2017. Mas não deixa de ser um bom sinal que o fabricante revele suficiente confiança no seu funcionamento, a ponto de a deixar ser analisada por uma série de jornalistas internacionais.

Mas mais importante do que isto, o sistema SPCCI torna o motor mais ruidoso do que um gasolina normal, elevando igualmente o nível de vibrações, pelo que exige montagens no chassi distintas e com maior capacidade de absorção, o que leva a que só veículos concebidos de raiz possam acolher os motores “X”.

Além do novo Skyactiv X se destinar a equipar versões estritamente a gasolina, explorando os seus consumos reduzidos, esta unidade motriz servirá ainda para electrificar outras versões, ainda mais amigas do ambiente, que o fabricante pensa colocar no mercado já a partir de 2021, ou seja, um ano depois de surgir o primeiro veículo 100% eléctrico da Mazda, alimentado por bateria, o que acontecerá em 2020.