O ex-vice presidente angolano, Manuel Vicente, pediu ao ao Procurador-Geral da República daquele país para pedir às autoridades portuguesas que lhe transmitam o processo em que é acusado de corrupção de um magistrado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). O agora deputado quer, assim, que o processo corra e seja resolvido em Angola.

Na carta que enviou a 19 de janeiro, a três dias do início do julgamento no Campus de Justiça, Vicente começa por pedir com “urgência” ao procurador-geral Hélder Fernando Pitta Grós a resposta que deu ou pretende dar às autoridades portuguesas relativamente à carta rogatória expedida pela Procuradoria-Geral da República Portuguesa — na qual é solicitada a constituição de arguido de Manuel Vicente e a notificação da acusação deduzida pelo Ministério Público. Isto por causa das constantes notícias que dão conta do seu alegado envolvimento no processo conhecido como Operação Fizz.

Na carta, a que o Observador teve acesso, e que foi referida este fim-de-semana por Luís Marques Mendes, Manuel Vicente assina como “Ex-vice-Presidente da República” e não como deputado, a sua função atual.

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Depois invoca a lei que permite que um país delegue noutro a tramitação de um processo penal para pedir ao procurador-geral angolano que peça às autoridades portuguesas que transmita o processo — o que aliás já foi pedido pela sua defesa em Portugal pela voz do advogado Rui Patrício.

Marques Mendes, que revelou a carta de Manuel Vicente no seu espaço de comentário semanal na SIC, deu a entender que Vicente teria manifestado disponibilidade através desta missiva para ser julgado em Angola. Mas essa não é, neste momento, a questão. Não tendo sido ainda constituído arguido nem notificado da acusação, os autos relativos a Vicente estão ainda na fase de inquérito. Mesmo que, por hipótese, o processo fosse para Angola, as autoridades angolanas teriam que analisar, em primeiro lugar, se Manuel Vicente pode ser julgado, pois invoca não só a existência de uma imunidade diplomática como de uma amnistia no que diz respeito a todos os crimes (como o de corrupção ativa) que lhe são imputados pelo Ministério Público português. Duas matérias que a sua defesa está a alegar em Portugal e que não vão desaparecer em Luanda só pela simples vontade de Vicente.

Aliás, é precisamente devido à existência dessa amnistia (concedida por José Eduardo dos Santos) e imunidade (que o Ministério Público e dois tribunais portugueses dizem que não se aplica ao caso de Vicente) que os autos nunca foram transmitidos pela justiça portuguesa a Luanda.

Está pendente um recurso da defesa do ex-presidente da Sonangol no Tribunal da Relação de Lisboa sobre essas matérias. Se o recurso vencer, os autos poderão ser transferidos para Luanda.

Recorde-se que foi na primeira sessão de julgamento, a 22 de janeiro, que o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa recebeu a resposta à carta rogatória enviada às autoridades angolanas — sendo essa a segunda carta rogatória que as autoridades portuguesas enviaram para Angola. Nessa resposta, a Procuradoria-Geral angolana referia que não podia cumprir o pedido de notificar Manuel Vicente da condição de arguido e do despacho de acusação, uma vez que o “ex-vice-presidente goza de facto de imunidade e destaca que ela dura apenas cinco anos (…)”. Em concreto só se pode saber se a lei da amnistia se aplica ou não, argumenta a PGR de Angola, findo esse prazo de cinco anos. Finalmente, e de acordo com a interpretação que a justiça angolana faz da lei portuguesa, Portugal pode efetivamente recuperar o direito a julgar” após o final do período da aministia, lê-se na missiva.

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Uma argumentação um pouco diferente da resposta à primeira carta rogatória expedida pela PGR de Portugal mas, mesmo assim, com o mesmo resultado: Angola recusa notificar Manuel Vicente.

O coletivo de juízes, presidido por Alfredo Costa, acabou por optar separar Manuel Vicente do processo e prosseguir o julgamento com os restantes três arguidos: o procurador Orlando Figueira, o advogado que chegou a representar Manuel Vicente, Paulo Blanco, e o seu procurador em Portugal, o empresário Armindo Pires.

O julgamento está a decorrer, com os arguidos a apontarem as agulhas para o banqueiro angolano Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico, e não para o ex-governante, Manuel Vicente.

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O juiz Alfredo Costa tinha emitido um mandado de detenção de Manuel Vicente, válido apenas para sábado e domingo, após promoção do Ministério Público fundamentada em informações da PSP de que o ex-n.º de Angola estaria em Portugal. O objetivo era claro: deter Manuel Vicente para constitui-lo como arguido e notificá-lo da acusação. Surgiram notícias de que Vicente, contudo, estaria em São Tomé e Príncipe.

Texto alterado às 22h25