A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está a preparar um substituto digital para as cadernetas físicas, que um décimo dos clientes ainda tem, revelou Paulo Macedo esta quarta-feira, numa conferência em Lisboa sobre inovação na área bancária. O responsável adiantou que o banco está a trabalhar numa alternativa digital, “que tem as características de uma caderneta física, mas que reforça a segurança, entre outros aspetos”. Noutro plano, Paulo Macedo definiu como objetivo para os próximos 18 meses a duplicação do número de clientes que usam o “homebanking“, uma área em que todos os bancos estão a investir mas onde a Caixa, revelou Macedo, está a estudar se deve adotar, ou não, tecnologias como o reconhecimento facial.

As revelações foram feitas por Paulo Macedo numa mesa-redonda da Banking Summit — organizada pela SIBS e pela Associação Portuguesa de Bancos (APB) — em que os presidentes-executivos dos principais bancos partilharam algumas opiniões sobre a crescente importância do digital na sua atividade. Esse é um movimento, porém, que Paulo Macedo sublinha que não pode esquecer o fator da inclusão digital.

“Temos de ter a certeza de que não deixamos para trás uma parte significativa dos clientes”, lembrou Paulo Macedo, referindo-se às pessoas mais idosas ou menos habituadas a lidar com as novas tecnologias. Ao mesmo tempo, o banco tem de prestar um serviço cada vez mais “amigo do utilizador” e isso passa por analisar as tendências e as experiências que estão a ser feitas noutros países: “no banco BNU, em Macau, os utilizadores já entram na conta com reconhecimento facial. Estamos a analisar se essa prática faz sentido, ou não” para um banco como a CGD, adiantou Paulo Macedo.

Onde a Caixa, segundo Macedo, não está muito interessada em estar na vanguarda é na utilização dos dados dos clientes, designadamente através da inteligência artificial. Esse trabalho está a ser feito “com cuidado” e, por isso, não esconde que a Caixa está um pouco “atrasada” nesse processo, até porque “já está a haver recurso a robôs (software de análise de dados) em algumas tarefas como penhoras e análise de risco de crédito”, mas ainda não se utilizam “processos de inteligência artificial para analisar tudo o que o cliente faz”, como faz uma Amazon, por exemplo, explicou.

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CGD BCP SANTANDER, banking summit, feveiro, 2018

Paulo Macedo avisa que, sem uma ação proativa por parte dos bancos, estes arriscam ficar só com a parte pesada e pouco rentável do negócio. FOTO: João Seguro/OBSERVADOR

Bancos admitem que vão perder negócio para outras empresas inovadoras

Além de Paulo Macedo, estavam na mesa-redonda Nuno Amado, do BCP, António Vieira Monteiro, do Santander Totta, António Ramalho, do Novo Banco e Pablo Forero, o presidente-executivo do BPI. Em um ponto quase todos concordaram: a entrada de novas empresas nesta atividade, graças a mudanças na regulação como a nova diretiva de serviços de pagamentos, pode penalizar a rentabilidade dos bancos.

Uma das ideias que mais se ouviram em toda a Banking Summit é que os bancos não podem assumir uma atitude defensiva — como alguém lembrou, isso foi o que fez a Kodak, no início da fotografia digital, ao querer focar-se na fotografia analógica, onde as margens eram maiores mas rapidamente deixaram de o ser, por muito que a Kodak insistisse no modelo.

Os bancos têm de fazer investimentos internos e parcerias com empresas que tenham novas ideias. Mas, por muito bem que corra a adaptação aos novos tempos, a estratégia terá sempre de passar, também, por “reduzir custos” e manter a rentabilidade. “Se não conseguirmos acompanhar este processo com medidas de defesa da nossa rentabilidade em termos de futuro podemos vir a ter problemas na atividade bancária”, disse Vieira Monteiro, do Santander Totta.

Paulo Macedo diz que, se nada fizerem, os bancos correm o risco de ficar apenas com a parte do negócio mais pesada e com mais obrigações regulamentares (como depósitos e crédito de longo prazo, que exigem elevados níveis de capital) — com custos altos que os clientes não querem assegurar através de comissões — enquanto novos operadores (as tais fintech) ficam com serviços lucrativos, como serviços de pagamento.

Nuno Amado, banking summit, fevereiro, 2018

“O blockchain é uma tecnologia fantástica mas ainda no outro dia, no Japão, desapareceram 400 milhões e ainda andam à procura deles”, ironiza Nuno Amado.

Na banca ainda há lugar para o “human touch”, diz o presidente do BCP

O presidente-executivo do BPI, o espanhol Pablo Forero, considerou-se um otimista e sublinhou a importância de os reguladores estarem atentos e definirem regras equilibradas para cada tipo de participante nestas atividades.

Esse é um tema sobre o qual também falou o presidente do BCP, em outras conferências, mas desta vez Nuno Amado pediu licença ao moderador — Vítor Bento, presidente do conselho de administração da SIBS — para fazer uma série de perguntas que, no fundo, são as inquietações do gestor bancário. Em primeiro lugar, “quem vai ser supervisionado e quem vai supervisionar esta área dos pagamentos? Depois, quem vai pagar os custos da supervisão? E os da resolução? São os mesmos de sempre? Quem vai financiar a economia portuguesa se houver uma mudança significativa da poupança para outras geografias?”

E outros riscos: o que acontece quando houver roubo e fraude? “Quem fica responsável? “Eu sei que o blockchain é uma tecnologia fantástica e segura, mas ainda noutro dia, no Japão, desapareceram 400 milhões e ainda estão à procura deles”. No fundo, Nuno Amado pergunta: “estes novos participantes vão ou não contribuir para uma maior estabilidade financeira?”.

Porque os bancos continuam a ter a “confiança” dos clientes e porque a atividade bancária vai continuar a precisar de um “toque humano”, um “human touch“, Nuno Amado vê com ceticismo alguns dos vaticínios que se fazem para o impacto da tecnologia para este setor. “O ponto de partida é a confiança dos clientes, que é uma vantagem. As marcas locais têm vantagens desde que tenham um serviço adequado, inovador”, afirmou Nuno Amado, comentando, por exemplo, que “teria muito cuidado” em dar consentimento para que, ao abrigo das novas regras dos pagamentos, alguém pudesse aceder aos nossos dados para um serviço de agregador.