Ora aqui está um duelo improvável. No frente-a-frente entre o foguetão mais potente do momento, o Falcon Heavy – que descolou ontem rumo a Marte, transportando um Tesla Roadster –, e o Bugatti Chiron, o mais potente e luxuoso superdesportivo do mundo, qual será o mais rápido? Será uma competição diferente, para não dizer estranha, pois se o Chiron se desloca na horizontal e sobre rodas, o foguetão da SpaceX movimenta-se na vertical, tendo que elevar todo o seu peso no momento do arranque, que ascende a um total de 1.420 toneladas. Mas como ambos têm de começar por ultrapassar as fasquias dos 100, 200, 300 e 400 km/h, vamos à comparação, de cronómetro em punho.

Primeiro uma apresentação rápida dos contendores. Num canto o Chiron, o mais moderno e potente dos Bugatti, que extrai 1.500 cv de um motor a gasolina com 16 cilindros em W, o que atinge graças ao ar fornecido a grande pressão por parte de 4 turbocompressores. A potência é passada ao asfalto por um sistema de quatro rodas motrizes, que confia a tracção a uns pneus desenvolvidos especificamente pela Michelin, isto porque são os únicos capazes de ultrapassar o esforço – e o aquecimento – que implica rodar acima de 400 km/h. Aliás, são mesmo os pneus e a margem de segurança que a Bugatti impõe a si própria, que leva o construtor francês do Grupo Volkswagen a auto-limitar a velocidade do Chiron a 420 km/h, em vez dos 463 km/h que o modelo pode atingir.

Quer ver como é atingir 400 km/h em 32,6 segundos?

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No outro canto temos o Falcon Heavy, o aparelho da SpaceX, empresa que Elon Musk dirige, tal como a Tesla, e que consiste em três Falcon 9 juntos, com nove motores Merlin 1D cada. No total são 27 motores, que juntos geram um impulso de 22.819 kN, ou seja, 22.819.000 newtons, sensivelmente o mesmo que conseguem atingir 18 aviões Boeing 747 juntos. Isto no primeiro andar do foguetão, porque depois dos três boosters abandonarem a cápsula – o que acontece depois de esta ultrapassar 60 km de altitude – entra ao serviço o Merlin 1D que faz mover o segundo andar do Heavy, capaz de fornecer 934 kN (o mesmo dos outros 27), com a vantagem de apenas ter de funcionar no vácuo.

[Um Tesla no espaço ao som de Bowie e a aterragem perfeita de dois impulsionadores. Reveja neste vídeo as imagens mais fascinantes desta odisseia]

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Qual é o melhor de 0-100 km/h?

A resposta é: o Chiron. Com uns generosos 1.996 kg, o Bugati exibe uma elegância de top model quando comparado com o Falcon Heavy, 710 vezes mais pesado. Curiosamente, ambos os veículos queimam um combustível derivado de petróleo, pois se o Chiron usa gasolina comum, que queima com ajuda do oxigénio que existe na atmosfera, o Heavy, vai ter de transportar o seu próprio oxigénio para lidar com um ar cada vez mais rarefeito à medida que se aproxima dos 12 km de altitude e, depois disso, com o vácuo. É este oxigénio em estado líquido que lhe vai permitir realizar a queima do RP1 (de Rocket Propellant 1), na realidade um querosene altamente refinado, ou seja, uma gasolina mais “apurada”.

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Com a vantagem de ser mais leve e, ainda por cima, de não ter de elevar as duas toneladas do Chiron, o Bugatti chega aos 100 km/h ao fim de apenas 2,54 segundos, enquanto o Heavy necessita de 8 segundos para elevar as suas “gorduras”, mais precisamente 1.420.788 quilogramas. Com uma massa tão impressionante, é fácil perceber que o Tesla Roadster vai à boleia dentro do foguetão, com apenas 1.310 kg, pouco limita o potencial do aparelho, que consegue colocar numa órbita terrestre baixa (até aos 2.000 km) 63.800 kg, para depois conseguir deslocar 16.800 kg até Marte.

E a partir dos 100 km/h?

Depois de bater o seu “adversário” até aos 100 km/h, o Bugatti continua a esmagar o Falcon Heavy até aos 200 km/h, fasquia que o Chiron cumpre em 6,4 segundos, enquanto o Heavy necessita de 13 segundos. Porém, convém constatar que enquanto o carro começa a tornar-se mais lento (depois de cumprir os 100 km/h em 2,54 segundos, os 200 km/h já foram atingidos a uma média de 3,2 segundos por cada 100 km/h), o foguetão começa a livrar-se, ainda que lentamente, da inércia inicial, cobrindo os 200 km/h a uma média de 6,5 segundos por cada 100 km/h, em vez dos 8 segundos de que necessitou para atingir os primeiros 100 km/h.

E os 300 km/h também favorecem o Bugatti, que atinge após 13,4 segundos (4,47 segundos de média por cada 100 km/h), contra 18 segundos do aparelho da SpaceX, numa fase em que este já atinge uma média de 6,0 segundos por cada 100 km/h.

Os 400 metros com arranque parado, ou seja a tradicional aceleração do quarto de milha (na realidade 402 metros), também favorecem o superdesportivo, que cumpre em 9,5 segundos, contra 14 segundos para o foguetão com 70 metros de altura e 12,2 metros de largura.

Então é sempre o Bugatti a ganhar?

Nada disso. A magia do automóvel, ou pelo menos o período durante o qual os seus 1.500 cv chegam para liderar este duelo de aceleração, termina antes dos 400 km/h. O Chiron consome 32,6 segundos para ultrapassar esta meta (média de 8,15 s. por cada 100 km/h), enquanto ao Heavy bastam 22 segundos. Aliás, o foguetão já salta dos 300 km/h para os 400 km/h em 4 segundos, enquanto o Bugatti necessita de praticamente 19.

A partir daqui o Chiron desaparece do mapa, uma vez que está limitado a 420 km/h, mas é precisamente nesta fase que o Falcon Heavy começa a revelar-se imparável. Os 500 km/h são atingidos apenas 3 segundos depois e os 1.000 km/h são cumpridos 54 segundos depois da descolagem, com o foguetão a atingir velocidade supersónica pouco depois, já a 11 km de altitude. Os 2.000 km/h ficam para trás após 1 minuto e 27 segundos, os 5.000 km/h em 2.11 e os 9.000 km/h em 3 minutos, já a 81,2 km de altitude e a uma média de 2,0 segundos por cada 100 km/h.

Pouco depois desta fasquia, a cápsula do Falcon Heavy (que já tinha perdido os dois boosters laterais a 61,4 km de altitude, solta-se do resto do primeiro andar (a 91 km e a 9.483 km/h) passando a contar apenas com os serviços do Merlin 1D que assegura a locomoção do segundo andar do foguetão. Que ainda assim continua a acelerar a bom ritmo, atingindo os 10.000 km/h em 3.41 e os 25.000 km/h em 8,19, aqui já a 179 km de altitude e a uma média de 1,99 segundos por 100 km/h.

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O motor do segundo andar do Heavy continuou a funcionar até aos 28 minutos, altura em que se desligou durante cerca de seis horas, enquanto a cápsula atravessava o cinturão de Van Allen, entre os 3.000 e os 25.000 km de altitude, para depois voltar a funcionar pela última vez e colocar o que resta do foguetão – e o Tesla Roadster da 1ª geração – a caminho de Marte. Na verdade, o objectivo é voar junto ao planeta vermelho e continuar a vaguear pelo espaço numa órbita em volta do Sol.

4 fotos

Quanto ao descapotável Tesla vermelho, com o Starman confortavelmente a bordo, fato de astronauta, uma mão no volante e o outro braço a descansar sobre a porta, passa a ser o carro usado mais rápido e valioso do nosso planeta. Sucede que o descapotável, com 292 cv e capaz de atingir 212 km/h e os 100 km/h em somente 3,7 segundos, está já muito longe da Terra e, em breve, a 400 milhões de quilómetros de distância, sensivelmente o dobro de Marte. Três câmaras vão continuar a registar imagens do Tesla e do espaço que o rodeia, especialmente desde que a cobertura do topo da capsula foi libertada.

Caso algum extraterrestre esteja interessado, o veículo em causa pertence a Elon Musk e não tem preço listado no Standvirtual, em Portugal. Mas nos EUA há várias unidades à venda entre os 45 e os 55 mil dólares. E substancialmente mais próximos.