Passaram-se mais de dez anos desde a estreia de “O Capacete Dourado”, segundo filme de Jorge Cramez, história de amor baseada em factos reais e com um toque de “Romeu e Julieta” em Vila Real, a partir de um argumento escrito por Rui Catalão e Carlos Mota. Na altura, Eduardo Frazão encantou no papel de J; em “Amor Amor” regressa para um papel secundário (Julinho) mas um dos principais ainda é de Ana Moreira, a Julieta/Margarida d’”O Capacete”, que aqui interpreta Marta, namorada de Jorge (Jaime Freitas). O tema mantém-se: o amor, ou o “amor amor” dito em exclamação, interrogação, fascínio ou provocação. O tempo é diferente – passa-se no presente, numa passagem de ano – e o cenário também, a Lisboa de agora.

[o trailer de “Amor Amor”:]

O amor em várias frentes. Há um casal/relação central, Marta e Jorge, cuja existência é justificada pela urgência do futuro (daí a localização temporal — uma passagem de ano — ser importante) e os amigos à volta, que participam ativa e passivamente na relação: Lígia (Margarida Vila-Nova), Carlos (Nuno Casanovas) e Bruno (Guilherme Moura).

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É o “amor” de Jorge Cramez. As personagens de “Amor Amor” são como uma evolução das de “O Capacete Dourado”:

“Eles estão a crescer. Em “O Capacete Dourado” são mais jovens e vivem num arquétipo shakespeariano, as personagens de ‘Amor Amor’ estão mais próximos de mim. O outro filme passa-se em Vila Real, no interior, este na cidade com jovens adultos, mas é como se o J e a Margarida de ‘O Capacete Dourado’ se tivesse mudado para a cidade e a viver esta história. E para o próximo filme espero avançar com personagens mais velhas, estou a pensar em adaptar o “Platonov” do Anton Chekhov. A personagem do Platonov, na minha cabeça, é um bocado a evolução do Jorge”, diz o realizador.

Contudo, “Amor Amor” foi escrito antes de “O Capacete Dourado”: “É um guião com muitos anos, começou a ser escrito em 1993, depois de ter visto o ‘La Place Royale’ do Pierre Corneille, encenado na Cornucópia pela companhia da Brigitte Jacques. Vi a peça e aquilo mexeu comigo, porque me reconheci no universo afectivo, vi ali amizades que tinha, pessoas próximas, reconheci-as nas personagens do Corneille, que são personagens de uma comédia escrita no século XVII. E achei que dava um bom guião cinematográfico, até porque a peça em si estava construída, do ponto de vista cénico, com uma linguagem próxima do cinema: passa-se numa casa, as personagens entram e saem de campo, entram em campo, dizem texto, saem de campo, e nas saídas de campo e entradas há elipses, passam-se coisas, as personagens apaixonam-se dentro e fora de campo. E passa-se tudo em 24 horas, num dia.”

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Foram vários anos a submeter o argumento a um subsídio do ICA sem sucesso. Com o passar do tempo chegou-lhe o argumento de “O Capacete Dourado” às mãos e começou a concorrer com os dois guiões (quando ainda era possível fazê-lo). Quis o destino que “O Capacete Dourado” conseguisse o subsídio e “Amor Amor” ficasse na gaveta, tornando assim as aventuras – e as suas personagens — em volta do amor por Jorge Cramez cronologicamente viáveis. Dez anos entre um e outro filme e muito mais tempo desde que escreveu o argumento de “Amor Amor”. Muito mudou. Os amigos, a cidade, a Lisboa, a noite de Lisboa. As personagens ainda se movem para o “Kirk”, referência a Captain Kirk, bar no Bairro Alto do qual Cramez é um ex-dono.

“Do meu ponto de vista autobiográfico, o tempo foi passando, Lisboa foi mudando e a cidade era e continua a ser uma das protagonistas do filme. As pessoas que me inspiraram também fora crescendo, ficando mais velhas. Quando escrevi o guião estava a retratar essas pessoas, a contextualizar a movida de Lisboa de finais dos 1980s e início dos 1990s. Mas os espaços mantêm-se, de outra forma, claro. As saídas do Bairro Alto de madrugada para ir ver o nascer do sol ao Meco. As saídas das discotecas para ir para os miradouros da cidade e ver o nascer do sol. Isso continua a acontecer. Há muito que se mantém, mas eu também sou diferente, já tenho 50 anos, não tenho os vinte e tal anos de quando escrevi o ‘Amor Amor’.”

Jorge Cramez durante a rodagem de “Amor Amor”

A história é universal, fala-se de amor. Há uma nostalgia por essa Lisboa, mas a Lisboa que se vive no filme é a Lisboa de agora. Não tem pó e vive e respira as personagens e os romances de Jorge Cramez. Mas porquê o amor, sempre o amor? “Se calhar porque o amor é central na minha vida. Não é um propósito quase filosófico ou estético, trabalhar o tema do amor. Acho que é um reflexo da forma como vivo e como vivo as relações dos outros, amigos, familiares, as pessoas por quem me enamoro. Apesar de ser um solitário, estou permanentemente apaixonado. Há coisas no ‘Amor Amor’ que vêm do Corneille mas que sou eu que questiono. Tenho algo do Jorge, mas não sou o Jorge. O Jorge é uma pessoa do bem, mas tem aquelas maquinações, a tratar mal a Marta. Não sou assim, mas aquele lado da liberdade dele, de não querer casar e ter filhos, de achar que isso lhe vai roubar o trabalho e a vida, são problemas que passam por mim. Se calhar é por isso que vivo sozinho.”