Não, o limbo não foi inventado por animadores socioculturais para entreter grupos de turistas em cruzeiros. É uma dança tradicional caribenha, com origem na ilha de Trinidad, ali ao lado da Venezuela. A Europa e os Estados Unidos é que lhe acharam muita graça. Hollywood pegou e usou, tal como já tinha feito com o samba de Carmen Miranda, enquanto a Europa abriu as portas à grande precursora do limbo, a dançarina e coreógrafa Julia Edwards. Mais do que uma simples dança, o limbo tem um bocadinho de competição à mistura. Na barra, como na vida, é ver quem é que consegue descer mais baixo.
Afinal, como é que se dança?
Antes de mais, é preciso providenciar uma banda sonora à altura. Em 1962, Chubby Checker (intérprete de “Let’s Twist Again”) gravou “Limbo Rock“. A música chegou ao número dois do Billboard Top 100 e tornou-se numa espécie de hino oficial da dança centro-americana. Como já era de esperar, o limbo foi reduzido àquele agachamento sob a barra (pelo menos, é essa a imagem que nos ocorre imediatamente), mas como dança tradicional de Trinidad e Tobago é bem mais completo do que isso. Requer jogo de anca, sincronização de movimentos e acessórios daqueles que chocalham. Sem desprimor para o êxito do senhor Checker, o limbo original é dançado ao som de tambores e até chegar à parte da barra passa por muitos outros movimentos.
Mas as leis do entretenimento também inverteram a lógica do limbo. Tradicionalmente, o movimento por baixo da barra simboliza o renascimento, a passagem da morte para a vida, daí que a dança original comece com a barra o mais perto possível do chão. A partir daí, é sempre a subir e não a descer, como nos habituámos a ver nos programas de televisão dos anos 90. Afinal, ir aumentando o nível de dificuldade tem muito mais potencial. Relembramos ainda que não vale fazer batota, ou seja, tocar com o corpo no varão (se ele estiver em chamas então não convém mesmo) e apoiar as mãos no chão. Lembre-se sempre que qualquer varão de cortinados dá um bom limbo. Boa sorte.
O desembarque do “caribe mix”
O limbo foi só uma de muitas importações artísticas e culturais do Reino Unido em 1948, ano de British National Act. Estima-se que cerca de 170 000 imigrantes caribenhos tenham chegado ao país, depois do governo britânico ter lançado uma campanha com vista à reconstrução do pós-guerra. Chegaram sobretudo da Jamaica e de Trinidad e Tobago em busca de melhores empregos e salários. Na mala trouxeram ska, rocksteady, reggae e entre as danças veio também o limbo, exótico o suficiente para prender a atenção dos europeus, mesmo com a vaga de descriminação racial que o país atravessou durante a década de 50. Ainda assim, os novos estilos musicais foram absorvidos pela sociedade britânica e há mesmo relatos de sessões dançantes em que mambo e foxtrot partilhavam a mesma pista.
Do lado de lá do Atlântico, o limbo rebentou na mesma década. Em 1957, o filme Fogo nos Trópicos, protagonizado por Rita Hayworth, Robert Mitchum e Jack Lemmon, levou a dança (e um triângulo amoroso nas Caraíbas) para o grande ecrã. No mesmo ano, os ritmos latino-americanos começaram a dar sinais de ter conquistado os britânicos. O tema “The Banana Boat Song” de Harry Belafonte, americano de ascendência jamaicana, chegou a número três no top do Reino Unido, depois de ter escalado as tabelas dos Estados Unidos.
Mas foi Julia Edwards, nascida e criada em Port of Spain, a grande embaixadora do limbo no mundo. Começou a dançar aos 15 anos e em 1953, com 20, já coreografava a sua própria trupe, o Julia Edwards Dance Group, e atuava em hotéis, clubes e restaurantes da capital. Num desses espetáculos, os seus bailarinos caíram nas graças de um produtor de Hollywood que os levou para o elenco de Fogo nos Trópicos. “Simplesmente, adorava dançar — sem parar. Foi tudo o que sempre quis fazer”, afirmou, citada pelo The Guardian em 1985.
Em 1959, foi a primeira a apresentar-se com uma barra em chamas. Igualmente inédita foi a inclusão da barra humana nos espetáculos. Em vez de um objeto inanimado, eram os braços e pernas dos próprios bailarinos a limitar a passagem. As digressões mundiais levaram-na aos cinco continentes e embora tenha deixado de dançar em 1972, continuou a coreografar o seu grupo até ao início dos anos 2000. Morreu em maio do ano passado, tinha 84 anos.