No debate quinzenal desta quarta-feira, o primeiro-ministro e o líder parlamentar do PSD envolveram-se em picardias sobre vários assuntos. No seu último debate no cargo, Hugo Soares quis encostar o Governo à defesa de horas extraordinárias excessivas no Porto de Lisboa, sem cuidar de saber que foi o seu Governo a abrir portas a esta possibilidade e que os sindicatos estão de acordo. António Costa fez um auto-elogio no que se refere aos números do abandono escolar. E Hugo Soares tentou demonstrar que os números do crescimento eram positivos mas não eram assim tão bons. Quem tem razão e quem foi mais enganador esta tarde?
Governo permitiu que trabalhadores fizessem 850 horas extraordinárias?
A frase
“O seu governo acaba de publicar um despacho que autoriza que trabalhadores possam trabalhar cinco meses mais num ano do que aquilo que é normal, fazendo 850 horas de trabalho extraordinário. Acha razoável?”
Hugo Soares, líder parlamentar do PSD
O líder parlamentar do PSD quis voltar a criticar o Governo com a legislação laboral e — além de lembrar o caso Autoeuropa — quis trazer um dado novo para o jogo: um despacho assinado pela ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, e pelo ministro do Trabalho, Vieira da Silva, que permite que os trabalhadores do Porto de Lisboa passem a ter como limite 850 horas extraordinárias ao invés das anteriores 250.
Hugo Soares perguntou a António Costa se achava “razoável”, num tom acusatório e de indignação. Ou seja: como se o Governo fosse responsável por os trabalhadores trabalharem mais “cinco meses” num ano só em horas extraordinárias. Costa disse desconhecer o despacho, mas que confiava nos seus seus ministros: “Desconheço o despacho, mas existindo e dizendo o que diz, e conhecendo os dois ministros, certamente o despacho está bem”.
O Governo foi rápido a apresentar uma nota de esclarecimento aos jornalistas durante o debate quinzenal, onde explicava que Hugo Soares se referia a uma “lei especial que regula o trabalho portuário” e não ao Código do Trabalho. A lei, cuja redação originária é de 1993, previa que o limite era de 250 horas. Porém, em 2013, foi aprovada uma lei que permite que este número pode ser ultrapassado “quando tal for previsto em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho e posteriormente por acordo entre empregador e representantes sindicais”. Para isso, esse acordo necessita de ser “homologado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos transportes e laboral” após um parecer favorável do Instituto da Mobilidade e dos Transportes. Ora, foi isso que aconteceu.
É o próprio Contrato Coletivo de Trabalho do Porto de Lisboa que prevê esse aumento. E foram os próprios trabalhadores, em acordo com a entidade patronal, que o solicitaram. O próprio vice-presidente do Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística, José Carlos Monteiro, confirma ao Observador que o pedido foi feito “por ambas as partes, como está na lei, e devido à especificidade do setor.” O Governo limitou-se assim a aprovar um pedido que até partiu (também) dos próprios trabalhadores. É verdade que, mesmo assim, os ministros podiam considerar excessivas as horas de trabalho extraordinário, mas o que permitiu que sejam feitas tantas horas foi, precisamente, uma alteração à legislação feita no tempo do Governo PSD/CDS (e a respetiva maioria na Assembleia da República). Ou seja: Hugo Soares, embora seja factual na referência ao despacho, é enganador: faz uma crítica ao Governo PS por uma situação que foi o Governo PSD/CDS que permitiu e que agradava aos sindicatos. A crítica fez ricochete.
Conclusão: Enganador
O Governo de Costa baixou o abandono escolar precoce?
A frase
“Destaco uma significativa melhoria na taxa de abandono escolar precoce, que há uma década era 36,5% e que em 2017 baixou para 12,6% (…) Baixámos a taxa de abandono escolar precoce”
António Costa, primeiro-ministro
O que António Costa diz na frase está factualmente correto. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística e do Pordata, a taxa de abandono escolar precoce era de 36,5% em 2007 e chegou aos 12,6% em 2017. O problema é que António Costa chama a si os louros desta redução, quando na verdade tem a pior percentagem de redução pelo menos dos últimos sete anos (desde 2011), e revela um abrandamento nos seus dois anos de Governo (2016 e 2017) face ao que o Governo de Passos Coelho vinha a conseguir fazer.
Durante os quatro anos de Passos Coelho houve uma redução significativa do abandono escolar precoce:
- De 2011 para 2012: redução de 2,5 pontos percentuais (de 23% para 20,5%);
- De 2012 para 2013: redução de 1,6 pontos percentuais (de 20,5% para 18,9%);
- De 2013 para 2014: redução de 1,5 pontos percentuais (de 18,9% para 17,4%);
- De 2014 para 2015: redução de 4,3 pontos percentuais (de 17,4% para 13,7%).
Porém, nos dois anos de António Costa esta redução abrandou e o abandono escolar até subiu (ainda que ligeiramente) num deles:
- De 2015 para 2016: aumento de 0,3 pontos percentuais (de 13,7% para 14%)
- De 2016 para 2017: redução de 1,4 pontos percentuais (de 13,7% para os 12,6%)
Ou seja: o melhor ano de Costa foi pior que o pior de Passos Coelho. Ao falar da redução do abandono escolar precoce como uma das conquistas da mudança de política do Governo, António Costa está a ser enganador. Os louros são mais do Governo anterior e também do Governo de José Sócrates.
Conclusão: Enganador
Portugal está a crescer “poucochinho” comparado com os outros países?
A frase
“Portugal cresce pouco, poucochinho. Na União Europeia, em 27, só estamos à frente de sete países. E, na Zona Euro, em 19, estamos atrás de 13 países”.
Hugo Soares, líder parlamentar do PSD
O primeiro-ministro começou o debate a anunciar “boas notícias para Portugal”, trazendo como trunfo os 2,7% de crescimento económico registado em 2017. Costa disse, e com razão, que é um “crescimento acima da [média] zona euro e da [média da] própria União Europeia” e que é o “maior crescimento desta década”. Os números confirmam-no. Porém, dito desta forma, parece que Portugal é dos países da UE e da Zona Euro que está a crescer mais. E isso já não é verdade.
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, lembrou isso mesmo: que Portugal está na segunda metade na tabela, tanto na zona Euro, como na União Europeia. De facto, como Hugo Soares alegou, na Zona Euro houve 13 países a crescer mais que Portugal em 2017. Ou seja: de acordo com os dados divulgados pelo Eurostat Portugal está à frente de apenas cinco países na Zona Euro: Alemanha (cresceu 2,2%), França (1,8%), Bélgica (1,7%), Grécia (1,6%) e Itália (1,5%). A Irlanda, que também teve um resgate, lidera o campeonato do crescimento com uns impressionantes 7,3%.
Olhando para a União Europeia a 27, Portugal não está em último lugar, mas tem vinte países à sua frente (e apenas seis a crescer menos). O próprio António Costa acabou por admitir que também achava “pouco“, mas acrescentou que é bem mais do que conseguiu o Governo de Passos Coelho.
Conclusão: Certo