No essencial nada se alterou nos últimos três anos na resposta aos problemas de poluição no rio Tejo — e até se agravou em parte por causa da seca. Pelo menos até 24 de janeiro deste ano. Esta conclusão foi repetida pelos três presidentes das câmaras do Médio Tejo — Abrantes, Mação e Vila Velha de Ródão — na audição que se realizou esta quarta-feira na comissão parlamentar do Ambiente.

Maria do Céu Albuquerque (Abrantes), Vasco Estrela (Mação) e Luís Miguel Pereira (Vila Velha de Ródão) estiveram no Parlamento há dois anos, onde denunciaram os problemas de poluição do rio. E as declarações feitas então continuam “atualíssimas”, sublinhou a autarca de Abrantes, lembrando dois casos de grande mortandade de peixes no rio Tejo em 2015, em Abrantes e Ortiga. Já o presidente da Mação faz a pergunta: quando é que ouviram alguém dizer bem do Tejo? E diz que as pessoas estão a fugir do rio por causa dos problemas de poluição.

Apesar do desencanto, comum aos três autarcas, Maria do Céu Albuquerque tem a expectativa de que desta é que é de vez. Também o autarca de Vila Velha Ródão, Luís Miguel Pereira, espera que “esta situação grave marque um ponto de viragem para o futuro porque, em relação ao passado recente, pouco mudou”.

O presidente da Câmara de Mação tem “pena que passados três anos não tenha sido possível perceber com exatidão quem são os agentes poluidores do rio. Será que é assim tão difícil? Será que nos dias de hoje com a tecnologia e os académicos que temos não seria possível chegar a uma conclusão e encontrar uma solução?” Perguntas sem resposta de Vasco Estrela.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Tejo. Crónica de um desastre ambiental anunciado

A mesma interrogação é feita pela deputada do Partido Ecologista os Verdes. “Só não chegamos lá porque não pusemos os meios necessários no terreno”, respondeu Eloisa Apolónia.

Para Carlos Matias do Bloco de Esquerda, os responsáveis estão identificados há anos e aponta para as conclusões do relatório da comissão de acompanhamento sobre a poluição no Tejo (novembro de 2016) e para o relatório sobre a qualidade da água no rio Tejo da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) de março de 2017 que também é referido pelo presidente da Câmara de Mação. Vasco Estrela assinala ainda que agora o rio está limpo, depois das medidas tomadas — uma das quais foi a redução em 50% das descargas da Celtejo, a celulose de Vila Velha de Ródão que tem sido apontada como a principal responsável pelo excesso de carga orgânica no médio Tejo.

E o que mudou desta vez? Para Paulo Constantino do movimento proTEJO, o que “foi diferente é que se fizeram análises que permitiram detetar que as empresas de pasta e papel foram a origem do problema ambiental. Porque é que estas análise não foram feitas antes, quando houve episódios semelhantes?”

Causa da poluição no Tejo? “Não temos a menor dúvida. É a celulose”, diz ministro do Ambiente

E quem causou o fenómeno do dia 24 de janeiro de 2018?, insiste o autarca de Mação. Foi o próprio ministro e o presidente da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) a sinalizarem o papel da Celtejo no mais recente episódio de poluição no rio, lembra Vasco Estrela. “É verdade ou mentira?” Manter esta nebulosidade, sublinha, acaba por “inquinar a solução, porque coloca as pessoas contra as empresas, as empresas contra as pessoas, as autarquias contra as autarquias”.

Reconhecendo que ninguém estará interessado em diabolizar as empresas, Vasco Estrela defende que a resposta passará por compatibilizar os interesses, mas para isso é preciso perceber o que o rio aguenta com menos caudal. Lamenta que aquilo que era no passado uma mais-valia para estes concelhos seja hoje um ónus e deixa os desabafos sobre os impactos negativos para a economia da região.

“Tivemos de cancelar o festival da lampreia. As pessoas não querem comer o peixe pescado no Tejo, as pessoas fogem do rio, da praia fluvial, do parque de campismo. Desafio alguém a dizer quando foi a última vez que ouviu coisas positivas sobre o rio Tejo”.

Autarca diz que Vila Velha de Ródão é “bode expiatório”

Também o presidente da Câmara de Vila Velha de Ródão lembra que o concelho, as empresas e os seus trabalhadores são “prejudicados pelos efeitos da poluição. Somos penalizados pelas imagens da suspeita. É um cenário que não interessa à câmara, pessoas e empresas. Queremos que o problema se resolva”.

Paulo Constantino, portavoz do movimento proTejo, diz que o problema se agravou em 2015 e que sempre houve a suspeita de que a poluição teria origem em Vila Velha de Ródão. O responsável começa por apontar o dedo à empresa e à responsabilidade ambiental da Celtejo. “Este problema nunca teria acontecido se tivesse havido responsabilidade da Celtejo em fazer o investimento em 2015.” Também Carlos Matias do Bloco aponta culpas à passividade ambiental da Celtejo que, diz, distribuiu 52 milhões de euros de dividendos pelos acionistas em 2016. “É muito dinheiro, a empresa já devia ter feito os investimentos há muito tempo.”

Destacando a dificuldade em atrair investimento e criar emprego num concelho como o Vila Velha de Ródão, Luís Miguel Pereira acredita que é possível ter essas empresas (de pasta e papel), que são de grande dimensão e muito fiscalizadas, em equilíbrio com as questões ambientais. E recorda uma reunião de novembro do ano passado da comissão de acompanhamento sobre a poluição no Tejo, em que o inspetor-geral do Ambiente terá dito não ter, de forma inequívoca, provas de que se pudesse imputar a poluição às empresas de Vila Velha de Ródão.

Retomando uma expressão usada pela autarca de Abrantes, desvalorizando os incumprimentos dos efluentes da ETAR (estação de tratamento de águas residuais) da autarquia, Luís Miguel Pereira conclui que o “bode expiatório está encontrado. É Vila Velha de Ródão, mas quando discutimos isto não discutimos o que se passa no rio do lado espanhol” e outros problemas.

O autarca questiona também o foco sobre a Celtejo e o silêncio sobre outra empresa do concelho, com descargas muito mais poluentes (uma referência à Centroliva). Elenca igualmente todos os investimentos feitos pela autarquia e também pelas empresas do concelho para melhorar o desempenho ambiental, destacando a nova ETAR da Celtejo.

Paulo Constantino do movimento proTEJO reconhece que já foram dados bastantes passos, “mas já vamos em dois anos e era importante que fossem tomadas as medidas necessárias e apontadas pela comissão de acompanhamento da poluição no Tejo (conhecidas no final de 2016). É o caso das alterações à legislação sobre crimes ambientais para facilitar a penalização dos infratores e limitar a contestação judicial das ordens de encerramento. Destaca ainda a revisão das licenças das empresas de celulose para parâmetros que permitam um bom estado ecológico do rio.