“Uma moção política não é um programa partidário, e muito menos um programa de Governo”. Rui Rio fez questão de fazer esse ponto prévio, antes das diretas, quando apresentou a sua moção de estratégia global para se candidatar à liderança do PSD. Uma moção política é, no entender de Rio, um conjunto de “linhas de ação política que o presidente do PSD e a sua direção nacional se propõem seguir ao longo do mandato”. Mas é esse texto que vai ser debatido e votado no congresso do partido, nos próximos dias 16, 17 e 18, em Lisboa. E é esse texto que alguns militantes acusam de ser demasiado vago. “Deixa tantas portas e janelas em aberto que não permite aos militantes saber para onde vão”, apontou Miguel Pinto Luz, o ex-líder da distrital de Lisboa que escreveu uma carta aberta a Rui Rio com críticas e exigências. Mas o líder eleito do PSD foi falando de temas concretos e marcando posições que não estão no seu texto.

Há temas que não estão contemplados no documento e que foram centrais na campanha interna do PSD. O mais evidente é a posição de Rui Rio sobre a viabilização de um Governo do PS, caso o PSD não vença as eleições legislativas de 2019. Não se pode dizer que o candidato escondeu a estratégia, e foi essa uma das grandes diferenças entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes — mas os militantes escolheram Rio. A verdade é que o que está escrito o compromete para os dois anos de mandato que lhe foi conferido — e as palavras podem ser levadas pelo vento. Eis as diferenças entre o que Rui disse e o que Rio escreveu.

Relação com PS: viabilizar um Governo ou reeditar o Bloco Central?

O que escreveu na moção? Nada.

O PSD precisa de se reencontrar consigo próprio para se reposicionar no lugar que é seu: num centro político alargado que vai do centro-direita ao centro-esquerda, de orientação reformista e com inspiração na social-democracia e no pragmatismo social”, escreveu Rui Rio na moção que vai apresentar na sexta-feira à noite.

Nas 55 páginas da moção “Do PSD para o País”, só aparece uma referência ao Partido Socialista. E é para criticar o aumento da despesa pública e as escolhas macroeconómicas feitas pelo Governo do PS: “As múltiplas pressões no seio dos partidos apoiantes do atual governo (incluindo o próprio Partido Socialista) para aumentar a despesa pública revelam-se de grande irresponsabilidade”. Sobre o espaço político que um e outro ocupam, que pode ser lido como uma aproximação do PSD ao espaço político do PS, a única referência é quando Rio escreve que o PSD precisa de se reposicionar no “centro político alargado que vai do centro-direita ao centro-esquerda”.

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O que disse Rui Rio? Que a reedição de um Bloco Central só deve ser equacionada em circunstâncias muito excepcionais — mas, fora isso, nunca diz nunca; mas admite que pode viabilizar um Governo do PS, se os socialistas ganharem as eleições sem maioria absoluta.

Se perder, entendo que o PSD tem de ser coerente com o seu passado. Nós permitimos que o governo do engenheiro Guterres tomasse posse. A mesma coisa fez o PSD em 2009, 2010 e 2011. Houve este passado que acho que está correto. Se eu não conseguir o primeiro objetivo, que é ter maioria absoluta, nem o segundo, que é ganhar, quero o terceiro que é afastar a esquerda de estar no poder”, disse no segundo debate televisivo, na TVI, frente a Santana Lopes.

Para Rio, em caso de derrota, é melhor o PSD dar a mão ao PS, para evitar que António Costa vá pedir a mão à esquerda. Foi esta a linha discursiva na reta final da sua campanha, mas sobre isso não se lê uma linha na moção. Várias foram as formulações da mesma ideia: “O objetivo é ganhar com maioria absoluta, mas, caso não seja possível, o PSD irá procurar garantir que a dependência da governação não esteja na extrema-esquerda”. Ou então: “Entre o CDS, o PSD e o PS há traços comuns que o país ganhava muito se fossem aproveitados no sentido do interesse nacional”.

Mas isto não quer necessariamente dizer que Rio defenda um governo de coligação entre o PSD e o PS: “Um Bloco Central é algo que só deve acontecer em situações absolutamente extraordinárias”, disse em dezembro, numa entrevista ao Diário de Notícias. Nem sequer é uma manifestação de apoio ao atual Governo para o Orçamento do Estado de 2019: “Não estou disponível para nada disso! Era o que faltava, o PSD e o CDS com mais deputados a apoiarem o Governo”, disse a 9 de janeiro à SIC.

Ganhar eleições: europeias, legislativas, autárquicas

O que escreveu na moção? Que as eleições europeias, de maio de 2019, vão ser o “primeiro sinal” para as legislativas de outubro. Ou seja, que é preciso ganhar as europeias para também ganhar as legislativas. E que é preciso começar “já” a trabalhar para as autárquicas de 2021, porque a força de um partido vê-se mais pelo número de câmaras do que de deputados.

Para isso precisamos de em pouco menos de um ano e meio preparar-nos para a primeira vitória nas eleições europeias de Junho de 2019. Desse sufrágio retiraremos o primeiro sinal para nos tornarmos o partido mais votado nas legislativas de Outubro de 2019 e dois anos depois queremos começar a recuperação da implantação autárquica do PSD”, pode ler-se na moção de Rui Rio.

“Para termos uma vitória [nas autárquicas] em 2021, teremos de começar a trabalhar já, definindo uma estratégia de afirmação do poder local como pilar decisivo da ação política.”

O que disse Rui Rio? O que diz e não escreve são os cenários possíveis de derrota.

Nas vésperas das eleições, numa entrevista à SIC, chegou mesmo a dizer que ganhar a maioria absoluta pode não ser o mais importante para fazer as grandes reformas que o país precisa. “A maioria absoluta é o mais importante, mas pode não ser o garante fundamental para um acordo de regime ou um acordo a 10 anos. O importante é a capacidade de os protagonistas porem o interesse nacional acima de tudo e não o interesse partidário, assim pode-se conseguir um entendimento de regime”. E mesmo que Rio esteja ciente de que não é isso que os militantes do PSD querem ouvir, diz que não se importa. “É isso que os militantes do PSD esperam de mim, não é isso que querem que diga hoje. Mas estou na política para fazer diferente”, disse à SIC.

Regionalização. Rio, o regionalista pouco assumido

O que escreveu na moção? Sobre regionalização, nada. Na moção estratégica, Rio fica a meio caminho, defendendo a desconcentração de organismos e a descentralização, mas nada diz sobre autonomia para as regiões do continente.

A principal reforma em que o PSD se deve empenhar é no processo de descentralização e de desconcentração dos diferentes organismos do Estado e institutos públicos. Esse processo deverá ser desenvolvido observando o princípio da subsidiariedade e da valorização da administração local e regional, como forma de melhorar a eficácia da governação do país e de disciplinar e racionalizar a despesa pública. Tratando-se de um processo complexo e extremamente diversificado em função da multiplicidade de competências a transferir, o PSD entende que se deve privilegiar uma abordagem que reúna o maior consenso nacional”, escreve Rui Rio na moção.

“Um Estado tradicionalmente centralista, refém dos poderes corporativos e das sucessivas oligarquias que se alimentam do acesso privilegiado aos bens públicos, é um Estado, ao mesmo tempo, débil e omnipresente, vulnerável e pesado, incapaz de se organizar e de cumprir com as mais elementares funções para que foi concebido”, acrescentou o líder eleito no seu documento estratégico.

Rui Rio deixou preto no branco, no texto da moção estratégica, que uma das suas prioridades para os próximos dois anos é a reforma da descentralização. Uma reforma que, admite, precisa de amplo consenso nacional. António Costa tem dito o mesmo, o que evidencia um potencial acordo de regime nesta matéria (uma matéria em que a esquerda não quer tocar). Mas sobre regionalização, nem uma palavra. E todos sabem que, apesar de ter começado por apoiar o “não” no referendo, o ex-presidente da câmara do Porto se tornou em defensor da regionalização…

O que disse Rui Rio? Que é a favor da regionalização.

Antes de ser candidato à liderança do PSD, Rio foi muitas vezes chamado para falar em conferências e painéis, muitas vezes sobre a sua experiência de autarca. Nesses palcos, defendeu muitas vezes a regionalização como a “única grande reforma capaz de dar um abanão no regime”.

“Não consigo descortinar nenhuma grande reforma que possa dar esse abanão no regime. A única que eu vejo é a regionalização. (…) Portugal deve ter uma escala intermédia onde cabem determinadas competências que permitam poupanças melhores do que aquelas que não se conseguem à escala nacional”, disse, em abril de 2016, num debate em Coimbra sobre “Poder Local – uma experiência. Regionalização – uma consequência”.

Para o novo líder do PSD, importa fazer um debate sério sobre essa nova possibilidade de gerir os recursos, que passa necessariamente por criar um patamar intermédio de gestão que permita “fazer mais e melhor, mas com menos despesa pública”. Na altura, contudo, dizia que ainda tinha dúvidas sobre essa divisão orgânica, isto é, sobre que regiões (ou quantas) se deveria autonomizar. O tema, contudo, não tem lugar na moção de estratégia global.

Eutanásia: Rio votaria a favor

O que escreve na moção? Nada.

O que disse Rui Rio? Que é a favor. Rui Rio foi mesmo uma das personalidades que, em fevereiro de 2016, subscreveu o manifesto do movimento cívico “Direito a morrer com dignidade”, sobre a despenalização da morte assistida. Também assinou o manifesto a ex-ministra da Justiça do PSD, atualmente deputada, Paula Teixeira da Cruz, o cantor Sérgio Godinho ou a ex-jornalista e mulher de José Saramago, Pilar del Rio, assim como o ex-diretor-geral da Saúde Francisco George.

Numa sessão pública realizada no Porto por altura da divulgação desse manifesto, em junho de 2016, Rui Rio era claro sobre o tema, defendendo que não se deve obrigar ninguém a passar os seus últimos dias a sofrer.

Uma pessoa em situação terminal, sabendo que já não existe esperança, tem o direito de escolher antecipar a morte”, disse, defendendo que o tema deve ser “amplamente” discutido, já que a lei não será fácil de fazer porque tem de ser “equilibrada, defensiva e blindada a abusos”.

Tudo indica que o debate legislativo sobre a legalização da eutanásia vai mesmo ser feito nos próximos meses, os primeiros meses de Rio na liderança do PSD: o PS já disse que iria ter um projeto próprio, depois de o Bloco de Esquerda ter entregue o seu projeto de lei na Assembleia. Também o PAN tem uma proposta em nome próprio. Rui Rio tem-se manifestado contra um referendo sobre a despenalização da eutanásia, ao contrário do que aconteceu no caso do aborto: “Aqui o que está em causa é o direito a decidir sobre a própria vida, enquanto no aborto entra na equação uma outra vida”.

Mudanças no PSD, sistema político e eleitoral: mexer em quê?

O que escreveu na moção? Que há uma crise de representação e de legitimidade no regime democrático e que é preciso encontrar soluções dentro do regime parlamentar representativo. Mais: que é preciso atrair os melhores para a política (e para os partidos) porque a mudança tem de começar nas bases. É isso que dará confiança aos cidadãos. Não escreve, porém, que mudanças prevê fazer para que isso aconteça.

A democracia exige partidos políticos fortes, abertos à participação dos cidadãos, credíveis e plenamente entrosados com a sociedade que visam servir. O regime democrático em Portugal vive uma crise de representação e de legitimidade dos seus atores centrais. (…) É possível e desejável encontrar soluções institucionais que, sem prejuízo da proporcionalidade da representação, a torne mais próxima dos cidadãos, mais transparente, mais eficaz e mais credível. É neste contexto que pretendemos construir compromissos para a mudança da lei eleitoral que concretize uma maior proximidade com os cidadãos e credibilize a representação e reforce a autoridade da instituição parlamentar”, escreve no texto que leva ao congresso.

“A mudança no PSD terá de começar pelas suas bases porque essas fazem parte da cultura e da identidade social-democrata. É a partir das bases que se pode ganhar o País, a confiança dos eleitores e a oportunidade de concretizar um programa ambicioso de reformas e de desenvolvimento para Portugal.”

O que disse Rui Rio? Que vai mudar muita coisa no funcionamento interno do partido, e que o lugar que alguns dão como adquirido pode ficar em causa, embora rejeite a ideia de “limpeza” interna.

Rui Rio é adepto da redução do número de deputados e já chegou a defender a ideia de que a abstenção podia eleger cadeiras vazias no Parlamento — “Os votos brancos e nulos devem determinar o número total de deputados que a Assembleia da República tem”, afirmou em 2014. Ponto assente é que o sistema político deve levar uma volta, sob pena de enfraquecer de tal forma a democracia que o país caminhe para “uma ditadura sem rosto”. Mas sobre a reforma que quer implementar nesta área, nada escreve na moção.

Vamos acabar com estas pequeninas coisas partidárias como a entrevista do Miguel Relvas e de outros que nem têm coragem. Sei fazer isto, ando nisto há muitos anos. Deixe-me ganhar e vai ver como as coisas são”, disse no debate da Antena1 e TSF nas vésperas das eleições diretas.

“Dizem que não pode vir o Rui Rio, porque senão há uma purga, vai-se limpar tudo. Não se vai limpar nada. Não há purga nenhuma. Vai haver uma abertura do PSD à sociedade, procurando que entrem mais pessoas, mas não é para os lugares destes, depois logo se vê como é”, afirmou à TVI a 15 de outubro de 2107.

“O PSD não foi fundado para ser um clube de amigos, nem foi pensado para ser uma agremiação de interesses individuais.”, acrescentou no discurso de vitória nas diretas do PSD.

Mesmo em todas as intervenções públicas que fez e onde defendeu uma reforma do sistema político-partidário, Rio nunca concretizou como é que pode pôr essa reforma em prática. Certo é que não considera a Constituição como um limite: “É quase impossível não mexer na Constituição se queremos avançar com uma reforma de fundo do regime.”, afirmou no debate das rádios.

Financiamento dos partidos: uma lei à espera de Rio, e Rio é contra

O que escreveu na moção? Nada.

O que disse Rui Rio: Que é contra a isenção total de IVA para os partidos e que, para haver transparência no financiamento dos partidos, é preciso que todas as verbas que entram tenham um registo que identifique de forma clara a sua proveniência.

É um dos temas que, a par da transparência e da descentralização, está no Parlamento em banho-maria, à espera do novo líder do PSD. No documento que vai a votos no congresso, Rio não se compromete com nada neste aspecto. Mas este tem sido um tema caro ao agora líder do PSD, e ex-autarca do Porto. Marcelo Rebelo de Sousa vetou as alterações à lei do financiamento dos partidos feitas “às escondidas” antes do Natal, e falta saber o que fará a Assembleia da República: se altera, se mantém. No que depender de Rio, altera-se.

Grave é a isenção total de IVA, isso é que não faz sentido. Um partido não pode ter um bar, vender as suas cervejinhas, e não pagar IVA por isso. Os partidos em Portugal não pagarem IVA, ponto final, isso é que não pode ser”, disse Rio aos jornalistas em Leiria, no final de dezembro, quando foi apresentar a sua moção de estratégia.

Sobre a outra parte das alterações feitas pelos partidos — o fim do teto para a angariação de fundos — Rio já não vê mal. “Deixar de haver um limite para angariação não é assim tão grave, grave seria mexer nos donativos individuais, porque isso é que faria com que os partidos pudessem ficar dependentes de uma ou duas pessoas”, disse na mesma altura.

Em todo o caso, o tema é caro a Rui Rio, que foi secretário-geral do PSD, quando Marcelo Rebelo de Sousa era o líder, vice-presidente em várias ocasiões, e presidente da câmara do Porto com a fama de rigoroso nas contas. Em 2008, sob a liderança de Luís Filipe Menezes, o PSD aprovou uma alteração ao regulamento do partido que previa que o pagamento de quotas pudesse ser feito em numerário — e Rui Rio não gostou, dizendo que abria a porta à lavagem de dinheiro. “O pagamento das quotas em notas e sem controlo centralizado abre uma primeira porta à lavagem de dinheiro ao nível do financiamento partidário”, disse nessa época.

Há 10 anos, eram conhecidas as divergências entre Rio e Menezes, e a direção do partido classificou logo, segundo o jornal Público, as declarações do então presidente da câmara do Porto de “insensatas” e “irresponsáveis”. Mas Rui Rio insistia: “Para haver transparência no financiamento dos partidos é preciso que todas as verbas que entram tenham um registo que identifique perfeitamente a sua proveniência”. Ainda era presidente da câmara, e defendia: “Quando a entrega é em dinheiro pode-se sempre declarar a proveniência que muito bem se entender porque não é possível provar o quer que seja. É uma questão técnica fundamental”.

Reforma da Justiça: autonomia dos juízes deve ter limites

O que escreveu na moção? Que é preciso resolver o problema da morosidade da Justiça, porque só favorece os mais poderosos, e que a Justiça e a segurança são os pilares centrais da liberdade do homem.

Precisamos de um Estado forte e organizado que liberte a sociedade e os indivíduos, mas que ao mesmo tempo os proteja e garanta o exercício dos direitos e deveres de cada um. Justiça e segurança são dois dos pilares de soberania que suportam qualquer ideia de uma sociedade de homens e mulheres livres”, defende na moção.

“A administração da justiça não pode ser confundida como uma mera prestação de serviços ou da disponibilização de um bem público por parte do Estado. A morosidade e a complexidade processual tende a favorecer os mais poderosos e com mais recursos em detrimento dos mais fracos e mais pobres.”

“Ao Ministério Público importa centrar as suas competências no exercício da ação penal e na defesa do interesse geral, sendo dotado dos recursos técnicos e humanos indispensáveis à preservação da legalidade democrática e na intransigente defesa dos direitos do cidadão”.

O que disse Rui Rui? Que os julgamentos não podem ser feitos na praça pública. E que a Justiça não pode ter tanta autonomia, tem de ser mais fiscalizada, admitindo por isso mexidas na Constituição para dar mais poderes, por exemplo, ao Presidente da República — que deve ter mais mão sobre os juízes. Mas não diz exatamente como é que isso se deve fazer, nem se defende o fim da autonomia funcional do Ministério Público.

O funcionamento da Justiça é um dos temas preferidos de Rui Rio, que entra em praticamente todas as suas intervenções públicas, sobretudo quando participava em conferências antes de ser eleito líder do PSD. Num debate em dezembro de 2013 na Casa-Museu João Soares, dizia que havia “pouca transparência no poder judicial” e que o poder judicial “não pode ser um poder completamente autónomo”.

“Não concebo como é que o sistema judicial quer ele próprio concorrer com um jogo de futebol ou com um reality show no sentido de aumentar as audiências televisivas ou as tiragens dos jornais. Cada vez que há um interrogatório ou uma detenção há um espectáculo em torno daquilo, diretos feitos à porta.”

“Há um crescente sentimento de impunidade, dentro e fora do sistema de Justiça, com permanentes violações do segredo de justiça, que são crime à luz da lei penal e que promovem julgamentos populares. Isto é inadmissível. Isto é próprio de um regime totalitário.”, dizia nesse debate em 2013.

“Todo o poder responde perante alguém: do Presidente da República ao mais modesto presidente de junta de freguesia. Excepto o sistema judicial, onde parece haver um verdadeiro Estado dentro do Estado”, criticava na biografia “De Corpo Inteiro”, publicada em 2014.

Para Rio, que foi bastante crítico da forma como a Justiça tratou o caso Sócrates, o procedimento judicial devia ser mais discreto: “Ia-se buscar o suspeito a casa, ouviam-no o tempo que quisessem, o juiz decidia como queria e depois havia um comunicado que dizia quando foi detido, interrogado, se era suspeito de ter cometido este ou aquele crime e se o juiz decidiu prisão domiciliária. Ponto”, como explicou em julho de 2015, na RTP.

Mais recentemente, nos debates que travou com Santana Lopes, Rui Rio foi crítico da atuação do Ministério Público nos últimos anos, tendo sido igualmente crítico da atuação da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal.

O balanço que faço da PGR não é um balanço positivo, não vejo no Ministério Público a eficácia que gostava de ver, não vejo o recato que devia ver. Os julgamentos não são para ser feitos na praça pública e nas capas dos jornais. Não simpatizo com isso, e o Ministério Público em muitos casos deixou passar para fora muita informação”, afirmou.

Economia e Finanças: entre o défice zero e o superávite

O que escreveu na moção? Contas equilibradas e dívida pública reduzida, é este o lema de Rui Rio. Na moção de estratégia, diz que “a elevada dívida externa, pública e privada, resultante da acumulação de défices entre o que consumimos e o que produzimos é o maior fardo que podemos legar aos mais jovens”. E afirma que “não podemos continuar a passar para as gerações futuras as responsabilidades e os custos da nossa ineficiência e do nosso despesismo. O Estado deverá ser o primeiro a dar o exemplo através de contas equilibradas e dívida reduzida”.

Este é um dos temas que desenvolve no documento estratégico:

O PSD reafirma a importância da sustentabilidade das contas públicas, ambicionando reduzir a despesa em percentagem do PIB, como meio para a redução da dívida pública e para a redução da carga fiscal que muito penaliza os cidadãos e as empresas. A sustentabilidade das finanças públicas é uma condição necessária para um crescimento económico mais sustentado, maior solidariedade intergeracional e maior resiliência perante os choques externos, que ciclicamente acontecem”.

“O facto de Portugal ter hoje uma das dívidas públicas (em % do PIB) mais elevadas de entre todos os países desenvolvidos é um fator de incerteza para os investidores internacionais e para o bem-estar dos portugueses.”

O que disse Rui Rio? No discurso não escrito, o novo líder social-democrata vai mais longe. Na corrida à liderança do partido, chegou a dizer aos deputados do PSD que teria feito “igual a Maria Luís Albuquerque, ou pior”, numa referência ao rumo do rigor orçamental que o Governo de Passos Coelho e Maria Luís seguia, e chegou a dizer que se o PSD fosse governo nesta altura Portugal já teria défice zero. Mais: o ideal mesmo era ter superávite. Ou seja, não só quer ir além de Maria Luís, como além de Mário Centeno.

Se o PSD estivesse à frente do Governo já teríamos conseguido um défice zero e com os mesmo ganhos que as pessoas tiveram”, disse na sua primeira entrevista televisiva, à TVI, depois do anúncio de candidatura.

“Para o país ter finanças públicas bem geridas, as contas devem ter um superávite para poderem ter défice quando a economia começa a cair”, afirmou em entrevista à SIC na reta final da campanha, admitindo que essa é uma opinião “politicamente incorreta”.

Comunicação Social: a reforma contra as “virgens púdicas em que não se pode tocar”

O que escreveu na moção? Que o poder político deve ser totalmente independente da comunicação social, e que a comunicação social deve, em nome da democracia, respeitar a verdade e os direitos e liberdades dos cidadãos.

O PSD tem na sua história ativos relevantes no que respeita à defesa da liberdade de expressão e de opinião, especialmente no que respeita à liberdade e garantia de pluralismo nos órgãos de comunicação social. Mas se somos irredutíveis em relação a qualquer tentativa de condicionamento dessa liberdade e pluralismo, também o somos na defesa da independência do poder político em relação à comunicação social, que, por sua vez e em nome da democracia, não pode deixar de respeitar, não só a verdade, como fundamentalmente, os direitos e a liberdade de todos os cidadãos”, explicitou Rui Rio na moção estratégica.

O que disse Rui Rio? Que os jornalistas e os políticos devem manter distâncias. E que apertar as regras pelas quais se rege a comunicação social deve fazer parte de uma reforma profunda do regime. Ou seja, que os jornalistas não podem ser “intocáveis”. “Acho ridículo essa coisa de fazer um caso nacional por causa de uma pressão a um jornalista, parecem umas virgens púdicas em que não se pode tocar”, chegou a dizer uma vez a respeito das notícias que davam conta da tentativa de pressão de Miguel Relvas a uma jornalista do Público. Mas como se devem apertar essas regras para os jornalistas, se por via de leis ou de mais regras na ERC, isso não diz.

Não sou acusado de fazer pressões a jornalistas, porque praticamente não falo com eles. Vem por mail, e é por escrito, e passa pelo gabinete de comunicação. E é essa distância que a comunicação social não gosta. E a respostinha vai também por mail e por escrito. Isto é que é independência e autonomia nas funções. Gostariam que fosse comigo uma relação como têm com muita gente. Mas não têm essa proximidade”, disse na SIC, em 2012.

“[É preciso] responsabilizar mais a comunicação social. Não é possível, mas não é mesmo, continuarmos a ter notícias atrás de notícias que lançam suspeitas sobre toda a gente, que fazem às vezes perseguições individuais a, b e c (…). E não acontece nada!”, afirmou, também em 2012, na Universidade do Porto.

Leis laborais: é preciso mudar o Código do Trabalho?

O que escreveu na moção? Que ainda há precariedade laboral e que a competitividade não se consegue com baixos salários nem com poucas qualificações. Mas se é preciso mudar a lei, como a esquerda quer, isso não diz.

Continuamos a ser um país de baixas qualificações, baixos salários e de reduzida qualidade do emprego. Longe de constituir uma vantagem, esta realidade é um fator de atraso e de bloqueio ao desenvolvimento. Esse não poderá ser o caminho para uma sociedade que se queira afirmar no quadro das sociedades avançadas”, escreve na moção.

“As vantagens competitivas de Portugal não podem afirmar-se nem pelos baixos salários, nem pelas reduzidas qualificações que lhe estão associadas”, acrescenta.

O que disse Rui Rio? Que é preciso acabar com o excesso de proteção dos funcionários públicos que estão nos quadros. Ou seja, que é preciso facilitar o despedimento de quem não tem bons níveis de produtividade.

Essa é, de resto, a grande premissa da Comissão Europeia, que ainda na semana passada divulgou um estudo que aconselha Portugal a desblindar os vínculos de trabalho mais estáveis, isto é, a tornar mais fácil para a empresa despedir os chamados trabalhadores efetivos, uma vez que o combate à precariedade, por si só, não chega para reanimar a economia. E Rio parece concordar. Em julho de 2012, no programa Conversas Improváveis, da SIC, o agora líder do PSD dizia que era preciso “resolver situações de algumas pessoas na função pública, que é verdade que têm produtividades baixíssimas e que como sabem que têm o lugar seguro, é muito difícil pô-las a trabalhar melhor”.

Não sou constitucionalista, mas não quero acreditar que a Constituição vá ao ponto de dizer que não se pode avançar para uma coisa destas. O que não considero racional é eu ter alguém que não quer trabalhar, não quer fazer, não quer progredir, e tenha de manter a pessoa naquele estado porque há aqui uma coisa sagrada e não posso pô-la fora.”

As alterações à legislação laboral vão ser o último braço de ferro da “geringonça”, com os partidos da esquerda a encostarem António Costa e Vieira da Silva à parede para alterarem o Código do Trabalho. PCP e BE querem, por exemplo, rever o valor pago pelo trabalho suplementar, que com a troika foi alvo de um corte de 50% para todos os trabalhadores; repor as indemnizações por despedimento e compensações por caducidade ou repor os 25 dias de férias. O PSD de Rui Rio pode ser o aliado que António Costa precisa para travar as exigências da esquerda.