Joana Gama não é irlandesa, não se chama Paddy Cosgrave e não é reconhecida nem pelo cabelo ruivo nem por organizar eventos de tecnologia como a Web Summit (embora seja preciso empreender muito para tocar sem pausas durante 14 horas, como fez em janeiro passado, na Gulbenkian). Como um concerto também não é um jantar, desta vez não deverá haver polémicas de maior quando a pianista portuguesa reunir público em seu redor no Panteão Nacional, onde atua já este domingo, 18 de fevereiro, no terceiro dia da 11ª edição do festival Rescaldo.

O espaço — onde agora já só se podem realizar “eventos especiais de natureza cultural”, assegurou recentemente o Ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes — irá acolher o segundo concerto de Joana Gama no festival. Isto porque, na véspera, a pianista atua no pequeno auditório da Culturgest com Luís Fernandes e Ricardo Jacinto, com o projeto Harmonies. A solo, às 16h30 de domingo, Joana Gama irá tocar peças de Morton Feldman, John Cage e Erik Satie, em concerto com duração prevista de 45 minutos.

O concerto a solo da pianista portuguesa será o único desta edição do festival (que começa já esta sexta-feira, 16 de fevereiro, terminando no sábado, 24) a decorrer no Panteão Nacional. Os restantes dez espetáculos vão dividir-se entre Garagem e Pequeno Auditório da Fundação Caixa Geral de Depósitos (CGD) — Culturgest, localizada no edifício-sede da CGD, junto ao Campo Pequeno, em Lisboa. Esta deverá ser a última edição do festival a decorrer na Culturgest, que mudou de diretor artístico depois da saída de Miguel Lobo Antunes e entrada de Mark Deputter, em agosto do ano passado. Ao Observador, em outubro, o novo responsável — que liderava o Teatro Municipal Maria Matos — afirmava que em Lisboa já “há vários teatros” a apostar numa programação semelhante e que “a Culturgest precisa de um novo impulso e de repensar a sua posição em Lisboa”.

Vamos procurar uma programação com qualidade, com grandes espetáculos para o Grande Auditório, criados por artistas consolidados e com obra feita, mas que ainda não têm um público totalmente formado”, dizia ainda Mark Deputter.

[Joana Gama tem em Erik Satie um dos seus compositores de eleição]

A edição de 2018 do Rescaldo, que habitualmente desafia os ouvintes fugindo às linguagens sonoras mais pop e tradicionais e procurando expor o melhor da experimentação eletrónica, começa na noite desta sexta-feira, 16, com dois espetáculos. A abertura ficará a cargo da violinista Maria da Rocha, que apresentará em primeira mão o seu novo trabalho, um “disco em solo absoluto”, Beetroot, que a editora nacional Shhpuma lançará no próprio dia (a honrar a tradição de estreia de discos no festival, que por exemplo o ano passado acolheu a primeira apresentação pública de Mudra, o disco que o baterista Marco Franco compôs ao piano). Segue-se, a encerrar a noite, a apresentação da peça Mínimo de Obstrução II, originalmente criada pelo trio Diana Combo (bateria e declamação), Rafael Toral (eletrónica) e Pedro Centeno (roda de bicicleta modificada) para assinalar os 100 anos da Conferência Futurista de Almada Negreiros.

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No sábado, além do já mencionado trio de Joana Gama (Harmonies), ouvir-se-á ainda a violoncelista e cantora Joana Guerra, já com um percurso longo no cruzamento da linguagem mais clássica com a mais vanguardista e autora do disco Cavalo Vapor (de finais de 2016), que irá apresentar no festival.

[“O Cavalo Que Penteia a Crina”, tema do disco Cavalo Vapor, de Joana Guerra]

Quim Albergaria e 10.000 Russos com companhia inédita

Depois do concerto no Panteão, no domingo, o Rescaldo prossegue na sexta-feira seguinte, 23, com três atuações noturnas. Uma das mais aguardadas é a do guitarrista e compositor Vítor Rua, que depois de mais de 45 anos de carreira e um percurso ímpar na música de improviso, adjacente a géneros como a eletrónica e free-jazz (em particular acompanhado por Jorge Lima Barreto, no duo Telectu), continua em atividade e lançou recentemente o álbum Do androids dream of Electric Guitars?, com os seus Metaphysical Angels. O quinteto de apoio inclui o trompetista Nuno Reis, o clarinetista Paulo Galão, o contrabaixista Hernâni Fautino, o teclista Manuel Guimarães e o baterista Luís San Payo e estará com Vítor Rua na Garagem da Culturgest.

[“Flamenco is Dead”, tema do novo disco de Vítor Rua com os Metaphysical Angels]

Ainda na mesma noite, sexta-feira — e no mesmo espaço — Quim Albergaria, baterista dos PAUS, apresenta-se com Mmmooonnnooo (isto é, com o jovem explorador de música eletrónica Daniel Neves) e, prosseguindo na mesma onda, em modo um pouco mais dançável mas evitando também a abordagem mais clássica e tradicional à pista, Citizen:Kane (Marco Guerra) atua em dupla com Hobo (Zé Diogo).

A encerrar o festival, na noite de sábado, 24, haverá mais um trio de concertos de peso. O melhor do jazz eletrónico de improviso do eixo Lisboa-Berlim ouvir-se-á com o duo EITR (que integra Pedro Lopes, radicado em Berlim, na eletrónica e DJing e o lisboeta Pedro Sousa na eletrónica e saxofone), que em palco terá a companhia do baterista Gabriel Ferrandini (membro, entre outros projetos, do RED Trio e de Volúpia das Cinzas). Já a serenidade ambiental de Farmwarth (pseudónimo musical de Afonso Arrepia Ferreira) irá contrastar com uma noite aparentemente chuvosa (prevê o IPMA), que combinará melhor com o eletro-rock psicadélico e industrial dos portugueses 10.000 Russos, que atuam na mesma noite e em formato inédito, em colaboração com o compositor e performer do som Jonathan Uliel Saldanha.

[Alguns dos destaques do festival]

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Os bilhetes diários para a 11ª edição do Festival Rescaldo custam €6, à exceção da noite de domingo, 18, no Panteão Nacional, onde se paga apenas a entrada no espaço: €4.