Chegou dez minutos antes da hora marcada e um “pequeno problema de comunicação” fez com que Rui Rio tivesse de ficar um minuto ou dois no jardim, à espera que António Costa lhe abrisse a porta. Mas o “problema de comunicação” não duraria muito. Tirada a fotografia do aperto de mão seguir-se-iam quase duas horas e meia de uma longa conversa — a sós. E com fumo branco: “Pode-se dizer que estamos numa nova fase da relação dos dois partidos”, disse Rui Rio à saída. Descentralização e novo quadro de fundos comunitários vão ser negociados a dois.

O líder do PSD chegou sozinho a São Bento, apenas acompanhado da assessora de imprensa, e foi sozinho que conversou com o primeiro-ministro. A reunião começou às 11h55 e nem a hora de almoço os fez acelerar o diálogo. “Não estivemos a carregar tanto no que nos divide mas sim no que de hoje para amanhã pode consubstanciar-se em políticas positivas, porque senão tínhamos estado lá dentro muito mais tempo“, ironizou o líder do PSD nas declarações à saída.

Eram 14h25 quando houve fumo branco: entendimentos sobre descentralização e sobre fundos comunitários do chamado “Portugal 2030” vão avançar já. Rui Rio vai nomear interlocutores do PSD para negociarem com o PS estes dois dossiês que diz serem “fundamentais”, anunciou aos jornalistas no final da reunião. Segurança Social e Justiça são os temas que se seguem, mas sem a mesma “urgência”, disse Rio.

“Ainda esta tarde, na reunião da comissão política nacional, vou indicar pessoas para serem interlocutoras em dois dossiês fundamentais, que é o da descentralização, que já está num estado avançado de conversações com a Associação Nacional de Municípios; e o do quadro comunitário de apoio, conhecido por Portugal 2030, para chegarmos a uma posição o mais consensual possível perante a União Europeia”, anunciou aos jornalistas. Rui Rio sublinhou ainda que há “outros temas relevantes”, onde também seria desejável haver entendimento entre os partidos, mas nesses não há tanta abertura de António Costa — pelo menos para já, numa altura em que o PS está apoiado nos partidos da esquerda.

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Há disposição do primeiro-ministro de aproveitar a oportunidade de os dois maiores partidos poderem dialogar”, disse Rui Rio.

É o caso da reforma da Segurança Social, que Rio diz que não vai mexer com “nada na vida das pessoas, no presente”, mas que deve mexer com “futuro”; e o caso da reforma da Justiça. “Fizemos um levantamento da situação, mas esta reforma tem de ser feita com ponderação e com o envolvimento da sociedade como um todo”, afirmou, lembrando que “nunca se fez uma reforma da justiça a sério”. Rui Rio diz que, da conversa que teve com António Costa, ficou com a ideia de que haverá “abertura para que se possa fazer estas reformas no médio prazo: acho que os portugueses podem ter essa aspiração”. Mas aí o acordo não é imediato, por isso fica para outra fase.

Sobre a descentralização e os fundos comunitários, a ideia é que haja frutos “ainda nesta legislatura”. Ao contrário do que Santana Lopes defendeu durante a campanha interna contra Rui Rio, que os entendimentos de regime não deviam acontecer antes de 2019, o novo líder do PSD quer mesmo dar gás a esses entendimentos sem perder nem mais um dia. “O que já está em cima da mesa é possível avançar ainda nesta legislatura, o que vai para lá disso é o que temos ainda de debater”, disse, lembrando que o PSD não é só ele. “O PSD é muito mais do que eu”. Esta terça-feira à tarde, Rui Rio reúne pela primeira vez a direção do partido.

PSD e PS. Uma “nova fase” e uma “cultura diferente”

Tudo para dizer que PS e PSD estão “numa nova fase”. “Sim, pode-se dizer que estamos numa nova fase da relação entre os dois partidos”, admitiu Rui Rio aos jornalistas, reiterando a sua disponibilidade para isso mesmo. “Os partidos devem fazer um esforço para procurar o que os possa unir em termos de interesse nacional”, disse.

É aqui que Rio quer ser diferente de um mero líder partidário: em vez de divergir, quer convergir. Desde que o desentendimento que possa existir no meio não seja insanável. “Normalmente os partidos andam a carregar nas tintas do que divergem, eu quero introduzir uma cultura diferente: se pudermos colaborar em prol do país, é isso que devemos fazer”, disse.

Não só com o PS, disse. Já ontem, em Belém, Rio tinha sublinhado que o diálogo deve ser com “todos os partidos”, anunciado que iria também pedir um encontro com a líder do CDS, Assunção Cristas. Agora, insiste na mesma tecla, mas com uma ressalva. “Não se exclui ninguém, mas é naturalmente mais fácil dialogar com o CDS do que com o Bloco de Esquerda”.

Certo é que, para já, o entendimento é apenas com o PS de António Costa. Rui Rio até sublinhou que encontrou na sala o mesmo António Costa com quem se relacionou quando um era presidente da câmara de Lisboa e o outro presidente da câmara do Porto. “Fez-me lembrar outras reuniões que tivemos no passado, mas claro que os entendimentos entre as câmaras de Lisboa e Porto eram mais fáceis do que estes, em que o Governo segue uma política mais encostada à esquerda radical”, disse.

Elina Fraga. “Façam-lhe todas as perguntas por favor, mas mesmo todas”

A pedra no sapato, contudo, chama-se Elina Fraga, a ex-bastonária da Ordem dos Advogados que Rui Rio escolheu para sua vice presidente. Depois de ter sido público que, em novembro, o atual bastonário dos Advogados pediu uma auditoria ao mandato de Elina Fraga, e que a remeteu ao Ministério Público, dando origem a um inquérito-crime, que está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, Rui Rio afirma que mantém a confiança na sua escolha. Mas pede aos jornalistas que façam o mesmo que ele — perguntas.

A dra. Elina Fraga vai estar hoje totalmente disponível para os senhores lhe fazerem as perguntas todas: mas façam mesmo as perguntas todas, não deixem nenhuma de fora, por favor”, disse.

Questionado sobre se ele próprio já tinha feito essas mesmas perguntas, Rio disse que sim. “Eu tive as respostas todas que pretendia. Vão ter as mesmas respostas que eu, ou mais, porque espero que façam mais perguntas do que as que eu fiz”, rematou.

Os esclarecimento de Elina Fraga foram assim remetidos para a reunião da Comissão Política Nacional, que está marcada para esta tarde, às 17h, na sede do PSD na São Caetano à Lapa.