Marcar três golos fora, ter uma vantagem de dois golos e assumir uma visível superioridade sobre o adversário eram ingredientes que faziam da receção do Sporting ao Astana uma pequena caixinha de surpresas. Por um lado, à volta das opções iniciais: quantos jogadores mudaria Jorge Jesus? E quais? Por outro, em torno da mensagem a passar: por mais que se utilize o chavão de que “qualquer jogo é para ganhar”, as coisas não são matemáticas.

A esse propósito, o técnico verde e branco recusou a ideia de descompressão na equipa, recordou até os pontos para o ranking da UEFA que qualquer vitória nacional contabiliza e resumiu as últimas semanas dos leões a três grandes palavras: jogo, banhos e massagens. “O resultado no Cazaquistão dá alguma segurança no plano tático e estratégico, mas a responsabilidade é sempre a mesma. Mensagem? Essa será apenas hoje [quarta-feira] porque ontem foram só banhos e massagens. Mas o futebol tem muitas surpresas e não podemos nos descuidar para não sermos surpreendidos”, comentou, realçando ainda a capacidade de sacrifício e sofrimento e a enorme alma que a equipa teve para virar as desvantagens nos últimos dois encontros (no Cazaquistão e em Tondela).

Ficha de jogo

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Sporting-Astana, 3-3

2.ª mão dos 16 avos de final da Liga Europa

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Tamás Bognar (Hungria)

Sporting: Rui Patrício; Ristovski, André Pinto, Mathieu, Fábio Coentrão; Palhinha (Rafael Leão, 74′), Battaglia; Rúben Ribeiro (Acuña, 46′), Bruno Fernandes, Bryan Ruíz (William Carvalho, 60′) e Bas Dost

Suplentes não utilizados: Salin, Coates, Bruno César e Doumbia

Treinador: Jorge Jesus

Astana: Eric; Shitov, Postnikov, Anii, Shomko; Beysebekov, Maevski, Kleinheisler (Stanojevic, 60′), Tomasov, Twumasi (Murtazayev, 87′) e Despotovic (Schetkin, 66′)

Suplentes não utilizados: Mokin, Muzhikov, Zainutdinov e Maliy

Treinador: Stanimir Stoilov

Golos: Bas Dost (3′), Tomasov (37′), Bruno Fernandes (53′ e 63′), Twumasi (80′) e Shmko (90+4′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Kleinheisler (59′)

Esse foi o primeiro trabalho de Jesus. E, talvez, o mais importante, tendo em conta o complicado calendário que o Sporting enfrenta entre os compromissos no Campeonato e na Liga Europa. O que fez? Na defesa, trocou Piccini por Ristovski, manteve André Pinto para ganhar competitividade descansado Coates, segurou Mathieu (que não jogará por castigo com o Moreirense) e lançou Coentrão, que falhara o Tondela por castigo; no meio-campo, descansou William Carvalho, deu uma oportunidade a João Palhinha e lançou Battaglia; nas alas, Gelson Martins foi para a bancada, Acuña começou no banco e a dupla Rúben Ribeiro/Bryan Ruíz foi titular. E na frente? Os dois homens que raramente, muito raramente descansam: Bruno Fernandes e Dost. E o jogo explicou o porquê disso mesmo. A causa mas também a consequência, como se viu no problema do holandês.

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E explicou porque, do nada, o Astana começou o jogo com uma bola no poste. Assim mesmo, sem tirar nem pôr: cruzamento da esquerda atravessar toda a área e desvio de Twumasi a acertar no ferro antes de Fábio Coentrão cortar, no chão e de forma meio atabalhoada para canto. Primeiro ataque dos cazaques, primeiro lance de perigo. A seguir, primeiro ataque do Sporting, primeiro golo: lançamento de Coentrão para Bryan Ruíz na esquerda em profundidade, cruzamento do costa-riquenho e cabeceamento picado de Dost sem hipóteses (3′).

Nota importante: o holandês que tem tantos ou mais golos marcados do que jogos desde que chegou em 2016 ao Sporting entrou na história do clube, ao apontar o tento mais rápido de sempre na Europa no novo Alvalade. E é preciso recuar a 1994 e a Sá Pinto (contra o Real Madrid) para se ver um golo nos primeiros três minutos…

Era complicado haver um início de jogo tão movimentado. Era complicado haver tão pouco futebol no resto da primeira parte. Uma primeira parte onde o flanco direito do Sporting esteve mal, muito mal, não só pela noite menos inspirada de Ristovski mas também pelo completo desconhecimento tático que Rúben Ribeiro foi revelando, quer nas transições/compensações defensivas, quer na forma de sair para a frente (e aqui um parênteses para explicar esta situação: o ex-Rio Ave é um jogador de bola no pé numa equipa que procura muito o espaço). Uma primeira parte onde a primeira fase de construção, com Palhinha e Battaglia, teve pouco influência. Uma primeira parte onde a dinâmica coletiva foi fraca e a intensidade de jogo escassa. No meio disto, brilhou Tomasov.

Twumasi e Despotovic são os dois elementos cazaques que melhor tratam a bola, mas o médio que já tinha marcado na primeira volta é o mais inteligente e com maior cultura tática e de posicionamento. Foi assim, por exemplo, que voltou a surgir com perigo na área para rematar forte e acertar no poste pela segunda vez (36′); foi assim que, na sequência do canto, fez mesmo o empate, com um remate de longe que acabou por apanhar Rui Patrício desprevenido. No entanto, e na repetição, perceberam-se os protestos do guarda-redes: na altura do tiro do médio, Postnikov, em posição irregular, passou à frente do número 1 e não permitiu que visse a bola a sair…

O futebol, tal como alguns titulares leoninos, ficara também a banhos e massagens para as próximas lutas verde e brancas que se avizinham. Mas há sempre Bruno Fernandes, aquele miúdo de braços e pernas fininhas que parece cair ao primeiro sopro mas que é um resistente, seja no número de jogos realizados (e já vai nos 40 ainda a meio de fevereiro), seja nos quilómetros percorridos em cada um deles (na Champions, foi quase sempre o elemento leonino com maior distância percorrida no campo). Se o jogo animou, foi por sua causa.

Depois de ter visto Eric sair-lhe aos pés numa boa oportunidade a fechar o primeiro tempo, o médio do Sporting que luta por uma vaga nos 23 convocados de Fernando Santos para o Mundial (e por este andar, é complicado que não vá à Rússia) mostrou-se à Europa com o melhor golo da noite: ligeiro toque na marcação de um livre, progressão com bola e remate seco com trajetória descendente a fazer lembrar os de Ronaldo e a deixar Eric pregado ao chão (53′). Dez minutos depois, o bis: grande jogada de combinação com Bas Dost, assistência do holandês (quem o viu e quem o vê, na capacidade de jogar também de costas para a baliza) e remate cruzado para o 3-1.

As contas pareciam fechadas e Jesus até aproveitou a oportunidade para lançar o miúdo Rafael Leão, aquele avançado de 18 anos que entrara no jogo com o Feirense e a quem o técnico reconhece parecenças com um dos nomes sagrados do futebol nacional, Jordão. No entanto, o Astana, que só tinha marcado dois ou mais golos fora na Europa em três ocasiões, conseguiu surpreender. Surpreender tanto que… chegou mesmo ao empate: aos 80′, Twumasi aproveitou um ressalto de bola para fuzilar de primeira Rui Patrício; aos 90+4′ (por curiosidade, quase um minuto depois dos três de descontos concedidos pelo árbitro), Shomko fez o 3-3 com um remate fora da área.

A eliminatória esteve sempre mais do que controlada, mas o Sporting acabou por não segurar a vantagem e sofreu ainda um contratempo muito maior, com Bas Dost a apresentar queixas físicas na coxa nos últimos minutos. Passando ao lado da questão da importância do triunfo para o ranking nacional, esta maratona verde e branca até ao final tinha na receção ao Astana um daqueles pontos de passagem onde os atletas se refrescam para manterem o passo certo rumo à meta mas acabou por ser um tropeção sem qualquer necessidade. O futebol, esse, esteve muito tempo (ou demasiado tempo) a banhos e massagens, o que mostrou também a importância decisiva que um jogador como Gelson Martins tem na equipa. Mas há sempre Bruno Fernandes.

Fernandes & Martins, a sociedade ilimitada do Sporting (dentro e fora de campo)