Uns graus a menos e a Semana da Moda de Milão tinha sido polvilhada com neve. O frio era mais do que muito e a chuva deixou a cidade do design com um clima agreste. Mas não na Via Tortona, onde, na manhã da última quinta-feira, dois criadores portugueses apresentaram o que têm andado a magicar para o próximo outono. Coube a Pedro Pedro inaugurar a passerelle, a frio como já demos a entender, mas com propostas suficientemente confortáveis para nos sentirmos aquecidos sem sequer sair da plateia.

Lembra-se da última coleção que Pedro Pedro apresentou em Milão, em setembro do ano passado? Nada a ver. Em vez de unicórnios acabados de sair de uma aula de ginástica da Jane Fonda (mais tudo em extra large e em oversized), o designer parece ter fingido que aquele devaneio de primavera nunca aconteceu. Para a próxima estação fria, Pedro Pedro limitou-se a imaginar a repartição das finanças mais cool do mundo. “Acho que é também esta vibe do #metoo. Estamos a viver um momento vinculativo em que as mulheres estão a reivindicar coisas que já eram delas por direito, só que agora fazem-se ouvir. Talvez isso me tenha influenciado um bocado para fazer algo interessante para mulheres que trabalham e que não querem andar de fato e camisa, ou de tailleur“, explica Pedro Pedro, minutos após o desfile.

A sala onde Pedro Pedro e Carlos Gil apresentaram as suas coleções, esta quinta-feira, em Milão © Ugo Camera

Do puro fun cromático, o criador passou para uma paleta aconchegante de beges e tons camel, cores que, aliás, sempre o vimos usar. Aconchegante, mas poderosa. Para Pedro Pedro, uma mulher com voz forte também passa pela roupa que usa e não estamos a falar de stilettos que dão vertigens nem de push-ups arrebatadores. A mulher confiante de Pedro Pedro usa malhas quentes, saias assimétricas, calça galochas e veste gabardinas semitransparentes.

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Nesta coleção, o que o designer fez foi pegar em peças clássicas do guarda-roupa feminino, quase todas elas com o seu quê de formalidade, e dar-lhes uma volta. “Foi tudo um bocado desconstruído porque há coisas que são minhas e que estão lá muito presentes. É vestuário de trabalho, mas continua a ser oversized, a ter camadas por cima de camadas, continua a ter assimetrias. Se calhar reflete-se mais numa formalidade na escolha dos materiais do que propriamente nas formas. É uma interpretação minha daquilo que eu acho que deve ser o vestuário de trabalho”, afirma.

Uma interpretação tão cool e harmoniosa que somos capazes de propor uma abaixo-assinado para que se seja adotada pelo funcionalismo público como farda obrigatória. Mas do que silhuetas e cortes, Pedro destaca os tecidos como os grandes protagonistas da moda de hoje. “Acho que agora a moda é feita pelos tecidos, mais do que pelas formas. São eles que sofrem os grandes avanços tecnológicos e os processos mais diferentes. A escolha dos materiais partiu desse lado, mas misturando isso com o lado mais formal. Deu-me gozo pegar numa camisa e perceber o que podia fazer dela. São estas peças cliché, que estão em todas as cabeças e o que e que eu intervencionei”, continua o criador.

Bastidores do desfile de Carlos Gil © Ugo Camera

Depois do desfile, a coleção outono-inverno 2018/19 segue para o White, um showroom em Milão que reúne dezenas de marcas e designers. É lá que o trabalho do criador português vai ser visto por buyers dos quatro cantos do mundo, agora que faltam três semanas para o envio de três grandes encomendas resultantes da passagem pelo mesmo showroom na estação passada.

Carlos Gil ficou para último e quando Carlos Gil fica para último, o dia acaba em festa, na certa. A relação do designer com a cidade italiana já é tão forte que o desfile já atrai uma fauna muito própria. Saias de plumas, sandálias de plataforma, muito color block e, claro, lantejoulas. O quadro não é feio, é especial. Ainda o desfile não ia a meio, já as segundas filas estavam de pé. Se eram diretos, stories ou boomerangs, não sabemos.

Do show de cor e brilho não nos livrámos, aliás, foi por isso que fomos, para encher a alma de cores fortes, de punhos e golas de pelo, de macacões com detalhes de bombers, de saias, calças e blusões de lantejoulas, daquele ostentação ao estilo Gucci que nos divertimos a imaginar em cenários tão desconexos como uma paragem de autocarro ou um corredor do Pingo Doce. Por incrível que pareça, este é o guarda-roupa que Carlos Gil propõe para as 24 horas do dia de uma mulher, da sua mulher.

Modelo a preparar o cabelo para o desfile de Pedro Pedro © Ugo Camera

“É a mulher que trabalha, que dá muito valor à sua personalidade, mas que também se quer divertir”, explicar o designer. E Carlos quer estar lá, do pequeno-almoço ao after hours. Noções mínimas de realidade à parte, não dá para negar: a coleção outono-inverno 2018/19 de Carlos Gil está cheia de peças fetiche, ninguém tem culpa, só o próprio designer e o seu poder de despertar o nosso lado mais excessivo. E se ele se deu aos excessos. Pela primeira vez, trabalhou a chamada “malha esparguete”, deliciosa de ver em movimento, mas também o látex e os brocados em lurex.

Em receita vencedora não se mexe e Carlos Gil sabe-o bem. A fórmula que mistura tecidos e acabamentos de ar luxuoso com peças e detalhes desportivos parece fazer especial sucesso em Itália. “Não posso negar que há uma vontade e uma dedicação para que eu esteja numa ponta que me ligue aqui a Itália”, conta. Carlos, não sabemos se aguentamos as tuas lantejoulas logo de manhã cedo, dá-nos até à hora do lanche porque daí para a frente ninguém nos para, nem a elas, nem a nós.

O Observador viajou a Milão a convite do Portugal Fashion