Fe (lê-se “fiieh”), a palavra sueca para “fada”, é o mais recente jogo publicado pela EA Originals, a divisão de apoio a estúdios independentes da megalítica casa norte-american Electronic Arts a. Trata-se de um jogo de aventura fantasiosa, ao estilo de Metroid  e Castlevania, no qual controlamos uma pequena raposa que tem de salvar a floresta onde vive dos seus invasores silenciosos. Com uma arte peculiarmente bela, este jogo de plataformas 3D, com forte componente de resolução de puzzles, transporta-nos para um mundo mágico onde nos podemos perder a explorar e a conhecer todos os pormenores.

Durante anos, o mercado de videojogos foi dominado pelos chamados AAA mas, pouco a pouco, os estúdios indie foram ganhando tração e posição nas tabelas de vendas mundiais, muito graças a pessoas como Shahid Ahmad, um dos grandes impulsionadores destes jogos feitos por produtoras mais “pequenas”. A evolução do mercado chegou ao ponto em que grandes marcas da indústria começaram a achar viável criar divisões de apoio para publicação destes jogos. A EA Originals foi um desses casos. Depois de Unravel, tivemos o prazer de testar Fe.

A Zoink!, produtora deste jogo, não é uma novata no mercado. Já produziu os aclamados Stick it to the Man e Zombie Vikings, entre outros. Contudo, tal como foi dito pelo CEO e designer principal Klaus Lyngeled, aquando da sua visita à Lisboa Games Week, Fe é o seu bebé — é o jogo que Lyngeled quis produzir quando começou a trabalhar e que demorou anos a conseguir fazer. Foi um processo árduo e demorado mas também recompensador, já que o jogo foi colocado à disposição dos jogadores de PS4, XBox One e Nintendo Switch que podem comprá-lo desde 16 de fevereiro.

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Fe é um jogo invulgar. Apesar de o seu core ser o de um clássico metroidvania (jogos nos quais temos que ganhar habilidades gradualmente para ter acesso a novas zonas do mapa, como em Metroid e Castlevania), são os detalhes singulares e a forma como aplica as suas várias mecânicas que o tornam único. A sua premissa é bastante simples: um ser semelhante a uma raposa tem de a proteger uma floresta negra e fantasiosa dos invasores que estão a aprisionar os animais, voltando a dar equilíbrio ao ecossistema. Neste conceito, há uma mensagem quase subliminar sobre a importância de cada espécie e a necessidade de trabalhar em harmonia para um objectivo de valor maior. Esta cooperação inter-espécie é um dos aspectos mais importantes de Fe, pois é na harmonia da sonoridade com os diversos animais que conseguimos as nossas habilidades novas e os recrutamos para a defesa conjunta da floresta.

A direção artística peculiar do jogo transporta-nos imediatamente para fábulas. A estética única pode ser descrita com as imagens que vemos quando estamos a acordar mas ainda não o fizemos totalmente —  tudo é familiar mas, ao mesmo tempo, subtilmente estranho. A paleta de cores luminosas contrasta com negro quase omnipresente e estrangulador, dando-nos um pequeno laivo de ânimo num ambiente que podia parecer desolador. Mais do que visualmente belo, Fe é um jogo sonoro — é através do canto dos animais que toda a comunicação é feita entre a nossa personagem e os outros animais e plantas e é quando aprendemos as suas linguagens que podemos acrescentar poderes ao nosso “arsenal”, pedindo-lhes ajuda e aproveitando as suas capacidades. Há uma componente técnica que nos obriga adaptar o tom do nosso uivo ao do animal com quem queremos comunicar, movendo o comando da consola. É difícil negar que a inspiração veio de The Legend of Zelda: Twilight Princess, mas é também preciso reconhecer que foi feita uma bela aplicação da mesma.

O contraste entre os “bons” e os “maus” também é musical. Se, por um lado, é através do canto e da harmonia melódica que os animais da floresta se unem para defender o habitat, os vilões manobram-se em silêncio e opõem-se a toda a música da floresta.

Fe não é um jogo fácil de rotular porque incorpora vários aspectos de diferentes géneros, desde o seu “esqueleto” metroidvania à resolução de puzzles num ambiente de plataformas 3D, sem esquecer pequenos traços de acção furtiva. Não é só o rótulo que é complicado em Fe, mas também o jogo em si — somos lançados no jogo sem instruções absolutamente nenhumas e temos que perceber o que fazer, por onde ir e pouco a pouco desbravando mais caminhos. Ao contrário da maior parte das produções com longos tutoriais e ajudas, que dão a mão ao jogador para ele não cair até ao final, em Fe somos quase literalmente lançados aos lobos. Felizmente, estes são nossos amigos, tal como os restantes animais da floresta. Contudo, o jogo é intuitivo o suficiente para sabermos o nosso objectivo quase por instinto. Mas saber para onde ir e o que fazer não é necessariamente fácil de concretizar, e é aí que está dos maiores desafios de Fe.

O jogo pode ser dividido em duas partes: a história principal, que não é longa, onde corremos o seu enredo e ganhamos as capacidades todas necessárias para a segunda parte, a exploração. E é nesta que reside grande parte da magia de Fe — quando utilizamos as habilidades que aprendemos dos outros animais para chegar a locais antes inacessíveis da floresta. Infelizmente existem algumas falhas. Os puzzles conseguem ser repetitivos e há um subaproveitamento das capacidades dos animais que habitam a floresta, o que os torna apenas em instrumentos para resolução de problemas em vez de seres vivos que fazem parte de um ecossistema. São pequenas falhas mas que, infelizmente, tiram um pouco da genialidade de uma grande produção.

Fe é mais que um jogo para toda a família — é uma experiência narrativa sensorial como muito poucas e uma brilhante forma de contar uma fábula sem utilizar uma única palavra.

João Machado, Rubber Chicken