O procurador Orlando Figueira, acusado de corrupção no caso Fizz, recebeu, pelo menos, 11 chamadas e um sms do escritório de Proença de Carvalho para o seu telemóvel entre fevereiro de 2015 e fevereiro de 2016. Nesta altura, o magistrado soube que estava a ser investigado num processo-crime e declarou ao fisco cerca de meio milhão de euros que não tinha declarado em 2013 e 2014. O arguido diz que tudo foi pensado pelo advogado Proença de Carvalho, que à data representava o homem que lhe prometeu trabalho fora da magistratura: o banqueiro angolano Carlos Silva.

Os registos telefónicos a que o Observador teve acesso e que já foram anexados ao processo mostram, na realidade, 36 contactos entre o procurador e o escritório: quatro entre o telemóvel do arguido e um número fixo e 32 para um número móvel. Os quatro registos telefónicos para o número fixo do escritório da Uría Menendez, na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, foram feitos por Orlando Figueira em abril, maio e novembro de 2015. Mas os contactos de e para o número móvel do escritório de Proença de Carvalho atestam a tese que o magistrado tem defendido em tribunal: que, quando soube que estava a ser investigado, se reuniu com o advogado várias vezes e corrigiu as duas declarações de rendimentos.

Para esse número móvel há 32 contactos – quatro são sms, três de Orlando Figueira para o escritório e um do escritório para ele. As folhas de Excel onde constam os registos telefónicos entre 27 de fevereiro de 2015 e 28 de maio de 2015 mostram que existem 17 contactos do escritório para Orlando Figueira, mas estes representam apenas 11 telefonemas. Seis destes contactos estão replicados porque ativaram duas antenas diferentes, mas ocorreram exatamente à mesma hora, no mesmo dia, com a mesma duração.

O dia com mais contactos foi o de 28 de maio de 2015. Neste dia Orlando Figueira telefona pelas 10h00 para o escritório de Proença de Carvalho. Repete a chamada já depois de almoço, pelas 14h13, e só ao final da tarde recebe uma chamada do escritório. Este telefonema é um dos casos em que aparece replicado, provavelmente porque Orlando Figueira estaria em movimento, logo ativa uma antena no viaduto Duarte Pacheco, em Lisboa, e logo de seguida na A5, na zona da Avenida de Ceuta. O magistrado volta a ligar para o escritório pelas 18h51, numa chamada que dura quase dois minutos. Pelas 19h01, Figueira volta a ser contactado por alguém do escritório do advogado.

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Segundo as suas declarações em tribunal onde está a ser julgado por ter recebido mais de 760 mil euros (que o MP acredita serem luvas pagas pelo ex-vice-Presidente Manuel Vicente), quem lhe pagou esse dinheiro foi o dono do Banco Privado Atlântico, Carlos Silva — com quem assinou um contrato de trabalho para ir para Angola, que nunca chegou a concretizar-se. Nesse dia 28 de maio, Orlando Figueira terá tido uma reunião com Proença de Carvalho. Reunião essa que aconteceu dias depois de saber que estava a ser investigado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal.

Orlando Figueira contou que pensou que a investigação se devia aos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Pelo que a 26 de maio de 2015 decidiu corrigir a declaração de rendimentos para declarar os 265 mil euros que tinha recebido da empresa Primagest em 2014, numa conta em Andorra. No dia seguinte, Figueira fez uma nova declaração relativamente aos rendimentos recebidos em 2013 e declarou os 210 mil dólares que recebeu à cabeça pelo contrato de trabalho que o levou a pedir uma licença sem vencimento das suas funções no MP. Por causa destas duas alterações, Figueira ficou a dever ao Fisco 150 mil euros.

Ainda segundo explicou, essa reunião com Proença serviu para mostrar essa dívida e falar do processo-crime. O advogado, na versão de Orlando Figueira, propôs então que fizessem uma “cessação amigável do contrato de trabalho” e a Primagest assumiria as despesas. O advogado terá ainda aceitado um pagamento de um valor por danos morais, uma vez que Orlando Figueira  nunca chegou a ir trabalhar para Angola, como esperava. Em troca, garante Orlando Figueira, o magistrado nunca falaria de Carlos Silva nem da conta dele em Andorra — uma conta usada alegadamente para fugir aos impostos, segundo Figueira.

Figueira ainda reuniu com Proença de Carvalho mais três vezes, duas em junho de 2015 e uma em julho. Esses encontros serviram, ainda nas declarações do arguido, para reclamar o pagamento dos valores acordados. No total, nesse ano, segundo a agenda do telemóvel de Figueira — que consta no processo — foram agendadas dez reuniões.

Depois destas reuniões, Figueira recebeu na sua conta, a 25 de junho de 2015, 114 mil euros e a 20 de julho de 2015 79 500 euros a título de indemnização. Os 150 mil euros para pagar os impostos às Finanças foram pagos com um cheque do BPA.

O magistrado acabaria por ser detido a 23 de fevereiro de 2016. Nesse dia telefonou para Proença de Carvalho a pedir-lhe patrocínio, mas o advogado considerou que dados os últimos encontros não seria viável. Figueira contratou então Paulo Sá e Cunha e, nas suas palavras, este foi pago por Proença de Carvalho. Uma versão que só viria a contar já em dezembro de 2017, um mês antes do início do julgamento. Nesta nova versão dos factos, o magistrado acabou por denunciar o banqueiro Carlos Silva, afastando assim Manuel Vicente da figura de corruptor no processo.