O tratado de fronteiras marítimas entre Timor-Leste e a Austrália, que vai ser assinado terça-feira em Nova Iorque marca um novo capítulo na relação bilateral entre os dois países, afirmou em comunicado a chefe da diplomacia australiana.

“No dia 6 de março, juntar-me-ei a líderes de Timor-Leste para assinar o histórico ‘Tratado entre a Austrália e a República Democrática de Timor-Leste que estabelece os seus limites marítimos no mar de Timor'”, refere Julie Bishop, citada no comunicado.

“Isto marca um novo capítulo no nosso relacionamento com Timor-Leste, aproximando-nos como vizinhos que compartilham uma fronteira e como parceiros e amigos”, explica, recordando que a assinatura vai ser testemunhada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e pelo presidente da Comissão de Conciliação, Peter Taksøe-Jensen.

Este foi, para já, o único comentário oficial do Governo australiano sobre o fim das negociações sobre o tratado, que terminaram no mês passado em Kuala Lumpur, na Malásia. Apesar de vários pedidos de declarações feitos pela Lusa, o gabinete de Julie Bishop não deu, até ao momento, qualquer resposta.

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Xanana Gusmão não estará presente

Do lado timorense, o documento vai ser assinado pelo atual ministro Adjunto do primeiro-ministro para a Delimitação de Fronteiras, Agio Pereira. Xanana Gusmão, que liderou a equipa de Timor-Leste que negociou o novo tratado de fronteiras marítimas com a Austrália, não deverá participar na cerimónia de assinatura do histórico documento, confirmaram à Lusa fontes diplomáticas timorenses.

“A sua participação na cerimónia de Nova Iorque estava prevista, mas recebemos a informação de que não vai participar”, disse uma fonte à Lusa. A informação foi posteriormente confirmada por outras fontes em Nova Iorque e em Díli.

Nenhuma das fontes explicou os motivos da ausência de Xanana Gusmão da assinatura do documento, que vai decorrer às 17h de terça-feira (22h em Lisboa e 7h de 7 de março em Díli) na sede das Nações Unidas em Nova Iorque.

Na semana passada, o Governo timorense já tinha anunciado que, ao contrário do que estava inicialmente previsto, o primeiro-ministro, Mari Alkatiri, não participaria na cerimónia em Nova Iorque. Na altura, o executivo explicava que “não fazia sentido” a ida de Mari Alkatiri depois de ter sido confirmado oficialmente que o chefe do Governo australiano também não estaria presente.

Esta semana, o executivo emitiu uma nota a clarificar que “depois de contactada a Missão Permanente da República Democrática de Timor-Leste junto das Nações Unidas, em Nova Iorque, o Governo da Austrália não terá tido a intenção de se fazer representar na cerimónia de assinatura do acordo de delimitação de fronteiras marítimas entre Timor-Leste e a Austrália através do seu Primeiro-Ministro, Malcom Turnbull, mas sim através da Ministra dos Negócios Estrangeiros, Julie Bishop”.

A ausência dos dois líderes ocorre depois de meses de tensão política entre o Governo de coligação, liderado pela Fretilin, e a oposição, liderada pelo Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), de Xanana Gusmão. A tensão levou à decisão do Presidente da República Francisco Guterres Lu-Olo de dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas.

Caso os dois líderes tivessem viajado até Nova Iorque, seria o primeiro encontro entre ambos desde que Xanana Gusmão saiu de Timor-Leste, em setembro do ano passado. O líder timorense ainda não voltou ao país.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente da Comissão de Conciliação, Peter Taksøe-Jensen, que mediou as negociações entre os dois países, testemunham a assinatura.

A agenda prevê que as duas delegações se encontrem antes da cerimónia de assinatura, a que se seguirão declarações dos dois signatários e das duas testemunhas e, posteriormente, uma conferência de imprensa conjunta. O dia deve terminar com uma receção oficial em que se esperam declarações de Julie Bishop e Agio Pereira.

Contornos exatos ainda não são conhecidos

O tratado, cujos contornos exatos ainda não são conhecidos, coloca a linha de fronteira na posição defendida por Timor-Leste, ou seja, equidistante dos dois países, como Díli sempre reivindicou.

Uma linha que a administração colonial portuguesa, os ocupantes indonésios e os dirigentes timorenses desde sempre defenderam que deveria ser colocada onde agora vai ficar e que formaliza a posse de recursos que, até aqui, Timor-Leste teve que dividir com Camberra.

O significado histórico do momento fecha um ciclo com várias décadas de polémicas, protestos e intensas negociações para definir uma linha cuja indefinição custou a Timor-Leste cinco mil milhões de dólares, segundo estima a organização La’o Hamutuk e que tingiu da pior maneira a relação de sucessivos Governos australianos com o povo timorense e, desde a restauração da independência, acabou por marcar negativamente a relação entre os dois Estados.

O tratado de fronteiras marítimas que Timor-Leste e a Austrália assinam na terça-feira em Nova Iorque resulta de um teste aos instrumentos da Lei do Mar e, em concreto, ao Procedimento de Conciliação Obrigatória (PCO). Onze intensas rondas negociais, ao longo de 19 meses, para alcançar um acordo que os mais otimistas pensavam que demoraria anos e que os mais pessimistas achavam impossível.

As negociações, com o apoio de um painel de cinco especialistas internacionais e a assistência do Tribunal Permanente de Arbitragem, decorreram no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar (conhecida pela sigla UNCLOS).

O processo começou a 11 de abril de 2016, quando Timor-Leste notificou a Austrália — o documento foi entregue pelo embaixador timorense em Camberra, Abel Guterres — de ter desencadeado o PCO, para obrigar Camberra a sentar-se à mesa das negociações e definir as fronteiras marítimas permanentes entre os dois países.