Ao lado da direita, o PS chumbou tudo o que o PCP levou a debate no Parlamento na tarde desta quarta-feira sobre legislação laboral, e praticamente tudo do Bloco de Esquerda. Até mesmo o fim do banco de horas individual — com que o Governo concorda –, com o argumento que daqui a dez dias essa questão constará na proposta que o Executivo vai apresentar à concertação social. Apenas se salvou do chumbo a proposta dos bloquistas sobre esta matéria, porque foi adiada a votação, mas o PCP não se mostrou disponível para fazer o mesmo. Os comunistas preferiram marcar aqui a diferença face ao PS, dizendo que desta vez houve “uma relação parlamentar de outro tipo”.

E o “outro tipo” é “a opção do PS em convergir com o PSD e o CDS” nas questões laborais, explicou o líder parlamentar do PCP no final do debate. João Oliveira diz que esta oposição dos socialistas às propostas do PCP não tem consequências para a relação parlamentar com o PS: “É mais as relações parlamentares de outro tipo” que faz emergir. “Esta correlação de forças tem estas limitações”, lamenta João Oliveira que viu o PS travar, com o PSD e o CDS, as suas propostas sobre o fim do banco de horas individual e grupal, no setor público e no privado, e sobre as convenções coletivas de trabalho.

O PS tentou, até à última, que o PCP aceitasse que o projecto sobre o banco de horas individual baixasse à comissão sem votação, uma estratégia parlamentar que os partidos usam para dar uma oportunidade a um projeto concreto. E isto porque o PS, segundo disse a deputada Wanda Guimarães, se prepara para acompanhar a ideia de acabar com o banco de horas individual, na proposta que o Governo apresentará a 23 de março na concentração social. “Faz parte do programa do Governo do PS essa revogação”, afirmou a deputada, o que deverá acontecer no dia 23. “Em menos de dez dias vamos ter em concertação social a discussão deste assunto”, disse a deputada no debate desta quarta-feira.

João Oliveira diz que “se há intenção o PS de dar seguimento a estas questões, podia ter aprovado” já o projeto do PCP. “Mas a opção foi convergir com o PSD e o CDS”, insistiu depois do debate sem querer, no entanto, dramatizar: “Não é diferente do que se tem vindo a verificar sobre estas matérias”, que os comunistas já apresentaram noutros momentos, como parceiros do PS. E terá consequências em futuras negociações, por este Governo ainda ter um Orçamento do Estado para aprovar no próximo ano? Nesse caso, a perspectiva comunista é totalmente utilitária: “Vamos tirar desta correlação de forças tudo o que ela permitir”. Ou seja, cada tema será tratado de forma isolada.

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No debate, o deputado comunista Francisco Lopes começou por questionar logo os socialistas: “O que vai fazer o PS? Vai fazer o que fez com os dias de férias e com a reposição do valor do pagamento do trabalho suplementar? Vai juntar-se ao PSD e ao CDS?”. No fim foi exactamente o que acabou por acontecer e, no decorrer da discussão, a direita ia aproveitando aquilo que já previa.

Filipe Anacoreta Correia, do CDS,  tentava um silogismo: “O Governo está contra os trabalhadores. Se o PCP está com o Governo, logo, o PCP está contra os trabalhadores”. Adão Silva, do PSD, acusou os comunistas de estarem “no exercício táctico de tentar entalar o PS” e Sandra Pereira, da mesma bancada argumentava que “nesta altura do ano o PCP inicia o seu processo de metamorfose em que passa de parceiro do Governo a porta-voz dos sindicatos”. E aproveitou umas declarações recentes do líder comunista, Jerónimo de Sousa, para dizer que “a inquietação do PCP é a de quem ora é poder, ora é oposição. Ora está aqui dentro a votar Orçamento ao lado do Governo, ora está lá fora com cartazes a exigir a revogação de normas da lei laboral”.

Esta quarta-feira, os participantes da manifestação da CGTP que iam concentrar-se em frente da Assembleia da República (entre eles o secretário-geral da central sindical Arménio Carlos) acabaram por entrar para as galerias do plenário, por causa da chuva, assistindo ao debate.

No Bloco de Esquerda, a descolagem face ao PS não era tão pronunciada, com José Soeiro a apontar o copo meio cheio da “geringonça”: “O país tem uma maioria política que contrasta com os anos da troika e da direita, tem um Governo distinto do anterior, tem uma política económica com uma orientação diferente”. Depois acabava por concluir que o Executivo socialista “tem, no essencial, a mesma lei laboral do PSD e do CDS, essa lei é um entrave à democracia”. Ao contrário dos comunistas, os bloquistas aceitaram que o seu projeto sobre o banco de horas individual não fosse votado já, ficando na comissão parlamentar de Trabalho a aguardar pelo que virá do Governo. Na votação sobre esta matéria, o PS absteve-se no projeto do PCP, mas já sabia que não era suficiente para o salvar.

A votação não surpreendeu. Ainda assim, houve quatro deputados socialistas que anunciaram que iam fazer declarações de voto sobre a votação dos projetos da legislação laboral. Isabel Moreira, Ascenso Simões, Joaquim Raposo e João Soares. Ao Observador, Ascenso Simões explicou que a sua discordância é sobre os projetos da esquerda: “O Parlamento debate alterações ao Código do Trabalho que dizem pouco aos setores mais dinâmicos da economia portuguesa e não têm qualquer relação com as prioridades dos jovens portugueses”. Os restantes deputados do PS ainda não tinham as declarações de voto prontas à hora da publicação deste texto.