António Costa, prémio “Copperfield”

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Em 2015, mesmo depois de ter perdido as eleições legislativas, António Costa conseguiu fazer desaparecer um Coelho chamado Passos. Desta vez, conseguiu um truque de ilusionismo de igual ou maior exigência: fazer desaparecer o paquiderme mais incómodo do passado recente do PS. Quem? José Sócrates, o “elefante na sala” dos dois últimos congressos do partido. O líder socialista tinha chegado à Batalha com a ameaça fantasma de José Sócrates, que batera violentamente com a porta depois do súbito assalto de consciência de várias e destacadas figuras do PS, que desataram a falar em “vergonha” perante os comportamentos duvidosos do seu antigo líder. Sócrates, o “animal feroz”, e os seus aliados, anunciaram uma alegada vingança em marcha. Se houve, não chegou à Batalha. O Congresso do PS foi de António Costa e só de António Costa. Bom, houve Pedro Nuno Santos, que foi com alguma sede ao pote. Resta saber se o líder, por estes dias incontestado, gostou do excesso de protagonismo do “jovem turco”. Para bem do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, oxalá Costa não o faça desaparecer antes do tempo.

Pedro Nuno Santos, Prémio “Foice e Martelo”

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Pedro Nuno Santos arrastou jornalistas atrás dele a cada movimentação no Exposalão. Pedro Nuno Santos levantou o congresso. Pedro Nuno Santos tirou selfies com os militantes que não o deixavam dar um passo sem sacarem do telemóvel para o registo. Não há volta a dar, Pedro Nuno Santos e o pedronunismo (é um possível sucessor de Costa num futuro que poderá não ser tão próximo assim) dominaram os bastidores desta reunião socialista. Mas só mesmo esta necessidade de culto do indivíduo — em detrimento do coletivo — parece separá-lo do puro Marxismo. No discurso que fez no sábado à tarde e que foi ovacionado pelos socialistas, o novo líder da ala esquerda do PS colocou até como princípio fundamental para a concretização do Estado social a frase que Karl Marx escreveu, na carta  “Crítica ao Programa de Gotha”, como base da sociedade comunista. Com a sala do congresso revestida de vermelho, só mesmo o símbolo do punho socialista que espreitava na parede por cima do seu ombro direito fazia acordar os que procuravam a foice e o martelo.

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Fernando Medina, prémio “Faz-me um Like”

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Vamos imaginar que Mark Zuckerberg aparecia na Batalha (ok, faça um esforço) e transformava este congresso numa espécie de Facebook. E que, nessa rede socialista, Pedro Nuno Santos e Fernando Medina publicavam, praticamente à mesma hora, um daqueles posts-caça-ao-like. Não seria bonito para o ego do presidente da Câmara de Lisboa ver o seu post não passar de uma centena de likes, sobretudo solidários, enquanto o do seu camarada rapidamente ascendia à marca “10k”. São dois nomes apontados ao futuro pós-costismo, mas se um apareceu neste congresso descarado, o outro esteve contido e vinha muito menos preparado para fazer um arrastão como o do pedronunismo — que já tem trabalho feito ao nível do aparelho do partido. Não há (por agora) medinismo — o homem que lhe pode dar o nome não quer ouvir falar disso. Ainda assim, ao Observador, quando se falou nesta frente, citou Keynes e a sua tese de resolver a curto prazo porque “no longo prazo estaremos todos mortos”. O tempo é de Costa, diz Medina que, na rede socialista, nem mesmo com o vídeo de um gato a lamber a cabeça de um bebé conseguiria vencer esta batalha pelo mais viral.

Ana Gomes, Prémio “Vista Alegre”

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Disse que ia “partir a loiça toda”, mas nem um copo rachou. Chegou a escrever no Twitter que o PS não podia “continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga”, e que o congresso era “oportunidade para escalpelizar como o PS se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos”. Falava dos casos de Sócrates e de Pinho. Quando o Observador lhe deu boleia no Carpool a caminho do congresso, até disse que estava na política para “partir a loiça toda”, e desafiou os camaradas do partido a fazerem o mesmo, a porem “os dedos nas feridas”. Prometia sangue, gritos e vidros partidos, mas, quando subiu ao palco, nem a água que estava no copo de Carlos César tremeu. O nome de José Sócrates não foi pronunciado. A eurodeputada deixou avisos, sim, e admitiu que o PS “errou” ao “baixar as exigências éticas”, mas isso foi o máximo a que chegou. Ana Gomes pediu que se intensificasse a luta contra a corrupção, e o congresso aplaudiu. Mas, sem nomes, os estragos não foram audíveis. Ou isso, ou a loiça era boa. Por isso: prémio Vista Alegre.

Francisco Assis, Prémio “Flic Flac com Mortal Engrupado à Retaguarda”

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Simone Biles não faria melhor. Bom, talvez fizesse, mas Francisco Assis também não estava de maiô, nem se lhe exigia tal coisa. Dois anos depois de ter sido apupado pelos camaradas do próprio partido em Lisboa, o eurodeputado chegou à Batalha disposto a reencontrar-se com as bases socialistas. Voltou a criticar a “geringonça”, mas trazia o cachimbo da paz na algibeira e desfez-se em elogios para António Costa, um “bom” primeiro-ministro, que será “grande”, ainda maior, ainda mais extraordinário, ainda mais incrível, ainda mais magnânimo, assim que se libertar de bloquistas e comunistas. O caminho dos buuuuss de Lisboa ao riso coletivo e cúmplice na Batalha fez-se à custa de um arriscado mas aparentemente bem-sucedido exercício acrobático. António, amigo, obrigado por provares que estavas certo e eu errado, pareceu sugerir Assis, num exercício de redenção de proporções bíblicas. No final, e para a posteridade, um aperto de mão fraterno e uns quantos sorrisos amarelos. Semper fidelis, jurou aquele que era o último dos moicanos entre os opositores de Costa. Bruxelas está ao virar da esquina, já em maio de 2019. E Assis já fez saber que não está “indisponível”…

Augusto Santos Silva, prémio “Sejam Amigos”

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Os fãs dos sketches humorísticos de Bruno Aleixo leem o nome deste prémio e ouvem de imediato a voz do homem-peixe Renato Alexandre, no seu tom arrastado, a pedir ao Bruno e ao Busto que “sejam amigos”. Foi mais ou menos isso que aconteceu entre Augusto Santos Silva e Pedro Nuno Santos em cima do palco do congresso do PS — depois de duas semanas a trocarem argumentos nas páginas dos jornais. O debate era ideológico, com Santos Silva a defender que o futuro do PS deve passar mais por apontar ao eleitorado do centro e não tanto pelo acantonamento à esquerda, e com Pedro Nuno Santos a enumerar as vantagens práticas de o PS governar à esquerda, sem quaisquer alianças com o PSD, e a citar Karl Marx para explicar a importância do Estado Social. Um defendeu a terceira via, o outro destruiu-a. Feitas as contas, Santos Silva subiu ao palco para dizer que vai continuar a “combater todas as tentativas de retirar autonomia ao PS e de negar a sua natureza de espaço central”. E para dizer que, apesar de ter uma visão diferente de uma certa ala do PS, não está ali para combater nenhum socialista. “Não combato nenhum socialista, de nenhuma tendência ou opinião. Combato a direita”, disse. Amigos como dantes?

Ana Catarina Mendes, Prémio “A Aluna Bem Comportada”

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Foi preciso esperar por domingo, último dia do Congresso, para Ana Catarina Mendes subir ao palco e discursar. Esperou, subiu, falou e…os socialistas levantaram-se para a aplaudir. Sobretudo quando decretou que o objetivo para 2019 era “ganhar as legislativas, porque os portugueses merecem António Costa como primeiro-ministro”. Não pediu a maioria absoluta, como alguns foram fazendo ao longo do congresso, mas quase. E levantaram-se novamente quando António Costa anunciou a sua reeleição no cargo de secretária-geral-adjunta. Houve basicamente três momentos em todo o fim de semana em que o Congresso se levantou para aplaudir: com António Costa, com Pedro Nuno Santos e com Ana Catarina. Fernando Medina podia estar neste leque, mas não entusiasmou. Francisco Assis ou Augusto Santos Silva podiam ter espicaçado os menos adeptos da viragem à esquerda, mas também não fizeram disparar corações. A surpresa vai para Ana Catarina, que levou a sério a sua posição institucional de número 2 de Costa e, a bem da lealdade, manteve-se discreta durante todo o congresso (ao contrário de Pedro Nuno Santos). Mas quando falou, Ana Catarina animou as hostes. Em todo o caso, também ela terá de esperar (se quiser algum dia avançar, claro). É que Costa fez questão de deixar o aviso: “Ainda não pus os papéis para a reforma”. Portanto, os delfins que se posicionem como quiserem, mas que esperem. O prémio “Aguenta aí os cavalos” podia ir para Pedro Nuno Santos, enquanto para Ana Catarina vai o prémio da “Aluna bem comportada”.

Mário Centeno, prémio “Ganhar Quase Sem Sair do Sofá”

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Não esteve na Batalha, mas ganhou a guerra. Quer dizer, até esteve, mas só para assistir ao discurso de encerramento de António Costa, no último dia. Mário Centeno foi herói no congresso do PS sem precisar de lá pôr os pés. Não foram poucas as vezes em que a voz do ministro das Finanças se ouviu na Exposalão, em formato vídeo, e também não foram poucas as vezes em que foi referido pelos congressistas em cima do palco. Em que contexto? No contexto de herói das contas públicas, usado como trunfo para provar que não é só a direita que sabe ter as contas em dia — e que não são todos os socialistas que são despesistas. O “défice mais baixo da história da democracia” foi a coqueluche. “Se há algo de que nos devemos orgulhar nestes dois anos e meio é que acabámos com o mito de que em Portugal é a direita que sabe governar a economia e as finanças públicas”, diria Costa. No ecrã gigante, na última retrospetiva em vídeo que o PS fez sobre os seus feitos e protagonistas, Centeno rivalizou com Costa no número de aparições. Mas quando apareceu a imagem do ministro de cachecol da seleção aos ombros na sala do Eurogrupo, a sala do Congresso levantou-se para aplaudir. Ana Catarina fecharia com chave de ouro, e já com Centeno na primeira fila a assistir: “Obrigada, António Costa! Obrigada, Mário Centeno”. O congresso levantou-se (outra vez) para aplaudir. Mário Centeno ganha, por isso, quase quase sem sair do sofá.

José Sócrates, Prémio “Bibelô”

Uma subtil mas eficaz sessão de exorcismo. Sócrates começou por ser o “menino de ouro do PS”. Quando caiu, caiu porque fora vítima de uma infame coligação de forças negativas, à esquerda e à direita, e de circunstâncias económicas absolutamente excecionais e completamente alheias à sua governação. Antes, durante e depois da queda, foi sempre tido como uma vítima das mais escabrosas teorias da conspiração. Tornou-se, acima de tudo, uma figura politicamente incómoda para o PS, até porque insistia em colar o partido ao seu processo judicial. Um processo que, no seu entender, foi sempre político e nada mais do que político. Aos poucos, António Costa deixou-o cair e a cúpula do PS seguiu-lhe o gesto, num ato de higienização tão evidente que fez com que Sócrates, o próprio, cortasse com o PS. Neste congresso, o líder socialista deu o passo que faltava. Normalizou a relação do partido com a herança socrática: Sócrates foi figura constante nos vídeos que mostravam as maiores conquistas do PS e Costa chegou a elogiar o seu europeísmo convicto. Estaline apagou Trotsky da fotografia; Costa colou uma fotografia de Sócrates tipo passe no álbum da família socialista. Discreta, mas  presente. E assim, esvaziou a (já pouca) tensão que existia no partido. Sócrates, o outrora chefe da tribo socialista, tornou-se um bibelô na prateleira do Largo do Rato.