“Queen sem Freddie Mercury?”. Sim, eu também fiz essa pergunta. Sim, eu também era céptica. Muito céptica.

Quando se tem Mercury no Olimpo das vozes, pensar em ver a banda que era 90% ele – ou 99%, melhor vistas as coisas -, parece blasfémia. Foi por isso que, há dois anos, saí do Rock in Rio sem os ouvir nesta nova vida associada a Adam Lambert, o segundo classificado do programa American Idol de 2009. Mas, a verdade, é que as primeiras duas canções que escutei até à saída do parque da Bela Vista, mais a meia dúzia que continuei a ouvir no carro a caminho de casa, me obrigaram a sentar-me no sofá e assistir ao resto do concerto pela televisão. E a chamar-me estúpida milhares de vezes. Irra, que aquilo parecia estar a ser bom e eu tinha virado as costas. A malta lá de casa concordou comigo (o que até é raro).

Quando os Queen, os Queen sem Freddie Mercury, foram anunciados para esta quinta-feira no Altice Arena, decidimos não cometer o mesmo erro. Iríamos. Fomos. Em boa hora o fizemos.

Há muito, muito tempo que não assistia a um espectáculo assim. Aliás, terá sido provavelmente um dos melhores cinco concertos a que assisti na vida. Que já vai longa, admito. E que já me permitiu, felizmente, ouvir ao vivo muitas bandas, muitos músicos.

Adam Lambert não tem a voz de Freddie, não. Mas tem uma óptima voz. É melhor, até, quando não tenta imitar Mercury e faz suas as canções que Farrokh Bulsara imortalizou de 1970 a 1991.

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Lambert tem, também, outra coisa. Aquela loucura, na roupa que veste e nos gestos que faz, que por mais que comparemos com a de Freddie Mercury acabamos por perceber que afinal é mesmo sua. Basta recordá-lo em vídeos do Youtube, antes de ter sido cooptado por Brian May e Roger Taylor, os companheiros de sempre de Mercury, para os acompanhar no regresso aos palcos.

Dito isto, vamos ao resto e já voltamos às cantigas. E o resto foi o show. As luzes. A encenação. Tudo centrado no robot da capa do álbum News of The World, de 77, o sexto álbum de estúdio da banda, que inclui os hits “We Will Rock You”, “We Are The Champions” ou “Spread Your Wings”. Foi com o ‘boneco de lata’ que o palco se abriu, ou melhor, com um murro do seu punho fechado, que haveria mais tarde elevar Brian May para um solo de guitarra memorável. E foi finalmente assim que se viu todo o espaço. Taylor no alto de cinco degraus, à frente da sua bateria. Uma passadeira por detrás dele. A zona frontal com o microfone de pé que Mercury tanto adorava usar como adereço. E uma passadeira longa, longa, até quase a meio de um Altice Arena cheio, mas cheio a abarrotar pelas costuras, tudo sob um chão negro brilhante, com luzes púrpura.

Mas isto foi só o começo. Porque só mais tarde, ao longo do concerto, se perceberiam todas as potencialidades daquele palco, do show que tinha sido preparado para esta tournée que começou em Lisboa. Como quando a cabeça do robot emergiu do palco, com Adam Lambert, já na sua terceira mudança de visual, escarrapachado em cima dela. Ou quando, de repente, uma bicicleta apareceu no fim da passadeira, completamente enfeitada e cheia de buzinas, enquanto Lambert cantava Bicycle Race. Ou como, como já se disse, Brian May surgiu na mão do robot, lá nas alturas, a tocar a sua guitarra. Mas depois houve mais, muito mais, entre som, luzes, imagens e um sem número de detalhes magníficos que não dá para contar em palavras, só vendo.

Quanto às músicas, são as músicas de sempre, as que fizeram dos Queen uma das melhores bandas do mundo. E Adam Lambert anunciou logo ao fim da quarta ao que vinha. Ele não é Freddie Mercury. Ele é apenas um fã, como todos os que estavam no Altice Arena. Ele estava ali apenas para o homenagear. Ele também tem saudades do Mercury que morreu há 27 anos. Por isso deu o protagonismo aos ex-companheiros de Freddie, nos dois grandes momentos da noite, os mais ovacionados pelo público.

Primeiro Brian May. Sozinho na ponta da passadeira do palco, no meio de milhares de braços levantados, sentado num banco alto com uma guitarra acústica, o guitarrista e astrofísico que vai fazer 71 anos entoou “Love of My Life” com milhares de vozes a acompanhá-lo. A tecnologia fez o resto e Freddie Mercury apareceu ao seu lado, quase lhe pondo a mão no ombro, cantando ambos parte dos versos. May não aguentou. Chorou. O bruá da plateia foi de loucos. E Brian acabou com o resto. Mandou vir um selfie stick, agradeceu a Lisboa, disse que nunca teve um público assim, e fez uma fotografia de quase 360º para mais tarde recordar. Para ficar em destaque no seu álbum de recordações. Sempre de lágrimas nos olhos. Sempre sob aplausos.

Mais tarde seria a vez de Roger Taylor. A sua bateria também na ponta da passadeira, quase no meio do público, para o que se viria a revelar um dueto improvável. Ele ali, nos seus 69 anos, como se tivesse 30 (pronto, 40, concedo), e o segundo baterista, Tyler Warren, lá atrás, num duelo memorável.

Mercury, esse, ainda haveria de reentrar no espectáculo. Primeiro o seu holograma, de camisola de banda desenhada, em “We Will Rock You”. Depois com a icónica jaqueta amarela no encore com “We Are the Champions”.

Sim, Freddie esteve sempre lá. Sim ele será sempre a alma dos Queen. Mas os Queen sobrevivem sem ele. Adam Lambert dá conta do recado e os ‘velhinhos’ May e Taylor  estão para durar. Foi impossível não gostar. Mercury teria gostado. Teria cantado ‘The Show Must Go On”.