A atmosfera de Vénus roda a uma velocidade cerca de 60 vezes superior à do planeta propriamente dito (a parte sólida). Apesar disso, e para surpresa dos investigadores, há perturbações da atmosfera, nomeadamente ao nível das nuvens, que se mantém sempre no mesmo local quando vista do espaço — neste caso pela sonda Akatsuki. Para tentar perceber o que poderia estar a causar estas perturbações, uma equipa de investigadores internacional introduziu um novo elemento nos modelos atmosféricos do planeta: as montanhas. Os resultados foram publicados esta segunda-feira na revista científica Nature Geoscience.

“A dinâmica da atmosfera de Vénus ainda tem muitas questões em aberto”, disse ao Observador Pedro Machado, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, comentando o artigo publicado. “Os resultados são muito relevantes”, continuou o investigador que não participou neste estudo, mas que também se dedica a estudar a atmosfera de planetas, incluindo de Vénus.

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“Estão em curso trabalhos de investigação, com investigadores portugueses incluídos, que corroboram os resultados deste artigo”, acrescentou Pedro Machado, também ele envolvido nestes projetos. Enquanto os resultados agora publicados se referem a modelos computacionais da atmosfera de Vénus, os trabalhos que o investigador português e restante equipa se preparam para publicar tem os resultados das observações feitas quer com a sonda japonesa Akatsuki, quer com observações feitas a partir de telescópios na Terra.

Onda estacionária

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Uma onda é uma perturbação que se propaga em ciclos — pense na pedra atirada à água e na ondulação que provoca. E é estacionária porque se mantém fixa no mesmo local.

Neste caso, a perturbação é propagada em altitude, por cima das montanhas, e visível a 65 quilómetros de altitude, ao nível das nuvens.

“Os modelos atmosféricos levam 20, 30, 40 anos a serem construídos”, explicou o investigador. De cada vez que existem novos dados ou novas suspeitas podem ser modificados ou melhorados para incluir novos elementos. Neste caso, como a “sonda detetou algo bizarro” — as ondas estacionárias ao nível das montanhas –, os investigadores tentaram incluir o que poderia estar a gerar essa perturbação: a topografia. “A relação entre a atmosfera e a topografia é uma coisa nova, com dois ou três anos”, acrescentou Pedro Machado.

O que o modelo demonstrou foi que estas ondas estacionárias se manifestam tanto à escala planetária — 10 mil quilómetros na direção meridional (de norte para sul ou vice-versa) –, como a uma escala mais pequena, por cima dos acidentes topográficos na região equatorial. Porquê na região equatorial? Provavelmente porque é aquela que recebe mais energia do Sol e que pode potenciar a formação destas ondas. E porque é que isto acontece? Isso ainda não se sabe, mas as equipas com quem Pedro Machado colabora esperam poder chegar a esta resposta.

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Vénus, o segundo planeta do sistema solar, tem algumas semelhanças com a Terra: é um planeta rochoso e é pouco mais pequeno do que o nosso planeta. Mas são as diferenças que o tornam um planeta tão surpreendente, entre elas a densidade da atmosfera. Junto ao solo, a densidade da atmosfera de Vénus é mais de 90 vezes a densidade da atmosfera da Terra — mais parece que estamos envolvidos por um líquido do que por um gás, como acontece no nosso planeta. A pressão também é cerca de 90 vezes superior à da nossa atmosfera, o que equivale a estar mergulhado a um quilómetro de profundidade no mar.

Terra Vénus
Dia 24 horas equivalente a 243 dias terrestres
Ano 365 dias equivalente a 225 dias terrestres
Nascer do Sol por ano 365 2 (um a cada a 117 dias terrestres)
 De que lado nasce o Sol  Este Oeste

Se a isto se juntar o facto de a atmosfera da Vénus rodar muito, mas muito, mais rápido que o planeta — enquanto na Terra atmosfera e parte sólida rodam à mesma velocidade –, é fácil imaginar que isto possa ter impacto no planeta. “A atmosfera densa provoca um fenómeno de arrastamento que pode provocar um efeito de travagem”, disse Pedro Machado. Os investigadores estimaram que as ondas estacionárias possam provocar um abrandamento da rotação do planeta em dois minutos por ano. Para Pedro Machado isto “faz sentido, mas baseia-se apenas numa observação”. “É preciso estudar melhor o fenómeno.”