“Bom dia” será, muito provavelmente, a saudação mais estranha de se ouvir à chegada a uma festa. Não que as sessões matinais de música e dança sejam uma prática inédita, mas a verdade é que, num after convencional, este tipo de cumprimento é despromovido em favor de outro tipo de sensações. É um “bom dia” enérgico, aquele que ouvimos quando entramos no Regabofe Matinal. À segunda festa (a primeira foi no dia 7 de novembro e o objetivo, para já, é repetir a dose todas as primeiras quartas-feiras de cada mês), o Juicy Lisboa esteve à pinha, cheio de gente aparentemente bem dormida, arranjada, maquilhada, perfumada e, em alguns casos, engravatada. Daqui, seguem para o trabalho. Afinal, ainda só eram oito e meia da manhã, a playlist ainda ia a meio e esta cafetaria saudável, localizada em plena Baixa Pombalina, ainda estava capaz de segurar o ambiente de danceteria até às dez.

À entrada está Joana Sousa Lara, rapariga versada na organização de eventos, claramente em plena viragem de carreira, rumo a formatos bem mais inusitados. Ao mesmo tempo que recebe as visitas com o tal “bom dia”, capaz de matar de susto todos os que ali chegam pela via do sonambulismo, controla as entradas, recebe o dinheiro (a entrada custa 5 euros) e carimba as mãos dos convivas, só para facilitar as entradas e saídas, como em qualquer festa ou arraial com um nível de organização médio. Ao comando da pista está Miguel Pires, a segunda peça para explicar a origem de um evento que tem tanto de bizarro como de estranhamente lógico. Foi dele a ideia. Rapaz viajado, morou em Varsóvia, na Polónia, durante cinco anos e foi lá que experimentou sair à noite em plena luz do dia (uma boa forma de resumir a sensação de ir a uma festa destas).

Joana Sousa Lara e Miguel Pires, o casal que trouxe a moda das daybreak parties para Lisboa © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O conceito ficou-lhe na cabeça. Um pouco por toda a Europa, as daybreak parties são uma realidade. Nos Estados Unidos, nem se fala. O que Miguel e Joana fizeram foi importar o modelo para Lisboa, adaptando-o a um momento do dia que encaixasse na agenda da classe trabalhadora, o pequeno almoço. Não admira, por isso, que quem estava atrás do balcão não tivesse mãos a medir. Os cinco euros de entrada dão direito a uma bebida quente — um café, um latte (assim de repente, uma versão internacional do galão nacional) ou um cappuccino –, tudo o resto é pago à parte. Saíram tostas, wraps, os smoothies da moda,muffins e toda a sorte de refeições ligeiras para começar o dia e, já agora, para dar à pista o que queimar.

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Sim, a seleção eclética de Miguel fez uns quantos desbundarem no meio do bar de sumos saudáveis, que, justiça seja feita, adaptou-se muito bem aos moldes da festa. Luz fraca e colorida, som quase no máximo e empregados com amplitude de movimentos — o Juicy nem parecia o mesmo. Ao fundo do bar, mesmo em cima da coluna, os groupies. Ao contrário da primeira festa, esta não precisou dos amigos de Miguel e Joana para encher o recinto. Apareceu gente vinda sabe-se lá de onde, trazida pelo passa palavra e pelo evento criado no Facebook. Claramente, a festa também preencheu a sua quota de turistas. De passagem pela Rua de São Julião, suspeitaram da música e do ajuntamento.

Em vez de gins tónicos, vodkas e whiskey, este regabofe só serve bebidas quentes, sem álcool portanto © JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Cheguei, meu povo”, relembrou a música. Antes dessa, o repertório já tinha passado por Spice Girls. Entre vestígios de creme nos lábios, abacate entre os dentes e cinturas gingonas, quem lá estava respondeu com dança, mas nada de muito exuberante, afinal, ainda só eram nove da manhã. Quem pegou ao serviço mais cedo teve de deixar a festa a meio, dando a vez aos menos madrugadores. A curiosidade moveu a maioria. Ainda é cedo para falar em resultados, embora um ou outro frequentador desta festa de galões e música eletrónica (atenção, também houve muito disco ali pelo meio) tenha dito que o boost de energia tem impacto ao longo do dia. Outros, simplesmente, trocaram a habitual ida ao ginásio para estar ali.

Uma coisa é certa: parece que o Regabofe Matinal, além de decidido a baralhar-nos o fuso horário, tem tudo para crescer. Os acotovelamentos foram a prova de que Joana e Miguel podem muito bem adicionar mais datas ao calendário e optar até por espaços maiores. Para já, a festa fica pela Baixa de Lisboa, pelo menos às quartas. O casal já pensa em subir a Avenida da Liberdade e levar o regabofe (festa em que se come e bebe à farta, segundo o dicionário) para o eixo Rato-Marquês, ao mesmo tempo que outros bares e restaurantes já se mostraram disponíveis a receber o pequeno almoço dançante. Eles que subam e os outros que recebam. Apesar das horas e da abstinência, até somos capazes de nos habituar a isso.