A recusa de ser vacinado ou de vacinar os filhos, existirem cada vez mais bactérias resistentes aos antibióticos de última geração e a prevalência de várias doenças que podiam ser prevenidas, estão entre as dez maiores preocupações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o ano 2019. “A saúde humana é um direito. Ninguém deve ficar doente ou morrer por ser pobre ou por não ter acesso aos serviços que precisa”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, no programa de trabalhos para os próximos cinco anos.

Pela escolha feita nesta lista, parece ficar também claro que ninguém deve ficar doente ou morrer por não ter tido acesso à melhor informação científica disponível e que cabe à OMS combater os mitos instalados, como aqueles que alimentam os movimentos anti-vacinação ou os negacionistas das alterações climáticas.

Saiba o que a OMS diz sobre cada uma das suas grandes preocupações para o próximo ano.

Respirar ar poluído e ser afetado pelas alterações climáticas

O impacto das alterações climáticas são cada vez mais visíveis, ainda que alguns países se recusem a aceitá-lo ou a fazer alguma coisa para tentar contrariar os efeitos do aumento da temperatura global, e respetivas consequências nos oceanos, alimentação ou doenças. Basta olhar para o exemplo dos Estados Unidos que, embora sendo um dos maiores poluidores, quer sair do Acordo de Paris. O presidente Donald Trump diz que o acordo prejudica o seu país, mas, na verdade, toda a postura (incluindo de financiamento a esta área de investigação e trabalho) tem mostrado que “não acredita” nas alterações climáticas.

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A queima de combustíveis fósseis, com consequente libertação de gases com efeito de estufa, são a principal causa das alterações climáticas, mas também são a maior fonte de poluição atmosférica. Este tipo de poluição ataca o sistema respiratório e circulatório, provocando sete mil milhões de mortes prematuras todos os anos, revela a OMS. Nove em cada 10 pessoas em todo o mundo respiram ar poluído todos os dias, mas a larga maioria das mortes (90%) acontece em países de rendimento médio e baixo.

Recusar a vacinação

Graças à vacinação, foi possível erradicar a varíola. E o objetivo era erradicar a poliomielite e o sarampo, mas os conflitos armados e religiosos, no primeiro caso, e os movimentos anti-vacinação, no segundo, têm dificultado esta meta. A OMS tem esperança de conseguir travar a transmissão de poliomielite no Afeganistão e Paquistão ainda este ano. Mas ainda tem de perceber como combater o aumento de cerca de 30% dos casos de sarampo.

A vacinação continua a ser a solução com melhor relação custo-benefício para evitar doenças: previne dois a três milhões de mortes todos os anos, segundo a OMS. E se fosse implementada convenientemente evitava ainda mais 1,5 milhões de mortes.

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Aumento da resistência antimicrobiana

Fala-se em resistência antimicrobiana quando uma bactéria, um vírus ou um qualquer parasita, como o da malária, deixa de ser sensível a um medicamento, sobrevive ao tratamento e multiplica a sua prol de descendentes capazes de resistir a esse mesmo medicamento. Situação particularmente preocupante no caso das bactérias, porque algumas delas se tornaram resistentes a vários antibióticos, incluindo os de último recurso.

Se os antibióticos deixarem de servir para tratar infeções bacterianas, arrancar um dente ou fazer uma pequena cirurgia pode ser o suficiente para arranjar uma infeção grave e provocar a morte a um doente. Por outro lado, sem antimicrobianos eficazes deixamos de ser capazes de controlar doenças como pneumonia, tuberculose ou gonorreia.

E se os antibióticos deixarem de tratar infeções?

Cerca de 10 milhões de pessoas adoecem com tuberculose todos os anos e 1,6 milhões morre. Só em 2017, foram registados 600 mil casos de tuberculose resistentes ao antibiótico de primeira linha mais eficaz para tratar esta doença e 82% das pessoas estavam infetadas com uma bactéria multirresistente.

Doenças crónicas são uma das principais causas de morte

A poluição do ar, mas também o tabaco, consumo de álcool, alimentação pouco saudável e falta de atividade física, estão entre os principais fatores de risco para a diabetes, doenças cardiovasculares, cancro e problemas de saúde mental. Este tipo de doenças não infecciosas, muitas vezes crónicas, são responsáveis por 70% das mortes em todo o mundo. São cerca de 41 milhões de mortes, dos quais 15 milhões correspondem a mortes prematuras — entre os 30 e os 69 anos.

Um dos objetivos do programa da OMS para 2019-2023 é reduzir a inatividade física em 15% a nível global.

Continuar a combater a pandemia de VIH

Desde que o VIH (vírus da imunodeficiência humana) foi detetado pela primeira vez, há 40 anos, já foram infetadas 70 milhões de pessoas e 35 milhões de pessoas morreram. Os medicamentos antirretrovirais permitiram aos doentes infetados controlar a doença e as mortes diminuíram.

Os investigadores continuam a trabalhar na cura, embora não haja sequer indícios de que se chegue a encontrá-la. Mais perto estão as vacinas que podem substituir os comprimidos ou as que sirvam de prevenção à infeção. Os testes rápidos, que a OMS quer implementar cada vez mais, foram outro dos avanços recentes.

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Surtos de doenças que ainda não aprendemos a controlar, como o ébola

Só em 2018, a República Democrática do Congo assistiu a dois surtos independentes de ébola, em que ambos chegaram às cidades, atingindo um milhão de pessoas. Estes surtos permitiram perceber que a forma como este vírus se espalha na cidade é muito diferente da forma como se propaga em ambiente rural, como aconteceu no surto que se iniciou em dezembro de 2013, na Guiné.

O que aprendemos com este surto de ébola?

O ébola está na lista de doenças a que se deve dar atenção e sobre as quais se deve fazer investigação. Esta lista também inclui o zika, o coronavírus que causa a síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS-CoV), a síndrome respiratória aguda severa (SARS) e a doença X — uma doença que não se sabe qual é, causada por um vírus que pode ainda não existir, mas que exige a preparação para uma situação inesperada de uma infeção que se torne pandémica.

A estação do dengue está a aumentar

O dengue é causado por vírus transmitido pela picada de mosquitos. É mais frequente nas regiões tropicais, mas à medida que se assiste a um aumento da temperatura global pode expandir-se para novas regiões, incluindo a Europa. Além disso, nas regiões onde costuma acontecer, com o alargamento da época das chuvas, as pessoas ficam expostas à doença por períodos mais longos. Em 2018, o Bangladesh viu o maior número de casos das últimas duas décadas.

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A OMS estima que 40% da população mundial esteja em risco de ser infetada com dengue e que 390 milhões sejam infetados todos os anos. Até 2020, a organização quer diminuir para metade o número de mortes.

Não se sabe quando, mas virá uma nova pandemia de gripe

A OMS monitoriza constantemente a circulação dos vírus da gripe para detetar estirpes que tenham o potencial de se tornarem pandémicas, ou seja, de serem capaz de se espalhar por uma grande área geográfica, afetando um número anormal de pessoas e provocado uma taxa de mortalidade superior à esperada. É inevitável que venha a acontecer novamente, só não se sabe quando.

Sabe que a maior parte das pessoas com mais de 49 anos não consegue combater este vírus da gripe?

O que a organização defende é que os países estejam preparados para esta possibilidade com condições para detetar, conter e tratar todos os casos que identifiquem. Conter uma pandemia pode enfrentar várias dificuldades, entre elas o facto de não se conseguir controlar a circulação global de pessoas e a existência de sistemas de saúde com muitas deficiências, sobretudo nos países mais pobres.

Cuidados de saúde primários fracos

Os cuidados de saúde primários servem para tratar a grande maioria das questões de saúde que afetem uma pessoa ao longo da sua vida. Quanto melhor esse sistema de cuidados de saúde, mais fácil será atingir o objetivo da OMS de que todas as pessoas tenham acesso a cuidados médicos e de enfermagem. A realidade, no entanto, está ainda longe do desejado. Não só falta dinheiro, sobretudo nos países mais pobres, como o investimento feito nos últimos anos tem sido dirigido a doenças específicas, em vez de programas mais generalizados de acesso aos cuidados.

A falta de acesso a cuidados de saúde pelas populações fragilizadas

As populações que estão deslocadas das suas casas e países de origem, como os refugiados, a falta de serviços de saúde de qualidade nesses sítios (mas não só), a fome, a seca e os conflitos armados, são os principais desafios enfrentados por 1,6 mil milhões de pessoas (22% da população global).

A OMS promete continuar a lutar pela melhoria das condições de saúde nestes locais e destas populações, porque os sistemas de saúde fracos potenciam as pandemias e tornam mais difícil a sua contenção.