Um jornal publica uma notícia com base em duas fontes da investigação, dizendo que o Presidente terá cometido um crime. Pouco depois, o gabinete do procurador-especial, responsável pela investigação às suspeitas desse e de outro crimes, vem publicamente negar essa notícia. O jornal mantém a peça e defende as suas fontes. E o Presidente junta-se à confusão, ao classificar uma vez mais os media como o “inimigo do povo”. Confuso? Também os norte-americanos estão, à medida que acompanham cada passo da investigação às suspeitas de conluio da campanha de Donald Trump com o Kremlin.

Vamos então por partes. O último episódio da investigação liderada pelo procurador-especial Robert Mueller foi o de uma notícia publicada pelo BuzzFeed na noite de quinta-feira, onde se lia que, de acordo com “dois responsáveis judiciais federais envolvidos na investigação”, o Presidente terá ordenado diretamente ao seu ex-advogado pessoal, Michael Cohen, para que mentisse perante o Congresso. Em causa estariam as negociações para se construir uma Torre Trump em Moscovo. Segundo a notícia, a equipa de investigação de Mueller tinha já reunido várias provas que sustentam esta acusação: interrogatórios a diferentes testemunhas, emails internos da empresa, SMS e outros documentos, bem como o testemunho do próprio Cohen, que teria admitido ter recebido a ordem de Trump.

A notícia caiu como uma bomba. Não só porque implicava diretamente o presidente num caso de obstrução de justiça (dar ordens ao advogado para mentir ao Congresso), como também por ser a primeira vez que alguém dizia ter provas de que Trump estava diretamente envolvido nas suspeitas de conluio com os russos — uma ação que poderia ter efeitos políticos pesados, com os democratas a considerarem a abertura de um processo de impeachment na Câmara dos Representantes. O problema é que, poucas horas depois, o gabinete de Mueller fez algo que muito raramente acontece: apressou-se a desmentir a notícia publicamente.

“A descrição que o BuzzFeed fez de declarações específicas do Gabinete do Procurador-Especial e a descrição de documentos e de testemunhos obtidos por este gabinete, no que diz respeito ao testemunho de Michael Cohen perante o Congresso, não estão corretos”, afirmou o porta-voz do gabinete, Peter Carr.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Esse desmentido, contudo, não chegou para fazer o BuzzFeed recuar ou colocar em causa a credibilidade das suas fontes. “Em resposta à declaração desta noite do porta-voz do Procurador-Especial: nós defendemos a nossa peça e as fontes que a sustentaram e pedimos à Procuradoria-Especial que deixe claro o que é que coloca em causa”, tweetou o diretor do site, Ben Smith.

Nos restantes media norte-americanos, mais ninguém conseguiu confirmar ainda a informação avançada pelo BuzzFeed, como explica o New York Times: uma fonte conhecedora do testemunho de Cohen aos procuradores disse mesmo ao jornal que o advogado não afirmou ter sido pressionado pelo Presidente para mentir ao Congresso. Outros jornalistas, como Ronan Farrow da New Yorker, também citam fontes com entendimentos semelhantes.

https://twitter.com/RonanFarrow/status/1086425618802241536

Contudo, há quem relembre que o comunicado do gabinete de Mueller pode ser interpretado de várias formas. “Podem estar a implicar com pormenores da notícia do BuzzFeed, podem estar a defender a Procuradoria-Especial de implicações de que são eles a fonte da fuga de informação ou podem estar a pôr em causa a acusação principal de que terá sido o 45.º [Presidente] a mandar Cohen mentir ao Congresso”, explica a antiga procuradora do caso Watergate Jill Wine-Banks. “Talvez o 45.º apenas tivesse sabido de tudo e tivesse ficado calado.”

Certo é que o 45.º reagiu de imediato à notícia do BuzzFeed e ao desmentido de Mueller, falando num “dia triste para o jornalismo, mas muito bom para o país” no Twitter. “As fake news são mesmo o INIMIGO DO POVO!”, acrescentou num tweet posterior.

A investigação da procuradoria-especial liderada por Robert Mueller à campanha de Donald Trump já levou à acusação formal de vários cidadãos russos e de norte-americanos ligados à campanha de Trump. Um deles é Michael Cohen, condenado a três anos de prisão e que está a colaborar com a investigação.

As suspeitas levantadas pelo BuzzFeed de que Trump poderá ter estado diretamente envolvido no encobrimento de informação relacionada com a Rússia tiveram de imediato impacto político. Jerrold Nadler, o presidente do Partido Democrata no comité judicial da Câmara dos Representantes, já reagiu: “Sabemos que o Presidente tem um padrão de obstruir coisas que vem de há muito. Ordenar a um subordinado que minta ao Congresso é um crime federal. O trabalho do comité é descobrir tudo sobre isto e faremos esse trabalho“, prometeu.

Se Mueller passar as conclusões da sua investigação ao Congresso, a Câmara dos Representantes (atualmente dominada pelos democratas) pode decidir abrir um processo de impeachment, se concluir que há matéria suficiente para isso. Contudo, para ser bem sucedido, qualquer processo de destituição precisaria de ser aprovado em várias fases, incluindo no Senado, onde atualmente o Partido Republicano de Trump tem maioria.