“Está ali o Presidente da República”. A explicação de um dos moradores do Vale dos Chícharos, no Seixal, sobre a enorme trupe de pessoas que esteve esta manhã no também conhecido como bairro da Jamaica estava errada. O cabelo grisalho de Santana Lopes pode ter baralhado o morador. Mas as semelhanças esgotar-se-ão aí. É o próprio fundador do Aliança que o diz. “Não somos nada parecidos, embora seja um elogio ser confundido com o senhor Presidente da República“. Sempre rodeado de membros do seu partido e por muitos jornalistas, Santana Lopes foi conhecer o local que, desde a segunda-feira passada, tem estado no epicentro de um debate que vai do racismo aos limites da intervenção policial. Pouco mais de uma hora de visita deu para ouvir as preocupações de quem lá habita, percorrer o bairro no carro da presidente da comissão de moradores e para fazer um pouco de campanha. No fim, saiu preocupado e disse que aquilo que observou pode ser comparado a “um susto”.

Eu, se morasse aqui, também me sentiria revoltado“, garantiu aos jornalistas no fim do périplo. Como cenário de fundo, tinha um dos nove prédios feitos de tijolo vermelho, para o qual ia olhando de cada vez que falava dos problemas das pessoas que vivem no bairro, como que procurando ilustrar por imagens aquilo que lhe ia faltando em palavras. Já tinha estado no interior de dois deles e, de cada vez que saía, mostrava-se mais surpreendido. Afinal, só tomou conhecimento da realidade deste bairro “na semana passada”, depois de todas as notícias vindas a público. O ar de consternação ia contrastando com os sorrisos que apresentava de cada vez que ia conhecendo um novo morador.

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Começou por entrar num bar. À primeira vista, poucos diriam que aquela porta frágil seria a entrada de um qualquer estabelecimento. A discreta inscrição feita com tinta preta diretamente na parede branca exterior era o único aviso de que ali operava um “café”. Mas os olhares menos atentos deixariam escapar este detalhe e confundiriam aquele avançado com a entrada de uma casa com poucas condições. Falou com um morador que chegou de São Tomé e Príncipe a Portugal em 2015 e que desde então procura trabalho na construção civil. “Quer ajuda?”, perguntou Santana Lopes. “Eu queria”, respondeu prontamente. “Então no fim trocamos contactos”, devolveu-lhe o ex-primeiro-ministro antes de tocar no ombro do morador e se dirigir para a saída do bar.

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Em cada conversa que mantinha era sempre o interlocutor mais ativo. Fazia várias perguntas e pelo meio soltava laivos de política. Ao responder a uma mulher que contava que estava em Portugal há um ano a fazer um tratamento relacionado com um problema na tiroide, Santana Lopes aproveitou para lembrar como as várias Santas Casas da Misericórdia podem ajudar. Subiu a um dos edifícios e saiu minutos depois com um ar mais sério do que aquele com que tinha entrado. Apoiando-se num dos assessores para não colocar mal o pé – o caminho, irregular, era feito de lama e pedras –, deixou o prédio e deixou um conselho aos jornalistas que esperavam no exterior. “Vão ver a lixeira impressionante que há nas traseiras deste edifício”.

As impressões que ia trocando com os restantes membros do Aliança que o acompanhavam foram resumidas no final nas declarações à imprensa. Pediu “maior urgência” no realojamento das famílias e rejeitou entrar no debate sobre a existência de racismo no seio das forças de segurança. Lembrou que há sempre dois lados e disse que é fácil entrar no extremismo neste tipo de discussões. Para dar força a este argumento, Santana Lopes recordou que há dois anos um polícia agrediu violentamente um adepto de futebol diante do filho. “Esse indivíduo era de raça branca”, sublinhou para justificar que os excessos devem ser sempre condenados mas não devem precipitar leituras racistas.

O passeio de carro que podia ter sido feito a pé

Já perto do final, e surpreendendo o staff que o acompanhava, decidiu entrar no carro da presidente da comissão de moradores, que estava a entrar no bairro naquele momento. Surgiu assim, devido a esta ação improvisada, o segundo paralelo com o Presidente da República. Pediu para ir sozinho e recusou dar detalhes sobre o teor da conversa. Fará o devido julgamento “mais tarde” e, quem sabe, apresentará conclusões sobre o que ouviu da boca da representante de todos os moradores. Do lado de fora do carro, ouvia-se uma conversa que protestava contra este número de Santana Lopes:

– Coitada da minha irmã [a condutora]… Porque é que ele entrou no carro se pode ir a pé? – perguntou uma senhora mais jovem do que a que conduzia o veículo, enquanto abanava a cabeça e apontava com desânimo para o carro.

– É para as fotografias – respondeu-lhe, solícita, a amiga que a acompanhava.

– Coitada… Está a virar estrela sem pedir nada – lamentou num desabafo, antes de começar a seguir o caminho que o carro ia fazendo em marcha lenta.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR,

Santana Lopes ouviu agradecimentos pela preocupação e por ser o primeiro político a visitar o bairro depois da polémica. A maioria dos que iam falando com o presidente do Aliança demoravam-se em explicações sobre as condições em que vivem e sobre os motivos para ali morarem. Mas, como se foi percebendo em algumas situações, nem todos estavam satisfeitos com esta visita, que apelidavam de “campanha” ou, até, de “invasão”.

“Isto é política”, disse desesperançado um dos moradores aos jornalistas. Não esperava grande coisa desta visita e sabia o motivo para que ações deste tipo se repetissem esporadicamente. “Só cá vêm em campanha“, acrescentou a seguir. Ao seu lado, uma mulher ia concordando e suspirando por mais atenção. Desde dezembro que está em curso um processo de realojamento destes moradores, mas todos parecem concordar que chega tarde demais. Até Santana Lopes, que naquele momento saía de um segundo prédio de tijolos onde tinha estado à conversa com uma senhora que mora no bairro da Jamaica desde 1989. “São trinta anos, é o tempo de oito mandatos autárquicos”, assinalou, voltando a fazer política e atacando a falta de intervenção da Câmara Municipal do Seixal neste bairro.

Desvalorizou o facto de ter sido o primeiro político a visitar os moradores. Aos críticos, que o vão acusando de ter sido o protagonista de uma ação de pré-campanha, aconselhou um exercício de memória: “Sempre fiz isto, sempre que exerci funções fui aos sítios ouvir as pessoas”. Assegurou que voltaria ao bairro, mas sem alarido mediático. Uma promessa que os moradores não vão esquecer. “O Marcelo Rebelo de Sousa também disse que queria vir. Estamos à espera”, lembrou um deles. A solução para este bairro, sabem-no todos, também passa pela política.

Reportagem. A vida no gueto do Jamaica onde a polícia só entra à força