Há quase um mês, na antestreia do novo filme de Quentin Tarantino, a atriz Maya Hawke foi interpelada por um jornalista da Variety, a meio da passadeira vermelha. Este perguntou-lhe sobre  o seu processo de seleção para o papel de Flower Child — se o realizador lhe tinha ligado, enviado uma mensagem ou se teria falado diretamente com a mãe, que já protagonizou três grandes sucessos de Tarantino — “Kill Bill” (os dois volumes) e “Pulp Fiction”. “Não, fui a uma audição, como todos os outros. Recebi um telefonema do meu agente, a dizer-me que havia um filme disponível. Tive algumas indicações, gravei a minha cassete no meu quarto, com o meu pai […] depois recebi uma chamada a dizer que tinha ficado com o papel. Talvez no final tenha um abraço apertado extra do Quentin, mas cheguei aqui como todos os outros”, respondeu a atriz de 21 anos.

A pergunta foi legítima, a resposta esclarecedora. Maya é filha dos atores Ethan Hawke e Uma Thurman. No breve currículo, nada ressalta, à exceção da recente participação na terceira temporada de “Stranger Things”, que surpreendeu a comunidade de fãs da série. Falando do elenco de “Era Uma Vez em… Hollywood”, nova produção de Quentin Tarantino, protagonizada por Brad Pitt, Leonardo DiCaprio e Margot Robbie e com estreia marcada para dia 15 de agosto, em Portugal, este não é um caso único. Magaret Qualley, filha da ex-manequim Andie MacDowell, Rumer Willis, filha de Demi Moore e Bruce Willis, e Harley Quinn Smith, filha do realizador Kevin Smith, também fazem parte do elenco.

O cenário volta a trazer o nepotismo para o centro da conversa, pelo menos no que a Hollywood diz respeito. “Os filmes nascem de ligações pessoais, de colaborações de família ou de amizades que se refletem em trabalhos de valor incalculável — mas é justo questionar se isso não será só uma máscara para esconder um mal social e financeiro. Parece um padrão que precisa de ser quebrado”, escreveu o The Guardian, à data da antestreia. O fenómeno existe e não resulta de um talento extraordinário transmitido por via genética. “Às vezes, penso que não mereço a vida que tenho. Ao mesmo tempo que gosto de acreditar que o trabalho árduo me ajuda a conseguir as coisas, também sei que as portas me têm sido abertas. Tive oportunidades desde muito jovem que, de outra forma, não teria”, admitiu a atriz Magaret Qualley, de 24 anos, numa entrevista à revista Paper, no início de julho.

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A indústria está repleta de casos. Em alguns, o talento salta à vista. Outros deixam margem para pensar e favorecimentos. Ainda assim, é inevitável pensar que, à parte das relações privilegiadas, uma família ligada ao cinema proporciona, desde cedo, uma perceção real e uma aprendizagem do que são os preceitos da profissão. Drew Barrymore, Kate Hudson, Colin Hanks, Dakota Johnson e Jack Quaid são só alguns exemplos de atores e atrizes que seguiram as pisadas dos pais. Questionar a escolha dos filhos das estrelas para os papéis é pôr em causa as linhagens que sempre fizeram parte vida de Hollywood. Por outro lado, é essencial para garantir a paridade entre atores, sobretudo entre os que estão em início de carreira.

Margaret Qualley na antestreia do filme “Era Uma Vez em… Hollywood”, em Los Angeles © Matt Winkelmeyer/Getty Images

Esta não é a primeira vez que Quentin Tarantino surge envolvido em acusações de nepotismo. Em 2010, ano em que o realizador presidiu ao júri do Festival de Cinema de Veneza, as críticas não tardaram, depois de terem sido atribuídos prémios a Sofia Coppola, sua ex-namorada, e ao espanhol Alex de la Iglesia, amigo de longa data. Na altura, Tarantino refutou as acusações. “Um amigo no júri torna-se o nosso pior inimigo”, referiu o realizador. Sofia Coppola é, na verdade, um bom exemplo do que pode estar do outro lado da moeda. Ao mesmo tempo que é filha de Francis Ford Coppola — que a ajudou a produzir o seu primeiro filme, “As Virgens Suicidas” –,veio a revelar-se uma realizadora prodigiosa, ainda que catapultada para a indústria pelo pai. A mesma família encerra outros casos. O primo Jason Schwartzman, estreou-se no filme “Gostam Todos da Mesma” (“Rushmore”, título original), de 1998. Nicolas Cage protagonizou três filmes do tio no arranque da sua carreira: “Juventude Inquieta”, “Cotton Club” e “Peggy Sue Casou-se”.

Na verdade, nada melhor do que a relação entre tio e sobrinho para explicar a origem da palavra nepotismo. É uma derivação do latim nepos, sinónimo de sobrinho, que mais tarde desembocou no italiano nipotismo, termo usado para designar o hábito mantido por muitos papas, de atribuir empregos aos seus sobrinhos.