Um jardim entregue à própria sorte foi o cenário escolhido para o desfile de alta-costura da Chanel — dentro do Grand Palais, é claro, que as tradições são para cumprir. Quase a assinalar o primeiro aniversário da morte de Karl Lagerfeld, a maison molda-se à visão da sucessora do kaiser. E não é de agora que Virginie Viard traça um caminho que a leva diretamente à herança da própria Coco. Uma referência no seu estado mais puro e, tal como o jardim recriado para a apresentação, certamente menos glamorosa, sobretudo se a compararmos com a Chanel das últimas três décadas. À primeira vista pode parecer um voto de pobreza, mas é só um regresso às origens.

No caso, e depois de ter recuperado a escadaria espelhada do atelier e a biblioteca privada de Gabrielle Chanel como cenários em desfiles anteriores, Viard visitou o Convento de Aubazine, orfanato onde a criadora passou seis anos da sua infância, após a morte da mãe. Foi lá que aprendeu a costurar. No claustro do convento, Viard foi atraída pelo jardim deixado ao abandono. Trouxe-o para Paris e absorveu o lado mais austero da vida monástica.

Gigi Hadid e um vestido clerical © CHRISTOPHE ARCHAMBAULT/AFP via Getty Images

“Gosto desta ideia do internato, da menina da escola, das roupas usadas pelas crianças naquela altura”, revelou ao The Guardian. As golas e colarinhos, a escala de pretos e brancos, a profusão de rendas e o calçado raso resultaram num desfile de madres e noviças, onde os detalhes dignos de alta-costura visitaram a passerelle nos mais ínfimos detalhes — botões joia, bordados complexos e aplicações de flores, brilhos, transparências e apontamentos de cor em referência a vitrais de igreja. A noiva surgiu no fim, aparentemente pobre, mas a usar um véu bordado em tons de rosa e azul pastel. A sobriedade desta Chanel surge em contraste com a exuberância de outros tempos, mas jamais poderá ser confundida com ausência de riqueza. Resta esperar que o mercado se habitue a ela.

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Missangas, casacos e tingimentos ancestrais: Armani e a viagem inesperada

Os ombros volumosos têm sido uma constante nas últimas criações de Giorgio Armani. Pode mesmo dizer-se que, de certa forma, o grande veterano da moda italiana tem estado investido em empoderar a silhueta feminina — longa, esguia, monumental até. A coleção de alta-costura apresentada na última terça-feira ao fim da tarde não fugiu à regra, ainda que se tenha revestido de um exotismo nem sempre comum no trabalho do criador.

Armani aqueceu a passerelle de Paris ao trazer o ikat, método de tingimento ancestral, com origem a oriente, para pintar uma coleção de atelier composta por quase 80 coordenados. Os desenhos e formas ganharam vida com tons vibrantes e o desfile encheu-se de movimento com o designer a usar e abusar de franjas, missangas, pedraria e aplicações. Do lado dos vestidos de noite, a elegância surgiu com rasgo — o brilho, os folhos e plissados tornaram fórmulas clássicas em peças impossíveis de ignorar.

© Stephane Cardinale – Corbis/Corbis via Getty Images

O casaco foi uma das peças-chave do desfile, além de fiel guardião da herança da alfaiataria. Blazers, blusões curtos, jaquetas e quimonos — elementos que foram ficando mais ricos à medida que o trabalho de atelier (bordar, adornar, estampar e sobrepor) foi revelando as suas múltiplas habilidades. O resultado foi uma amostra vibrante da vitalidade que, aos 85 anos, Giorgio Armani mantém e da qual a moda é o melhor e mais poderoso espelho.

Givenchy: um jardim inglês em Paris

Não foi só Virginie Viard que se deixou inspirar por um jardim. Clare Waight Keller, a designer britânica ao leme da Givenchy, voltou ao seu país natal e deixou-se encantar pelo jardim plantado por Vita Sackville-West em Sissinghurst House, no extremo sudeste da Grã-Bretanha. Uma visão do romantismo à inglesa, complementada pelas cartas de amor trocadas entre Vita e Virginia Woolf.

Da paisagem (mas também do amor no ar), Keller absorveu as notas mais óbvias — flores, bordadas e aplicadas de forma graciosa –, mas também as tonalidades vibrantes de amores-perfeitos, anémonas (as flores, não das do mar), íris e malmequeres. A isto, a designer britânica juntou referências do arquivo do próprio mestre. “É a minha carta de amor a Hubert de Givenchy, porque entrei no arquivo nesta coleção e olhei para a história da casa desde o início”, revelou Clare à revista Vogue.

© Estrop/Getty Images

Dos visuais de Audrey Hepburn à alta chapelaria da década de 50, a colherada histórica foi envolvida neste arranjo de contemporaneidade. O fitting de Clare Waight Keller mantém-se praticamente intacto desde o primeiro dia (a designer de moda chega à direção criativa da Givenchy em 2017) — uma exuberância contida e uma força escultural que oscila entre a alfaiataria e a manipulação de volumes e materiais. As propostas para a próxima primavera não são exceção. Keller seguiu a receita à risca e fechou o desfile com Kaia Gerber vestida de noiva, visão tão ao mais romântica do que um lindo jardim inglês.

Na última terça-feira, a cidade luz assistiu ainda aos desfiles de Alexis Mabile, Stéphane Rolland, Alexandre Vauthier, entre outros. A semana da alta-costura de Paris continua até à próxima quinta-feira, com nomes de peso como Maison Margiela, Viktor & Rolf e Valentino e ainda com a despedida de Jean Paul Gaultier.

Na fotogaleria, veja as imagens dos desfiles que marcaram este segundo dia de semana da alta-costura, em Paris.