“Olá vó… Sim, não te preocupes. OK, até já. Desculpem lá [risos].”

Estamos na garagem de uma moradia nos arredores de Lisboa, em plena “zona saloia”. À volta da casa passeiam-se cavalos, corre um riacho e as pequenas hortas dão sinais de viçosidade. “Bem, onde é que íamos?”, pergunta Ricardo Jerónimo. É bem longe de concept stores e restaurantes Michelin que o homem por trás da marca Rival faz os seus utensílios em madeira, totalmente à mão. Este é o seu covil, uma divisão húmida que fica na casa dos avós.

O gravador já estava ligado quando a sua “vó” espreitou pela porta. Como não nos tinho visto chegar, perguntou se estava tudo bem e pediu para não nos esquecermos de fechar a porta. Não esquecemos. Voltemos ao covil: à nossa volta há restos de madeiras, serradura e uma mesa de trabalho organizada. “Tive de vir para cá porque o sítio onde trabalhava antes era numa divisória da minha casa. Já não dava para continuar a fazer barulho e pó por lá.”

O atelier da Rival. © Rui Gaiola

Em criança lembra-se de ver o avô a trabalhar a madeira, a fazer-lhe brinquedos. “Ele desenrascava-se. Quando faltava alguma coisa, fazia-a com as suas próprias mãos, era uma espécie de faz-tudo. Até mobiliário chegou a fazer”, recorda. A sua paixão pela madeira vem dessa época.

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No momento de escolher um curso superior seguiu design industrial. Chegou, inclusive, a trabalhar nessa área. Hoje diz que “lhe deu um bom background em termos de conhecer materiais”, mas faltava qualquer coisa. “Comecei a precisar mais da parte do meter a mão na massa. A parte de ser eu a criar, do início ao fim, utilizando o material que eu mais gosto.”

Essa necessidade aguçou-se com o nascimento dos filhos: “Houve aquele clique em que percebes que a tua vida muda e passas a ver as coisas de outra maneira. Ver aquela criança pequena fez-me pensar naquilo que eu próprio vivi quando era como ela. Deu-me vontade de voltar a pegar em madeira e fazer coisas.”

Algumas das colheres da Rival, inteiramente feitas à mão. © Rui Gaiola

Começou por fazer, sempre em modo autodidata, objetos “pequenos que durassem e fossem capazes de levar memórias para o futuro.” Colheres, principalmente, e outros pequenos utensílios que ainda hoje, seis anos mais tarde, resistem “lá por casa”. Aos poucos, os amigos começaram a ver o que ia fazendo e daí surgiram os primeiros desafios. “Foi assim que apareceram as primeiras encomendas”, recorda. Uma coisa puxa a outra e, de repente, Ricardo leva a sua recém-criada Rival a participar numa pequena feira. A coisa arranca mais a sério a partir desse momento, mesmo que nesses primeiros tempos a atividade continuasse, sobretudo, “a ser um hobby”.

Aos poucos, o negócio foi crescendo com recurso apenas ao Instagram. “Nem site tinha”, conta Ricardo. Tudo mudou, porém, quando foi abordado pelo chef Pedro Pena Bastos,
que na altura preparava a abertura do seu restaurante lisboeta, o Ceia, e lhe pediu umas peças exclusivas. Trabalharam em equipa para chegar a um consenso final e o resultado foi um conjunto de pratos, servidores e outros utensílios que são utilizados todos os dias
no restaurante.

Ricardo Jerónimo na oficina. © Diogo Lopes / Observador

Hoje, Ricardo goza de uma popularidade crescente entre chefs. Tem peças suas – de cortadores de bolos a pratos, passando por colheres e facas de manteiga – em restaurantes como o “estrelado” Feitoria, Essencial, Rossio Gastrobar, Epur, Fifty Seconds by Martín Berasategui (todos em Lisboa) ou o Euskalduna Studio (Porto). Além, claro, do Ceia, o seu primeiro cliente nesta área.

“Tenho sido abordado incessantemente por novos projetos ligados à restauração, algo que me tem dado um grande boost de visibilidade”, afirma. O trabalho triplicou, já tem um
site, continua a responder (sempre que pode e no ritmo possível) às encomendas, tem peças à venda ao público em lojas como a Banema Studio (Porto) ou a Icon Shop (Lisboa) e também já exportou. Mas calma: “Tem sido um crescimento rápido e espero que se mantenha, contudo, quero evitar perder a identidade da Rival. Isto tem de manter o toque familiar.
Não quero massificar.”

Tudo no processo de criação lhe passa pelas mãos: desde a escolha da madeira, que faz junto de antigas marcenarias lisboetas, aproveitando as suas sobras, ao árduo processo de cortar, lixar, aparar e tingir. O desafio físico é intenso, mas, para Ricardo, o mais importante é que “chega feliz” ao fim de cada peça. O seu desejo é levar a Rival “aos quatro cantos do mundo”, porém “com muita calma”: não só quer ver as suas colheres e pratos saltar fronteiras, como “partilhar conhecimentos” e cruzar-se “com outros artesãos do mesmo género” que lhe possam ensinar coisas – ou, “talvez até”, aprender algo com ele.

Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle 5 – Especial Comida (setembro de 2019).