O ex-presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker acredita que Portugal conseguirá alcançar resultados concretos na Cimeira Social do Porto, comentando que se o primeiro-ministro António Costa não for bem-sucedido, “ninguém será, porque ele é um dos melhores”.

Em entrevista concedida à Lusa em Bruxelas, onde mantém um escritório na sede da Comissão Europeia, que encabeçou entre 2014 e 2019, Juncker, anfitrião da primeira cimeira europeia consagrada a assuntos sociais, no longínquo ano de 1997, enquanto primeiro-ministro luxemburguês, e grande promotor do Pilar Europeu dos Direitos Sociais proclamado na segunda, há quatro anos em Gotemburgo, quando era presidente do executivo comunitário, admite ter boas expectativas para a Cimeira do Porto, na próxima sexta-feira, 7 de maio.

Ainda que seja o primeiro a assumir que muitas vezes as conclusões adotadas pelos líderes europeus ficam esquecidas — como sucedeu em 1997, quando ficou determinada a celebração anual de uma cimeira consagrada a assuntos sociais, e a seguinte teve lugar apenas 20 anos depois, na Suécia —, Juncker considera que o Porto pode abrir o caminho à efetiva implementação dos princípios consagrados no Pilar Social Europeu mesmo sem metas vinculativas, uma matéria sempre polémica e que encontra invariavelmente resistências por parte de diversos Estados-membros.

“Sim, esse é um debate antigo. Tivemos o mesmo debate já em 1997, por ocasião da primeira cimeira social, que teve lugar no Luxemburgo. Precisamos de fortes compromissos no que diz respeito ao conteúdo das políticas sociais na Europa. Mas não temos a necessidade de pôr números [vinculativos] em cada uma das ambições particulares que serão mencionadas na declaração comum”, sustenta.

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Ainda assim, o ex-presidente da Comissão destaca a importância de metas concretas. E embora aponte não ter o hábito de dar “conselhos públicos aos primeiros-ministros”, e menos ainda ao seu “bom amigo António Costa”, Juncker considera muito importante estabelecer objetivos concretos em determinadas áreas, para facilitar o desenvolvimento de políticas com vista à sua consecução. “Penso que ele [António Costa] tem de insistir em metas concretas no que diz respeito ao desemprego jovem, no que diz respeito à aprendizagem ao longo da vida, no que diz respeito à taxa de emprego. E penso que o fará. Se ele não for bem-sucedido, ninguém será bem-sucedido, porque ele é um dos melhores”, declarou então.

O Governo português, que até 30 de junho preside ao Conselho da União Europeia (UE), pretende que os princípios do Pilar Social discutidos e proclamados em 2017 em Gotemburgo sejam materializados através da adoção de planos de ação concretos, sendo sua intenção que a Cimeira do Porto defina metas concretas a serem atingidas até 2030, em termos de emprego, igualdade de trabalho ou igualdade de género entre homens e mulheres, e redução do número pessoas em risco de exclusão social ou de pobreza, entre outras.

A reunião ao mais alto nível da próxima sexta-feira, 7 de maio, pretende reforçar o compromisso dos Estados-membros, das instituições europeias, dos parceiros sociais e da sociedade civil, com a implementação do plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais apresentado pela Comissão Europeia em março último. Esse plano de ação prevê medidas como garantir uma taxa de emprego de pelo menos 78% na União Europeia, que pelo menos 60% dos adultos participem anualmente em formação ou a redução do número de pessoas em risco de exclusão social ou de pobreza em pelo menos 15 milhões de pessoas, entre as quais 5 milhões de crianças.

“Não se pode construir uma União Europeia harmoniosa sem cuidar das questões sociais”

Jean-Claude Juncker considera “da maior importância” alcançar progressos na área social, algo que já tentou promover há 24 anos, pois “não se pode construir uma União Europeia harmoniosa sem cuidar das questões sociais”.

Em vésperas da Cimeira Social do Porto, Juncker recebeu a Lusa no gabinete que mantém no Berlaymont, o “quartel-general” da Comissão Europeia. Atualmente com o título de “conselheiro especial” no executivo comunitário, e uma vida que admite ser “menos stressante do que foi durante os cinco anos” enquanto presidente do executivo comunitário, Juncker, 66 anos, segue com particular atenção a atualidade europeia, e diz-se “feliz” por a presidência portuguesa ter decidido organizar a Cimeira Social, ela que foi a promotora da primeira, então denominada “Cimeira do Emprego”, que lamenta não ter tido o seguimento que esperava. “Em 1997, quando era primeiro-ministro do Luxemburgo, organizei uma cimeira social. E uma das conclusões dessa cimeira foi que deveríamos ter este tipo de reuniões uma vez por ano. Isso nunca aconteceu”, aponta.

De facto, foi preciso esperar nada menos de 20 anos até à celebração de uma nova reunião de chefes de Estado e de Governo da UE consagrada aos assuntos sociais, a Cimeira Social de Gotemburgo, realizada em 17 de novembro de 2017 naquela cidade sueca, na qual foi proclamado o Pilar Social Europeu, de que Juncker, então presidente da Comissão Europeia, foi um dos grandes promotores.

Já na ocasião, na sua intervenção na cerimónia de abertura da cimeira de Gotemburgo dedicada à “Equidade no Emprego e no Crescimento”, Juncker deixou uma advertência aos chefes de Estado e de Governo, apontando que era provavelmente o único na sala a lembrar-se da cimeira que organizou duas décadas antes, cujas conclusões não foram aplicadas. E disse esperar que o cenário não se repetisse, e que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais tivesse aplicação prática, e não fosse “um mero poema”.

“Quando lancei, juntamente com outros, o Pilar Social, a minha expectativa era de que a questão social se tornasse um assunto do dia-a-dia. E por isso estou feliz por o meu amigo António Costa ter tomado a iniciativa de pedir aos Estados-membros que se reunissem no Porto nos dias 07 e 08 de maio”, afirma.

Apontando que, “desde então, a Comissão Europeia lançou um plano de ação, sob a liderança do comissário dos Assuntos Sociais Nicola Schmit”, para a implementação dos princípios contemplados no Pilar, Juncker diz esperar “que durante estes dois dias do Porto, os parceiros sociais e as instituições cheguem a acordo sobre um documento orientado para o futuro”, assegurando que todas as indicações que se refletem no programa de iniciativa social “sejam traduzidas em realidade”.

De acordo com Juncker, “este é um momento muito importante do desenvolvimento europeu, porque a questão social tem de estar no centro das preocupações europeias, não só no que diz respeito aos parceiros sociais, mas também no que diz respeito aos governos”. “Não podemos construir uma União Europeia harmoniosa se não cuidarmos das questões sociais. E, tanto quanto posso ver, todos os elementos estão agora reunidos sobre a mesa para permitir à União Europeia fazer alguns progressos na área social, isso é da maior importância”, sublinha.

A Cimeira Social do Porto, seguida de um Conselho Europeu informal, pretende reforçar o compromisso dos Estados-membros, das instituições europeias, dos parceiros sociais e da sociedade civil com a aplicação do plano de ação apresentado pela Comissão para a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais proclamado em Gotemburgo.

Conferência sobre o Futuro da Europa deve procurar alargar competências da União Europeia na área da saúde

Jean-Claude Juncker considera que a Conferência sobre o Futuro da Europa deve “assegurar” que a UE alarga as suas competências na área da saúde, o que defende ser “muito necessário”.

O ex-presidente da CE relembra que, durante a Convenção sobre o Futuro da Europa, presidida pelo ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing em 2003, “alguns governos” — incluindo o governo luxemburguês que chefiava na altura — “propuseram a extensão das competências europeias ao setor da saúde”, tendo essa ideia sido “rejeitada pela maioria dos governos europeus”.

Referindo que essa rejeição foi a razão pela qual, até hoje, a “União Europeia (UE) não tem, infelizmente, competências reais no que toca à saúde pública”, Juncker mantém que os Estados-membros que continuam a não querer dotar a UE com esses poderes “estão errados”.

A experiência prova que a UE — e, por isso, os países europeus — estão numa melhor situação se a UE e a Comissão Europeia tiverem algumas competências fundamentais no que diz respeito à saúde pública”, reitera.

Juncker dá o exemplo do início da pandemia, em que “os Estados-membros estavam a desempenhar um papel exclusivo no seu território nacional, sem o envolvimento da Comissão ou da UE”, para ilustrar que, nessa altura, a UE “estava desorganizada”. “Agora está melhor organizada porque há um sentimento geral de que a UE funciona melhor quando os Estados-membros e a Comissão agem em conjunto“, aponta.

Assim, espera que a Conferência sobre o Futuro da Europa — que será oficialmente lançada no próximo dia 9 de maio, em Estrasburgo, e que visa “moldar o futuro” da UE em conjunto com os cidadãos —, permita dar passos rumo a uma UE com mais poderes no domínio da saúde. “Gostaria que a Conferência sobre o Futuro da Europa, que já foi lançada e que irá decorrer nos próximos meses, se assegure de que temos uma extensão das competências europeias também no setor da saúde pública. É muito necessário”, refere. Até porque, segundo o estadista, “nos últimos meses há uma compreensão crescente” nos Estados-membros de que “é necessário um desempenho que é caracterizado por ações tomadas em conjunto”. “Acho que agora estamos no sítio onde deveríamos ter estado no início da crise”, aponta.

Abordando assim a campanha de vacinação contra a Covid-19 na UE, que foi criticada devido ao seu atraso relativamente a países como o Reino Unido ou Estados Unidos, Juncker diz que “está habituado ao facto de que, cada vez que algo corre mal, a Comissão é acusada de estar na origem dos problemas que estão a ocorrer”.

Para o ex-presidente da Comissão, a aquisição conjunta de vacinas pelo executivo comunitário foi um “bom passo para a UE” que, inicialmente, “não foi um grande sucesso” porque “tanto a Comissão como os Governos” pensaram que as vacinas disponibilizadas iriam permitir “vacinar facilmente, no espaço de alguns meses, todos os europeus” o que se revelou “não ter sido possível”. “Mas agora a campanha de vacinação tem sido organizada de maneira a permitir atingir o objetivo de ter 70% da população europeia vacinada até ao fim do verão, início do outono. Por isso, penso que as coisas melhoraram”, sublinha.

União Europeia é “parceiro leal” mas não “vassalo” dos Estados Unidos

Jean-Claude Juncker considera que a UE “deve defender os seus interesses em conjunto com os Estados Unidos”, mas não é o “escravo” ou o “vassalo” dos parceiros norte-americanos. “Somos parceiros, parceiros leais, mas nós não somos os escravos e os vassalos dos Estados Unidos”.

Juncker, que presidiu ao executivo comunitário entre 2014 e 2019, coincidindo com a maior parte do mandato do ex-presidente norte-americano Donald Trump, considera que as relações entre Bruxelas e Washington “melhoraram” desde que Joe Biden chegou à Casa Branca, dado que o novo Presidente dos Estados Unidos lidera uma administração que se “autodeclara amiga da União Europeia”.

Penso que os americanos aprenderam a lição porque, durante a administração Trump, o sentimento geral em Washington era de que a UE era uma invenção criada com o intuito de reduzir o papel internacional dos Estados Unidos da América”, aponta o estadista.

Tendo-se frequentemente encontrado com Donald Trump — que o admirava por ser um “homem duro” e um “matador brutal” no que se refere a negociações —, Juncker reconhece que as relações comerciais com a administração do ex-presidente norte-americano foram “difíceis”.

Agora, apesar de os Estados Unidos e a UE terem “voltado a ser os Aliados” que eram “antes da era Trump”, o estadista europeu alerta que o bloco “não deve cometer o erro de pensar que todos os problemas desapareceram” nas relações entre os dois parceiros.

Ainda existem problemas, mas agora estamos num campo de debate que é caracterizado pelo facto de que os norte-americanos consideram os europeus como seus aliados, o que sempre foi, é, e será o caso”, sublinha.

Mantendo assim a linha que tinha adotado enquanto presidente da Comissão Europeia — onde tinha referido que a UE deve ambicionar ser um “ator importante no cenário global” — Juncker diz que, no que se refere às relações internacionais, o bloco “não tem de seguir cegamente o tipo de decisões que são tomadas em Washington”. “A União Europeia é uma entidade por si própria. Temos de defender os nossos interesses, mas temos de fazê-lo em conjunto com os Estados Unidos sem seguirmos, em todos os detalhes, as suas indicações”, frisa o ex-presidente da Comissão Europeia.

Desde que Joe Biden tomou posse, em 20 de janeiro, o novo Presidente norte-americano tem multiplicado os sinais de boa vontade e cooperação relativamente aos seus parceiros europeus. Além de duas deslocações do novo secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, a Bruxelas — onde qualificou a UE de “parceiro de primeiro recurso” para os Estados Unidos —, Biden também já participou, por videoconferência, numa cimeira de chefes de Estado e de Governo da UE, em 26 de março.

Contrariamente ao seu predecessor Donald Trump, que qualificou a UE de “inimiga” e acusou alguns dos seus Estados-membros de se estarem a “aproveitar” dos Estados Unidos em termos comerciais, Biden tem-se mostrado determinado em “revitalizar as relações UE-EUA” e provar que a “aliança transatlântica está de volta”, como referiu num discurso durante a Conferência de Segurança de Munique, em 19 de fevereiro.

Nesse sentido, durante o seu primeiro périplo ao estrangeiro enquanto Presidente dos Estados Unidos, Biden irá passar por Bruxelas para, no dia 14 de junho, participar na cimeira de líderes da NATO e, por volta da mesma altura, reunir-se com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no âmbito de uma cimeira UE-EUA.

André Campos e Tiago Almeida, da agência Lusa