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Foi o ano do Summer of Love e do Festival Pop de Monterey, onde Jimi Hendrix e Janis Joplin ascenderam ao estatuto de novas estrelas do rock. O psicadelismo estava no auge, as bandas integravam novas referências na composição e nos arranjos, com destaque para os sons que chegavam da Índia. A criatividade era estimulada pelas drogas, sobretudo pelo LSD, e as experiências com substâncias como esta eram incorporadas nas letras.

Os progressos tecnológicos dotaram os estúdios de mais pistas de gravação, abrindo um mundo novo de possibilidades para trabalhar os temas. Quando chegou a hora de fazer o balanço de 1967, entre estreias e nomes consagrados a colheita musical revelou ser merecedora do carimbo vintage. Cinquenta anos depois, o que sobrou? Uma mão mais do que cheia de álbuns que se libertaram do esquecimento e estão entre os mais influentes de sempre. Escolhemos 12.

“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”

The Beatles

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Os Beatles disseram “adeus” aos palcos no final de agosto de 1966. Dedicaram-se à composição e ao trabalho em estúdio. Começaram por gravar “When I’m Sixty Four”, um tema composto por Paul McCartney durante os primeiros tempos da banda, mas que foi ficando na gaveta. De seguida, registaram “Strawberry Fields Forever” e “Penny Lane”, canções que evocavam a terra-natal de Liverpool e que deram origem a um single que só não surge, regra geral, no primeiro lugar da lista dos melhores 45 rotações de sempre porque os Beach Boys costumam arrecadar o prémio com Good Vibrations.

Picados pelo sucesso e pela qualidade de Pet Sounds, a obra-prima de Brian Wilson, os fab four empenharam-se em gravar um álbum que conseguisse ser ainda melhor. Meses de trabalho, que na perspetiva de Ringo Starr foram um tédio, resultaram em Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Inclui clássicos como “With a Little Help From My Friends” e o épico “A Day in the Life”, exemplo perfeito daquilo que a dupla John Lennon-Paul McCartney podia alcançar.

Mas há muito mais neste disco, obra-prima da pop psicadélica. São os casos de pérolas menos famosas como “Being For the Benefit of Mr. Kyte”, “She’s Leaving Home ou Fixing a Hole”. Da música à capa, o álbum faz a síntese das personalidades musicais dos quatro beatles no período de auge a que se seguiria o triste processo de desagregação. Faz 50 anos, mas está fresco como uma alface.

“The Velvet Underground & Nico”

The Velvet Underground & Nico

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Hoje em dia, é um álbum icónico. E a circunstância está longe de ser explicada apenas pelo facto de Andy Warhol, nome grande da pop art, ter sido o autor da famosa capa que transformou o disco de estreia dos Velvet Undeground no “disco da banana”. Quando viu a luz do dia, o álbum foi recebido com frieza e indiferença, o que o transformou num fracasso comercial.

As canções da banda não eram fáceis de encaixar, numa época em que estava em fase larvar a onda de otimismo, alimentada a LSD, heroína e outras substâncias que era suposto conduzir os respetivos consumidores ao céu em plena terra. O flower power estava a caminho e iria culminar com o summer of love. Mas os Velvet Underground não tinham nascido para partilhar confiança no futuro e na mudança do Mundo, para muito melhor.

As canções, tanto a música como as letras, interpretadas por Nico, Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Maureen Tucker, são sombrias e rugosas, o som final da gravação é sujo, assumidamente low-fi numa época em que os progressos tecnológicos permitiam ambicionar registos de cada vez maior qualidade. Os Velvet Underground cantam a dependência de drogas duras e um dos hinos que está incluindo no álbum é, precisamente, “Heroin”, um clássico da carreira de Lou Reed.

“The Doors”

The Doors

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Os Doors foram fundados por Jim Morrison e Ray Manzarek em 1965, mas só no ano seguinte iriam ter a oportunidade de entrar em estúdio para gravar o primeiro álbum de uma carreira curta. Registaram os temas do disco de estreia em escassos dias e algumas das faixas ficaram prontas ao primeiro take. Desta velocidade de execução resultou um disco cru, poderoso, espontâneo como seriam, depois, as atuações da banda ao vivo.

Na época em que as guitarras imperavam, os Doors não dispensavam um guitarrista, mas apresentavam-se com uma formação original. O órgão de Manzarek fazia as vezes do baixo e da guitarra ritmo e ainda tinha fôlego para se aventurar em longos solos, como o de “Light My Fire”, tornando-se numa das principais marcas distintivas do som da banda, a par da voz de Jim Morrison.

Rock, blues, jazz, referências à música oriental em “The End”, além de uma pitada de música “clássica” — a introdução de “Light My Fire” é inspirada na obra de Johann Sebastian Bach –, tudo complementado com a poesia de Morrison, são os ingredientes de uma sonoridade enérgica, que os Doors só recuperariam, em parte, no início dos anos 1970, com Morrison Hotel e L.A. Woman.

“Are You Experienced”

The Jimi Hendrix Experience

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A segunda metade dos anos 1960 representou o auge da era psicadélica. A tendência está evidente em vários dos álbuns que integram esta lista. Os blues e o rock têm uma presença de peso na música, mas as experiências com estupefacientes moldaram as versões finais dos temas. Com Jimi Hendrix, à fusão destes elementos ainda se somou o facto de a época ter sido o terreno fértil onde cresceram e se afirmaram grandes guitarristas.

Inspirador de várias gerações de instrumentistas, no rock, obviamente, mas também no jazz e nos blues, Hendrix assinou o álbum de estreia num ano rico em novidades. Are You Experienced, que conta com o contributo de dois outros músicos de exceção — Mitch Mitchell, na bateria, e Noel Redding, no baixo –, está recheado de clássicos. “Foxy Lady”, “Purple Haze”, “Hey Joe”, “The Wind Cries Mary” são quatro exemplos, a que se junta uma jam session — “Third Stone from the Sun” — em que o líder da gravação dá largas a solos torrenciais e assinala o gosto pelo improviso que contaminaria muitas bandas e candidatos a magos da guitarra, nem sempre com os resultados mais agradáveis.

Tal como sucede com o primeiro álbum dos Doors, há seguidores de Hendrix que consideram que o músico jamais voltou a conseguir fazer uma obra tão consistente. Ainda antes de entrar em estúdio para registar Are You Experienced, o guitarrista já se tinha transformado num fenómeno de popularidade em Londres, onde conquistou fãs como Eric Clapton ou os Beatles. O álbum trepou nas listas de vendas após o lançamento. Só não chegou ao topo porque este já estava preenchido com Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

“Forever Changes”

Love

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Os Love são umas das bandas mais subestimadas na história da música pop e o mesmo se pode dizer sobre Arthur Lee, o líder do grupo, em relação à galeria onde figuram os mais importantes compositores de sempre. Junto do público contemporâneo, o sucesso nunca foi estrondoso, embora tenham conseguido fidelizar uma pequena legião de seguidores para quem os Love, nascidos em Los Angeles, tal como os Doors, se transformaram numa banda de culto.

Por altura do arranque da gravação de Forever Changes, os Love estavam em risco de desintegração. Drogas e desorganização eram a explicação para a situação e a editora chegou a pensar em concretizar o projeto com o recurso a músicos de estúdio. Não foi isto que sucedeu. A banda reagrupou-se e conseguiu legar para a História da música pop/rock uma bela coleção de canções sofisticadas, decoradas, essencialmente, através de guitarras acústicas e orquestrações discretas, mas eficazes.

Forever Changes podia ter sido o arranque para uma história brilhante. Foi, afinal, o “canto de cisne” de uma promessa fracassada. Depois de o álbum ter sido editado, com modesto acolhimento das audiências mais alargadas, o grupo desfez-se. Lee continuou a gravar sob o nome Love, mas a magia tinha desaparecido. Ficaram tesouros como “Alone Again Or”, “The Red Telephon”e ou “Live and Let Live”.

https://www.youtube.com/watch?v=cNcXFy8QTC4

“The Piper at The Gates of Dawn”

Pink Floyd

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Se os álbuns que estão prestes a completar 50 anos refletem os tempos em que foram criados, o disco de estreia dos Pink Floyd é exemplar. Com as canções de Syd Barrett intercaladas por temas longos, inspirados na era espacial, Piper at the Gates of Dawn é a obra-prima do guitarrista que foi a primeira alma da banda e alicerce de música que desbravou fronteiras, mas também um dos mais importantes testemunhos da era psicadélica.

Após este disco de estreia, Barrett iniciou o percurso para o fundo de um poço de onde nunca mais conseguiu sair. Anos mais tarde, os seus antigos companheiros dos Pink Floyd iriam recordá-lo e homenageá-lo através do álbum Wish You Were Here e, sobretudo, do tema “Shine On You Crazy Diamond”. Mas o génio de Syd Barrett não voltaria a sair da lâmpada com o brilho e a intensidade com que se manifestou no primeiro álbum da banda.

“Lucifer Sam e “The Scarecrow” são dois dos grandes temas de Barrett que integram o alinhamento de The Piper at the Gates of Dawn. Mas a exploração das possibilidades dos estúdios são mais evidentes em “Astronomy Domine” e “Interstellar Overdrive”. Curiosa é a circunstância de o disco ter sido gravado em Abbey Road, paredes meias com o estúdio onde os Beatles trabalhavam sobre os temas que iriam fazer parte de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.

“Songs of Leonard Cohen”

Leonard Cohen

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A morte de Leonard Cohen, em 2016, foi uma das perdas mais lamentadas do ano. O desaparecimento do escritor, poeta e compositor foi o pretexto para se recordar a importância da obra que legou, sobretudo a música que foi publicada durante os primeiros anos de uma carreira que começou a ser construída quando Cohen já tinha entrado na sua década dos 30.

O primeiro disco do músico de origem canadiana foi publicado em 1967, o que confirma que se tratou de um período especialmente rico em álbuns de estreia que acabaram por ocupar lugares de destaque na história da música popular anglo-saxónica. Enquanto outras bandas aproveitavam a possibilidade de passarem mais tempo em estúdio em busca de novas soluções para os arranjos dos temas, Leonard Cohen optou pela simplicidade. Por sua vontade, a interpretação das canções que compôs ter-se-ia resumido a voz e guitarra. Nada mais.

E que temas integram este Songs of Leonard Cohen? Alguns daqueles que consolidaram o músico como um mestre quando se trata de abordar o amor, o desespero, a raiva, a compaixão e a traição. Ainda bem que Cohen continuou a editar discos, apesar de o ritmo de trabalho ter sido relativamente moderado. Mas, caso não tivesse publicado mais nada, Songs of Leonard Cohen já teria fornecido uma boa dose daquelas canções que conquistam a eternidade. É o mínimo que se pode dizer de “Suzanne”, “Sisters of Mercy”, “So Long, Marianne” ou “Hey, That’s No Way to Say Goodbye”. Isto, claro, para não nomear todas as faixas.

“Younger than Yesterday”

The Byrds

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Quem aprecia a música de Bob Dylan, mas não nutre igual admiração pela voz do prémio Nobel da Literatura, tem bom remédio. Pode pegar numa parte dos discos dos anos 1960 assinados pelos Byrds e deliciar-se com as harmonias vocais que transformam melodias apenas esboçadas em baladas cativantes.

A carreira da banda começou por se afirmar através de versões de temas de Dylan como “Mr. Tambourine Man” ou “Chimes of Freedom”. Mas a banda progrediu e acabou por gravar faixas originais que provaram como, entre os seus elementos, havia compositores com potencial para criar temas que ficaram entre o melhor nas vindimas dos anos 1960.

Ao quarto álbum, Younger than Yesterday, os Byrds tinham perdido um dos seus membros mais influentes, Gene Clark, mas ainda restavam Roger McGuinn, Chris Hillman e David Crosby. É com esta artilharia que a banda grava um dos mais celebrados discos da sua discografia. “So You Want to Be a Rock’n’ Roll Star”, “Renaissance Fair” e “Everybody’s Been Burned” são três excelentes exemplos da fusão entre folk, rock, psicadelismo e country que caracterizou uma boa parte do trabalho realizado pelos Byrds durante a década em que viveram o período dourado. Foi, também, o derradeiro disco em que Crosby participou. O respetivo ego já não cabia dentro das fronteiras da banda.

“Disraeli Gears”

Cream

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O primeiro “super-grupo” de sempre? É desta forma que os Cream são, frequentemente, apresentados. A explicação está no facto de a banda ter sido fundada por três instrumentistas que já dispunham de créditos consolidados: Ginger Baker, baterista, Jack Bruce, viola-baixo, e Eric Clapton, guitarrista, o tal que a certa altura se viu comparado a Deus em graffiti que decoraram as paredes de Londres e declaravam: “Clapton is God”.

A par de Hendrix, os Cream cozinharam a sua música através de um conjunto de ingredientes que incluiu blues tradicionais e contemporâneos, um forte aroma psicadélico e um som poderoso proveniente da guitarra, que ajudou a erguer as fundações do hard-rock, o estilo que iria viver os seus tempos de “vacas gordas” durante os anos seguintes, em grande parte pela mão de bandas que não dispensavam ter os seus próprio heróis da guitarra, entre os quais os Led Zeppelin e os Deep Purple.

Pontos altos do segundo álbum na obra dos Cream? “Strange Brew”, “Sunshine of Your Love” e “Tales of Brave Ulysses” são ótimos aperitivos, mas o melhor é escutar tudo. Afinal de contas, 1967 faz parte daquela época em que os álbuns se tornaram na fonte mais importante para fazer julgamentos sobre a qualidade de um grupo, derrotando os singles.

“Surrealistic Pillow”

Jefferson Airplane

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Jefferson Airplane Takes Off, o primeiro álbum dos Jefferson Airplane, pegou na música folk, inspirado em bandas como os Byrds. Mas o grande salto na carreira só iria chegar mais tarde, quando o grupo editou o segundo disco, aquele que os fãs do psicadelismo não costumam dispensar. Ao folk, a banda somou os elementos ligados ao universo daqueles que confiavam no ácido lisérgico como estímulo para a criatividade.

Sob o “aconselhamento” de Jerry Garcia, autor do título do álbum, guitarrista e líder de outra banda californiana que se movia nas mesmas águas, os Grateful Dead, os Jefferson Airplane gravaram mais um dos discos marcantes de 1967. Por esta altura, tinham já dispensado a vocalista da formação original, Signe Toly Anderson, e Grace Slick assumira a tarefa, com uma voz autoritária e mais distante das raízes folk dos Airplane.

As referências às drogas estão presentes em “Surrealistic Pillow” e o caso mais evidente é a canção “White Rabbit”. A canção recorre ao universo criado por Lewis Carroll em Alice no País das Maravlhas, para falar sobre as experiências com o LSD. Grace Slick explicou, depois, que a situação não devia causar surpresa. As histórias infantis, defendeu, estavam cheias de alusões ao uso de drogas para alterar o estado físico e mental dos utilizadores. “Somebody to Love” e “Today” são duas outras faixas que explicam o sucesso com que o disco foi recebido.

“Their Satanic Majesties Request”

The Rolling Stones

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Os Rolling Stones começaram por se distinguir como intérpretes de blues, mas o sucesso dos Beatles acabou por exercer uma influência decisiva na evolução para a pop. A música crua e angulosa da era inicial da banda foi sendo substituída por temas mais melódicos e polidos. Este percurso culminou com a edição de Their Satanic Majesties Request, a incursão da banda de Mick Jagger e Keith Richards pelos terrenos psicadélicos.

Se a ideia foi a de competir com “Sgt. Pepper’s”, não se pode dizer que as coisas tenham corrido da melhor forma. Na comparação, o álbum dos Rolling Stones é bastante menos inspirado e, sob o ponto de vista da inovação, é um esforço tristonho. Não admira que, depois deste projeto e da desilusão de muitos admiradores, os Stones tenham arrepiado caminho para regressarem ao rock e criarem alguns dos riffs de guitarra mais eficazes de sempre, como aqueles que se escutam em “Jumpin’ Jack Flash” ou em “Honky Tonk Women”.

O tempo pode fazer maravilhas por obras mal recebidas na época em que foram editadas. Their Satanic Majesties Request é um destes casos. Meio século depois, há mais neste disco do que “She’s a Rainbow”, um dos temas mais encantadores da dupla Jagger-Richards. “In Another Land”, a única canção assinada por Bill Wyman em toda a obra dos Rolling Stones, “Citadel”, “2000 Man” e “2000 Light Years From Home”, por exemplo, fornecem argumentos suficientes para se dar uma merecida segunda oportunidade a este álbum especial e único na discografia da banda.

“Buffalo Springfield Again”

Buffalo Springfield

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Para terminar, aqui fica algo diferente. E, para variar, aqui fica um disco histórico, mas que nasceu alheado das tendências da época, a começar pelos brilhos e luzes do psicadelismo. Os Buffalo Springfield tiveram vida curta. Foram escassos dois anos em que conviveram dois nomes que, depois desta aventura, iriam dar corpo a um projecto folk rock que tem o nome inscrito entre os maiores do género: Crosby, Stills, Nash & Young.

O primeiro álbum da banda, homónimo, impressionou os adeptos do folk rock que tinha nos Byrds a referência mais notória e respeitada. Mas os Buffalo Springfield iriam dar luta. Sobretudo através da segunda peça da sua discografia, intitulada, de forma pouco imaginativa, Buffalo Springfield Again.

O disco é menos coeso do que o trabalho de estreia, fruto de permanentes desavenças entre dois membros da banda, Bruce Palmer e Neil Young, que ora se dedicavam ao trabalho, ora desapareciam do estúdio. A instabilidade iria ditar a morte do grupo, mas entre as canções de Again estão algumas das mais interessantes na obra de Young e de Stephen Stills: “Mr. Soul”, “Expecting to Fly”, “Bluebird”, “Rock & Roll Woman” e “Broken Arrow”.