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2052. E se Ronaldo escrevesse uma carta ao neto, o que lhe contava?

Aos 67 anos, Cristiano Ronaldo escreve uma carta ao neto de 16 para lhe contar as suas aventuras nos Campeonatos da Europa. Uma moedinha na máquina do tempo.

Metemos uma moedinha na máquina do tempo e imaginámos como seria uma carta do avô Cristiano Ronaldo para o neto, em 2052. O ex-capitão da seleção nacional tem 67 anos, Francisco tem 16. Boa viagem…

Querido Kiko,

Prometi que te escrevia quando fizesses 16 anos, a idade com que me estreei na Primeira Divisão. Sempre disse ao teu pai que o faria, e aqui está. Apesar da minha coluna no El País, sempre joguei melhor do que escrevo, já sabes. Quando chega esta altura do Campeonato da Europa perguntas sempre tudo e mais alguma coisa: quem marcou, quem era quem, como joguei, como celebrei. Vou contar-te uma coisa ou duas sobre o que vivi enquanto jogador da seleção nacional. Ora com o 17, ora com o 7. É uma história bonita, mas dolorosa. É como a vida. Sobes e desces, tens de ganhar uma carapaça como a do avô para saberes levar a coisa. Faças o que fizeres na tua vida, tens de pedalar, tens de querer mais do que os outros, correr mais um centímetro, chegar mais alto e ser mais rápido. Se chegares aos 30 com os abdominais que tenho agora, já não estás mal ;) Bom, agora que já fiz o papel de avô chato, vamos a isto…

Tudo começou em agosto de 2003, quando o Scolari me convocou para o jogo com o Cazaquistão. Estreei-me pela seleção com 18 anos, em Chaves, na mesma semana que assinei pelo Manchester United. Foi uma semana de sonho. Desde cedo que dizia que queria ser o melhor, mas as coisas aconteceram muito rápido. Em 2004 Portugal organizou o Campeonato da Europa e pairava no ar a sensação de que podíamos fazer história. Tínhamos craques como Figo, Rui Costa, Deco, Maniche, Simão, enfim… Podíamos sonhar.

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Em 1984, na estreia em Europeus, chegámos às “meias”; depois, em 1996, caímos nos “quartos”, com um golo de um cabeludo que depois acabaria por vir para o Benfica. Eu tinha 11 anos, foi por essa altura que deixei a nossa família e fui para Lisboa sozinho, para jogar no Sporting. Foi duro. Mas foi isso que me criou a carapaça de que falo sempre. O Euro que tenho mais lembranças é o de 2000, em que voltámos às “meias”. Andávamos ali sempre a bater à porta.

Tudo começou em agosto de 2003, quando o Scolari me convocou para o jogo com o Cazaquistão. Estreei-me pela seleção com 18 anos, em Chaves, na mesma semana que assinei pelo Manchester United. 

Em 2004 calhámos num grupo perigoso, com Espanha, Rússia e Grécia. Ninguém dava nada pelos gregos, os russos são sempre mais rijos (tinham jogadores bons como Kerzhakov, Smertin, Izmailov, Loskov e Alenichev). E a Espanha é a Espanha. Na estreia do Europeu, em pleno Estádio do Dragão, com quase 50 mil pessoas nas bancadas e uma Europa inteira a ver-nos, perdemos contra a Grécia. Acreditas!? O Scolari deixou-me no banco. O Figo e o Simão eram os titulares. Eu estava a salivar para jogar, mas tinha apenas 19 anos, tive de perceber. Mas estava doido no banco, Kiko. Doido.

Começámos a perder logo aos sete minutos (Karagounis). Ao intervalo, o selecionador meteu-me a mim e ao Deco (um génio, tens de ver no YouTube) e as coisas melhoraram um pouco. Mas foi a Grécia que voltou a marcar, de penálti (Basinas). Foi um pesadelo. O teu avô ainda marcou, aos 93′. Achas que ia jogar e não metia uma batata? Tens graça, miúdo. O melhor marcador da história do Real Madrid ia ficar em branco…

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Aquela derrota foi importante, Kiko. Às vezes precisas de cair e meter os pés no chão outra vez. A seguir vinham os russos, e não podíamos falhar. Claro que na tua cabeça, e na de toda a gente, eu ia ser titular, não é? Mas não, o Felipão era tramado, meteu primeiro os jogadores do FC Porto, que tinham ganhado a Liga dos Campeões com o Mourinho (uiii, um dia falo-te neste senhor). Ganhámos 2-0, sem muita história. Entrei aos 78 minutos e adivinha: fiz uma assistência. De trivela, para o Rui Costa. Fácil.

Claro que na tua cabeça, e na de toda a gente, eu ia ser titular, não é? Mas não, o Felipão era tramado, meteu primeiro os jogadores do FC Porto, que haviam ganho a Liga dos Campeões com o Mourinho (uiii, um dia falo-te neste senhor)

Com a Espanha ia ser a doer, tínhamos de vencer. Aí o selecionador meteu-me, as pessoas pediam aquela velocidade e magia pela linha. Era bonito quando eu pegava na bola e começava o burburinho. É que eu era imprevisível, até tinha pena dos laterais. O Raúl Bravo, o defesa esquerdo espanhol, sofreu um bocadinho nesse jogo. O herói dessa partida foi o Nuno Gomes, um belo avançado que nós tínhamos. Recebeu, rodou e pimbas, fora da área. O Casillas bem se esticou e nada. Fui substituído, mas achei (e bem) que o lugar no onze já não fugia.

Veio a Inglaterra e foi de loucos. Foi preciso ir a penáltis, depois de empatarmos 2-2. O Postiga e o Rui Costa marcaram os nossos, enquanto o Michael Owen e o Lampard nos deram dores de cabeça. Este jogo tem uma história gira. Nos penáltis, o Ricardo tirou as luvas e defendeu o penálti do Vassel, e a seguir pegou na bola e marcou ele. Épico!

Na meia-final à Holanda meti um de cabeça. Claaaaro. O Maniche fez um golaço na segunda parte e vencemos por 2-1. Ninguém nos podia parar, jogávamos muito. Depois, veio a surpresa. Estava um país inteiro a contar jogar a final contra a República Checa, que estava a fazer um Euro espetacular, com um futebol de alto gabarito e ofensivo, mas não foi assim. Cortesia dos gregos, que voltaram a surpreender. Tínhamos a chance de corrigir aquele primeiro jogo.

Quanto à final, já sabes. Foi triste. E sim, podes continuar a gozar com aquele choro todo do teu avô, parecia um menino. Já imaginaste o que é perder a final do teu primeiro Campeonato da Europa à frente das pessoas que gostam de ti? À frente da tua gente? Quando eu olhava para a bancada via muita gente a chorar. Não me arrependo nem de uma lágrima que me lavou a cara…

2008. Bla bla bla e no fim ganha a Alemanha

Em 2008 a cantiga já era outra. Eu já não era o miúdo de 19 anos. Já usava o 7 do Figo e já fazia miséria em Old Trafford, o estádio incrível do Manchester United. Este Europeu não traz grandes recordações, sabes. Só marquei um golo. Ah! Eu tinha 23 anos e usei a braçadeira de capitão num Europeu — a estreia com a braçadeira, sendo titular, foi um ano antes, contra o Brasil. Foi especial quando o Nuno Gomes a colocou no meu braço. Era como se fosses o general de um exército de dez milhões de soldados.

Na estreia desse Euro varremos a Turquia por 2-0, tal como a geração de ouro fizera em 2000, com bis de Nuno Gomes. Curioso: era ele o nosso capitão oito anos depois. Os golos foram do Pepe, que jogou comigo muitos anos no Madrid, e do Raul Meireles, o nosso espartano do Porto. Eu chutei uma ao poste, de livre direto, daqueles como eu te ensino hoje. Mas o sacana do Volkan Demirel desviou para o ferro. O nosso treinador ainda era o Felipão, que tinha um adjunto com um bigode maravilhoso. Eles fartavam-se de rezar, era giro.

BASEL, SWITZERLAND - JUNE 19: Cristiano Ronaldo of Portugal is shut down by Miroslav Klose of Germany during the UEFA EURO 2008 Quarter Final match between Portugal and Germany at St. Jakob-Park on June 19, 2008 in Basel, Switzerland. (Photo by Shaun Botterill/Getty Images)

(Photo by Shaun Botterill/Getty Images)

Contra a República Checa, com Cech, Ujfaluši, Jankulovski e Milan Baros, a coisa foi mais difícil. Até começámos a ganhar, com golo do Deco, às três tabelas. A bola até sobrou para ele depois de o Cech me tirar o pão da boca, eu já estava a pensar como ia festejar. Enfim, não foi ali, foi depois. E desta vez foi o Deco que me passou, da direita. Entrei de rompante e bati para o lado direito do Cech. Estava difícil aquilo. O Quaresma, aquele com quem brilhei em 2016, marcou o terceiro aos 91′. Eu estava isolado, mas passei para o lado. Era mais seguro, para não arriscarmos nada, mas também era importante para a moral dele. Estava feito: apurados para a fase seguinte.

No terceiro jogo do grupo alguns de nós descansaram. Eu nem cheirei contra a Suíça, que jogava em casa. Foi incrível ver o número de emigrantes a puxar por nós. Mas falhámos: derrota por 2-0, com bis de Yakin.

A seguir, a sorte portuguesa bateu à porta. Como ganhámos o grupo, jogaríamos com o segundo classificado do Grupo B. Claro que poderia ter sido a Polónia ou a Áustria, mas tinha de pingar a Alemanha. É galo, certo? Eles tinham meninos como Ballack, Podolski, Lahm, Schweinsteiger e Klose. Ia ser duro, mas estávamos com moral. Aos 26′ já estava 2-0 para eles. Eu até estive mexido, criei várias oportunidades pela esquerda. Foi depois de um remate meu que o Nuno Gomes faz o 1-2, na recarga, ainda antes do intervalo. Estávamos vivos. Mas o Ballack fez o 3-1, a meia hora do fim, deixando pouca abertura para ilusões. Bom, o Postiga ainda reduziu a três minutos dos 90′, mas já se sabe: bla bla bla e no fim ganha a Alemanha. Pelo meio ainda fiz a cabeça em água ao Friedrich e ele pisou-me quando estava no chão, mas ninguém viu…

2012. Morremos na praia

Conheces os Guns N’ Roses? Não deves conhecer. Eram uma banda que teria a mesma idade do avô, 67 anos, mas que já não toca. Estão velhinhos. Juntaram-se em 1985 e eram incríveis. O vocalista, Axl Rose, ainda se meteu a tocar com os AC/DC, em 2016, deixando os puristas meio loucos. Estreou-se com eles em Portugal, vê lá!, sentado numa cadeira de rodas. Mas eu não pude ir ver. Bom, voltando. Não sabes quem são, mas eles têm uma grande música que se chama “Knockin’ On Heaven’s Door”. Era assim que os portugueses se sentiam no início do século XXI. Andávamos sempre a bater à porta da glória. Da eternidade. E nada. Em 2012 voltámos às meias-finais de um Campeonato da Europa e morremos na praia.

Era assim que os portugueses se sentiam no início do século XXI. Andávamos sempre a bater à porta da glória. Da eternidade. E nada. Em 2012 voltámos às meias-finais de um Campeonato da Europa e morremos na praia.

O grupo era um osso duro de roer. Para muitos, perdemos logo naquele sorteio. O destino estava traçado, mas os portugueses, às vezes, parece que não nos conhecem. As coisas só acabam no fim. Alemanha, Holanda e Dinamarca. Complicado, hein? Kiko, foi uma maravilha. Na verdade, começou muito mal, mas o teu avô foi o herói da fase de grupos. Que surpresa, diz lá..

No dia 9 de junho, em Lviv, perdemos com a Alemanha de Joachim Löw. Muitos destes jeitosos seriam depois campeões do mundo em 2014, no Brasil. Não estivemos mal. Dei cabo dos rins ao Boateng, muitas vezes, mas ele também fez vários cortes de qualidade. O Neuer também defendeu umas quantas. Bla bla bla e no final ganha a Alemanha, certo? Foi assim mesmo: Mario Gomez marcou aos 72 minutos.

DONETSK, UKRAINE - JUNE 27: Cristiano Ronaldo of Portugal prepares to take a free kick during the UEFA EURO 2012 semi final match between Portugal and Spain at Donbass Arena on June 27, 2012 in Donetsk, Ukraine. (Photo by Laurence Griffiths/Getty Images)

(Photo by Laurence Griffiths/Getty Images)

Apesar da derrota, o mister Paulo Bento confiou na equipa e deixou os mesmos onze jogadores contra a Dinamarca. Estive naqueles dias esquisitos, em que não acertas com a baliza. Era uma coisa pouco habitual, como sabes. Já foste ao mini-museu lá em casa, certo? ;) Mas estive mal contra a Dinamarca, mexia no jogo, mas não dava com a tecla. Até levei um amarelo depois da hora, por uma falta feia. Enfim, felizmente Pepe, Postiga e Varela fizeram o que eu não consegui e vencemos por 3-2. O Varela entrou aos 84′ e marcou aos 89′. Essa é que é essa. A carta dele aos netos deve começar por aí…

Bastava vencer a Holanda para passarmos o grupo. “Bastava”. A seleção holandesa tem muita história e tinha acabado de chegar à final de um Mundial. A Laranja Mecânica aconteceu há quase 100 anos, mas na altura ainda prevaleciam alguns dos ensinamentos de Rinus Michels e Cruijff. Okay, impensável o que aconteceu em 2016, quando nem sequer foram qualificados para o Europeu em França. Adiante. Resumindo: marquei dois! Querias o quê!? Era preciso, eu estava lá. Até começámos a perder, mas aos 28′ o João Pereira isolou-me e empatei. Fiz aquela cara de convencido que adoras. E imitas. “É para ti, filho!”, gritei para a câmara, para dedicar o golo ao teu pai.

Resumindo: marquei dois! Querias o quê!? Era preciso, eu estava lá. Até começámos a perder, mas aos 28' o João Pereira isolou-me e empatei. Fiz aquela cara de convencido que adoras. E imitas. "É para ti, filho!", gritei para a câmara, para dedicar o golo ao teu pai.

Aos 74′, viu-se magia, garoto. A Holanda teve um canto e nós recuperámos, desatámos a correr em direção à outra baliza. Toquei para o Moutinho, ele lançou Nani na direita, que fez um passe incrível para o segundo poste. Recebi para dentro e sentei o Gregory van der Wiel, que já estava farto das minhas correrias pela esquerda, e escolhi o lado. O comentador inglês, vi depois, até disse “ele nunca fica em pânico, pois não?”. Caaaaaalma, eu estava lá. E ainda mandei uma bomboca ao poste, com a canhota. Era para o hat-trick. Só fiz três com a camisola da seleção, já te conto. Bom, venham os “quartos”.

Tal como em 1996, era a República Checa. Já não havia Poborsky, felizmente. Fizemos 20 remates contra dois, estava na cara que tínhamos de vencer. E mandámos duas bolas beijar o ferro. Sabes quem, certo? Pois. Uma foi depois de deixar o Kadlec a apanhar papéis, a outra foi de livre direto. Estava a desesperar já, só pedia que entrasse uma. Pelo meio, estive perto de marcar um de pontapé de bicicleta, que andei anos a tentar. Era um sonho, é um golo digno de lenda.

A quase dez minutos do fim, o Moutinho foi à linha e senti que a bola ia cair no coração da área. Liguei os motores, meti uma abaixo e acelerei, antecipando-me a Selassie. Meti de cabeça, que belo golo. Sim, eu gritei “eu sou f$%#”. Porque era, okay? Voltei a dedicar ao teu pai e olhei para o céu, lembrando quem não pode ser esquecido.

WARSAW, POLAND - JUNE 21: Cristiano Ronaldo of Portugal celebrates scoring the opening goal into a TV camera during the UEFA EURO 2012 quarter final match between Czech Republic and Portugal at The National Stadium on June 21, 2012 in Warsaw, Poland. (Photo by Michael Steele/Getty Images)

(Photo by Michael Steele/Getty Images)

A semi-final foi contra a Espanha. Eram os campeões do mundo e estavam embalados (ou embalavam?) pelo futebol do Barcelona de Pep Guardiola. Essa gente roubou-me muitos títulos quando eu estava no Madrid. Tornei-me numa lenda do clube, ao nível de Raul e Di Stefano, mas não ganhei como eles e isso é culpa dos catalães. Por isso, seriam umas “meias” complicadas.

Entrei lado a lado com o Iker, o histórico guarda-redes da seleção espanhola e Real Madrid. Eles tinham uma das melhores equipas de sempre, com Xavi, Busquets, Iniesta, Xabi Alonso e David Silva. Quem é que lhes tirava bola? Coisa feia. Mesmo assim, só tiveram 57% de posse de bola. Em oportunidades ficou 5-2 para eles. Foi um jogo muito faltoso, quentinho: 31 faltas para Portugal, 21 para a Espanha. Cinquenta e duas é dose, hein?

Tivemos de ir a penáltis e aí, digo-te a ti, arrependo-me de algo. Eu queria bater, claro, sabes que sempre assumi as minhas responsabilidades. Decidimos que eu bateria o último, mas o Bruno Alves e o João Moutinho falharam antes e eu nunca cheguei a bater. Foi uma grande desilusão, sentíamos que estava ali a redenção, a recompensa pelo Euro-2004. Mas não, voltámos a cair.

Agora tu perguntas: “Ó avô, mas voltaste a fazer o mesmo na final da Liga dos Campeões em 2016. Porquê!?”. Eu fico surpreendido por saberes isso e respondo-te simplesmente assim: aquilo era o Real Madrid, e era uma final da Champions, por isso o divino estava do nosso lado. Estava sempre. Se chovesse, só chovia em cima dos colchoneros; se houvesse buracos no relvado, só eles tropeçavam neles. É uma coisa difícil de explicar. Um dia levo-te ao Santiago Bernabéu…

https://www.youtube.com/watch?v=ufgUqASGEa0

2016. Tornei-me no jogador com mais jogos em Europeus

Em 2016 disputei o meu último Campeonato da Europa. O teu pai fez seis anos nos primeiros dias da competição. Por esta altura o meu futebol já tinha mudado muito. Já não era a flecha de antigamente, já não era uma serpente com a bola nos pés a trocar os olhos aos rivais. Usava menos vezes o calcanhar; passava menos vezes o pé por cima da bola. Já jogava menos colado à linha, era mais avançado. A cabeça já andava mais levantada do que enfiada no chão.

Eu desfrutava muito quando cheguei ao Manchester United, sabia que encantava e deliciava os adeptos. Qualquer finta minha parecia um golo, mas isso não iria fazer de mim uma lenda. Num clube como o Manchester talvez, mas para o futebol não… Quando cheguei ao Real Madrid decidi pensar mais como o Excel, com números e equações. O golo virou uma obsessão. Fui o primeiro a marcar mais de 50 golos em cinco anos seguidos.

É verdade que a primeira Bola de Ouro chegou em Manchester, em 2008, quando vencemos a Liga dos Campeões e marquei 42 golos na Premier League. Mas o Real Madrid é que me ensinou a que cheirava a eternidade. Olhei para cima, sempre. Para o céu. Se estava no maior clube do mundo, teria de ser o maior no maior. E fui. Ganhei mais Ligas dos Campeões do que campeonatos (divino, lembras-te?), e tornei-me no melhor marcador da história dos merengues. Ahhh, que belas memórias.

LEIRIA, PORTUGAL - MARCH 29: Portuguese's forward Cristiano Ronaldo celebrates scoring Portugal's second goal during the match between Portugal and BelgiumFriendly International at Estadio Municipal de Leiria on March 29, 2016 in Lisbon, Portugal. (Photo by Carlos Rodrigues/Getty Images)

(Photo by Carlos Rodrigues/Getty Images)

Os recordes chegavam como quem espera por um autocarro. É inevitável, eles vão aparecendo. Mas também os perdes. Em 2016, por exemplo, há uma história gira. Sabes o novo treinador do Vitória de Guimarães, o Renato Sanches? Tornou-se no jogador português mais jovem a disputar um Europeu. Ele tinha 18 anos, por isso destronou o meu recorde que durou 12 anos. Eu tinha 19 em 2004.

No Euro-2016 os recordes continuaram a aparecer. Tornei-me no jogador com mais jogos em Europeus, passando Lilian Thuram (16), Edwin van der Sar (16) e Luís Figo (14). Mais: tornei-me apenas no sétimo jogador da história do futebol a disputar quatro Campeonatos da Europa. Antes de mim, só Lottar Matthaus (1980, 1984, 1988, 2000), Aron Winter (1988, 1992, 1996, 2000), Edwin Van Der Sar (1996, 2000, 2004, 2008), Peter Schmeichel (1988, 1992, 1996, 2000), Lillian Thuram (1996, 2000, 2004, 2008) e Alessandro Del Piero (1996, 2000, 2004, 2008). Mais uma: nunca ninguém tinha marcado em quatro Europeus seguidos, como eu fiz entre 2004 e 2016. Na estreia no último, por exemplo, ainda alcancei o Figo em número de internacionalizações (127).

Ah! E parti para esse Europeu com seis golos em edições anteriores, apenas a três do recordista Michel Platini, que fez nove em 1984 (monstro!). Depois do francês e antes de mim só havia três homens: Alan Shearer (7), Ruud van Nistelrooy (6) e Zlatan Ibrahimovic (6). Consegues imaginar o que se passou, certo?

Ah! E parti para esse Europeu com seis golos em edições anteriores, apenas a três do recordista Michel Platini, que fez nove em 1984 (monstro!). Depois do francês e antes de mim só havia três homens: Alan Shearer (7), Ruud van Nistelrooy (6) e Zlatan Ibrahimovic (6). Consegues imaginar o que se passou, certo?

Não te vou contar já tudo. Vou deixar o que se passou nesse Europeu em França para o próximo almoço de família — domingo, às 13 horas, não te esqueças –, mas posso falar-te sobre o melhor jogo que fiz pela seleção, para não dizeres que não te conto nada de novo. Foi no dia 19 de novembro de 2013, em Solna, na Suécia. Jogava-se a ida à Copa no Brasil e do outro lado estava um dos maiores craques que o futebol viu: Zlatan Ibrahimovic. Começámos a ganhar, mas depois ele virou, sozinho. Lutámos muito, todos. Eu dei tudo, Kiko. Corri, lutei, suei, sangrei. Dei tudo. Fiz três golos e deixei o nosso país emocionado, agarrado à televisão, com o coração apertado. Consegues imaginar?

Agora que sou velho e tu já compreendes, posso dizer-te mais coisas. Lembras-te da rivalidade com o Messi? Eu adorava. O teu pai era maluco por ele, acho que era o jogador preferido dele. Aquele argentino jogava muito. Às vezes fui criticado e censurado por acreditar tanto em mim, mas mais ainda por dizê-lo. Sempre se falou do meu ego, mas eu digo-te carapaça e ambição. Sempre se falou no meu egoísmo, mas eu estava focado. Os tempos são outros, mas antigamente, em Portugal, ficava mal querermos ser os melhores. Não caía bem querermos ser os maiores. Eu queria e dizia. E era.

O mais importante para mim, apesar da vida de luxo que todos temos hoje em dia, era dar um bom exemplo aos miúdos como tu. Sempre respeitei muito o futebol, ele respeitou-me a mim: eu dei-lhe tudo, ele deu-me tudo. Uma coisa é certa: só chegas lá quando queres ser melhor todos os dias. Mas isso é a lengalenga do costume, que te conto quando te vejo a facilitar nos treinos. Bem sei que agora é só mensagens com hologramas e tal, mas vê lá se me escreves uma carta como esta.

Um abraço apertado,
avô Cris

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