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Maria Gralheiro

Maria Gralheiro

A América prometida de Obama em 2009 e a que deixa em 2017

Quando tomou posse, Barack Obama falou de um país que ia voltar a liderar o mundo, atar laços com o Médio Oriente e com a Rússia, recuperar a economia e a auto-estima. Que América deixa agora em 2017?

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Céu azul, algumas nuvens e muita “esperança”. Assim estava Washington D.C. a 21 de janeiro de 2009, o dia em que Barack Obama se apresentou ao povo norte-americano e ao resto do mundo para tomar posse como o 44º Presidente dos EUA. A “esperança”, ao lado do “sim, nós podemos”, era uma das palavras-chave da campanha de Barack Obama, que esta terça-feira às 20h00 locais (2h00 de Lisboa, já de quarta-feira) fará o seu último discurso enquanto Presidente, em Chicago.

Foi, portanto, esse o tom que escolheu para o discurso daquele dia. Ao longo de 20 minutos, Barack Obama falou de um país que procurava recuperar a economia que se afundava, a auto-estima que lhe escapava e um papel de liderança perante uma comunidade internacional reticente perante os EUA. Falou também do facto histórico que ali se consumava: 233 anos depois da sua fundação, com um passado marcado pela escravatura e pela segregação, os EUA iam então ter o seu primeiro Presidente negro.

OS EUA em que Barack Obama pegou em 2009 não eram fáceis — mas o país que deixa nas mãos de Donald Trump, tal como o resto do mundo, é agora mais complexo, fragmentado e imprevisível. Mas também o deixa com uma economia mais forte e com um sistema de saúde que resgatou muitos da margens.

Veja, área por área, quais foram as promessas de Barack Obama naquela manhã de janeiro de 2009 e o que ele fez nos últimos oito anos.

ECONOMIA. A maior medalha de Barack Obama, apesar do seu reverso

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"Para onde quer que a gente olhe, há trabalho para fazer. O estado da nossa economia requer uma tomada de ação, forte e rápida. E nós vamos agir, vamos criar novos empregos e criar as bases para o crescimento."
Barack Obama, 2009

A economia é a grande vitória de Barack Obama nos seus oito anos no poder — mas foi um dos temas que mais contribuíram para a derrota de Hillary Clinton e que abriram as portas da Casa Branca a Donald Trump.

Quando Barack Obama discursava, minutos depois de jurar a Constituição dos EUA, a economia do país atravessava o seu maior e mais difícil teste desde o crash de 1929. Depois do crash de 2008, que voltou a estilhaçar a economia norte-americana, Barack Obama pegava num país com 7,8% de desemprego, depois de ter subido sem parar desde os 4,6% de agosto de 2007. Em outubro de 2009 o desemprego viria a atingir um recorde de 10%. Por trás de tudo isto estava uma recessão que só perdeu por comparação com a de 1929, com a economia dos EUA a encolher 5,1% entre fevereiro de 2008 e fevereiro de 2010.

Com a chegada do último relatório relativo a 2016, as contas de Barack Obama em matéria de empregos ficam fechadas com chave de ouro: após 75 meses em que o emprego cresceu inequivocamente, com um total de 11,3 milhões de empregos criados, a taxa de desemprego fica a 4,7%. Ou seja, apenas 0,1% acima dos valores pré-crash.

Os números são bons — mas esta moeda também tem outro lado. A taxa de desemprego de 4,7% não reflete aqueles que, estando desempregados, não procuram ativamente um novo trabalho. A estes diz respeito a taxa de participação laboral e o que os números oficiais demonstram é que ela está em queda. Voltando ao mês de agosto de 2007, podemos ver que a percentagem daqueles que estavam a trabalhar ou à procura de trabalho era de 65,8%. Desde então, esta tem vindo a diminuir progressivamente, batendo nos 62,7% em dezembro de 2016. Em setembro de 2015, este número chegou aos 62,4% — o mais baixo desde julho de 1977.

Por trás destes números há três factores. O primeiro, diz respeito ao envelhecimento da geração baby-boomer, que começa a reformar-se. Depois, há o facto de mais americanos prosseguirem os estudos depois do liceu e, assim, entrarem no mundo laboral mais tarde do que tem sido habitual. Finalmente, há aqueles que simplesmente não conseguem encontrar emprego e que desistem de procurá-lo.

Além disso, aqueles que trabalham tardaram a recuperar os rendimentos que tinham antes do crash. Em 2007, o rendimento mediano dos agregados familiares era de 57 423 dólares anuais. Em 2009, o ano da primeira tomada de posse de Barack Obama, a fasquia estava nos 54 988 dólares reais (ou seja, ponderando a inflação) ao ano. E apesar de, naquela altura, estar a ser criado emprego, a verdade é que o rendimento ia descendo, até chegar aos 52 666 dólares reais anuais em 2012. Só a partir daí é que esse valor voltou a subir, chegando em 2016 aos 56 516 dólares reais por ano. Aqui, a nota que cabe à performance de Barack Obama vai depender para que lado da moeda é que cada um quer olhar. Isto porque, de um lado, o rendimento subiu face ao que era no início do seu primeiro mandato, apesar de ter tardado a lá chegar; mas, do outro, também não chegou a ultrapassar o valor de 57 423 dólares reais anuais do pré-crash.

O legado de Barack Obama no que diz respeito à economia é, pois, paradoxal. Ainda assim, é inegável que o desemprego tenha caído e a economia tenha crescido, sobretudo quando comparado com o cenário geral da Europa, onde o crash de 2008 também foi sentido.

AUTO-ESTIMA. Americanos são agora menos patriotas e seguros

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"Continuamos a ser a nação mais próspera e mais poderosa do mundo. Os nossos trabalhadores não são menos produtivos do que eram antes de esta crise ter começado. As nossas cabeças não são menos criativas, os nossos bens e os nossos serviços não são menos necessários do que eram na última semana, ou no último mês, ou no último ano. A nossa capacidade continua intacta. Mas a altura de resistir à mudança, de proteger interesses duvidosos ou de adiar decisões difíceis já passou. A partir de hoje, temos de nos levantar, temos de nos sacudir e vamos recomeçar o trabalho de reconstruir a América."
Barack Obama, 2009

Mais do que em qualquer outra parte do discurso da sua tomada de posse, Barack Obama procurava aqui levantar a moral de um país que, embora gigante, se sentia a minguar. Muito disto passava então pela auto-estima dos norte-americanos e o seu patriotismo, que descrescia de forma acentuada e inegável desde o pico que se seguiu aos atentados de 11 de setembro de 2001 — em junho de 2002, segundo a Gallup, 65% dos americanos diziam ser “extremamente orgulhosos” do seu país — e que culminou com a declaração de guerra de George W. Bush (sempre com o britânico Tony Blair pelo lado) ao Iraque, em março de 2003. Três meses mais tarde, em junho, esse número subiu para 70% — um recorde neste estudo realizado desde janeiro de 2001.

Com o passar do tempo, tudo isto se foi esboroando. Se o primeiro mandato de George W. Bush foi um mandato de afirmação, o segundo foi de recolha e também de algum arrependimento. Por isso, em janeiro de 2009, quando este estava a dias de ceder a Casa Branca a Barack Obama, o número de norte-americanos “extremamente orgulhosos” do seu país fixava-se nos 58%. Ou seja, uma maioria, é certo, mas em queda.

Factualmente negativa era a confiança económica dos norte-americanos. Com a economia dos EUA (e por consequência a de quase todo o mundo, com destaque para a Europa) ainda atordoada com o crash de 2008, os índices de confiança dos norte-americanos chegaram a estar nos -65 em setembro daquele ano.

Ao fim de oito anos na Casa Branca, como é que Barack Obama deixa estes indicadores? Recorde-se o que ele disse: “A partir de hoje, temos de nos levantar, temos de nos sacudir e vamos recomeçar o trabalho de resconstruir a América”. Chegou lá?

No que às perceções diz respeito, a resposta é-lhe pouco favorável — embora com uma ressalva necessária.

Quanto ao nível de patriotismo dos norte-americanos, este atingiu um novo recorde negativo. Em junho de 2016, segundo a Gallup, eram “apenas” 52% aqueles que diziam que eram “extremamente orgulhosos” de serem cidadãos dos EUA. Embora continue a ser uma maioria e a variação seja de apenas seis pontos percentuais negativos entre o princípio e o fim de Barack Obama, é inegável que este indicador nunca esteve tão baixo.

Na confiança económica, os números deram voltas muito maiores. Agora que entrega as chaves da Casa Branca a Donald Trump, Barack Obama deixa-lhe um país com os níveis de confiança económica mais altos desde o crash de 2008, fixados nos 11 pontos positivos em dezembro de 2016. Uma subida triunfal dos -65 de setembro de 2008, certo?

Sim, mas nem tanto. Além do atual momento, a confiança económica dos cidadãos dos EUA só atingiu valores positivos com Barack Obama no poder no primeiro semestre de 2015. Apesar de algumas quedas para o lado negativo da linha, também nesse período, a tendência registada nos inquéritos da Gallup demonstrava então uma tendência positiva. O registo mais alto foi a 24 de janeiro de 2015, com 7 pontos positivos. De resto, os números deste indicador foram sempre negativos durante o tempo de Barack Obama, apesar da notória subida (ainda que acidentada e com quedas pelo caminho) em relação a setembro de 2008.

E os atuais 11 pontos positivos, de onde surgem? Simples: da eleição de Donald Trump. A 8 de novembro de 2016, dia de eleições presidenciais, o indicador estava a -8. Logo após a vitória do candidato republicano, a tendência foi de subida, culminando nos 11 do último mês do ano passado. Como é que isto acontece tudo tão depressa? Basta olhar para as respostas consoante a preferência partidária dos inquiridos. Em outubro do ano passado, os democratas registavam 27 pontos positivos no índice de confiança económica, ao passo que os independentes estavam com -15 e os republicanos com -46. Em dezembro, já com Donald Trump como Presidente eleito, os independentes subiram para os 3 pontos positivos es republicanos saíram dos fundos e subiram aos 16.

Boas notícias para Donald Trump? Talvez. Mas falamos apenas de perceções e não podemos esquecer a sua volatilidade.

O GOVERNO E OS GOVERNADOS. Como o país deixou de confiar em Washington

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"A pergunta que temos de fazer hoje não é se o Governo é demasiado grande ou demasiado pequeno, mas se ele funciona ou não, se ajuda as famílias a encontrarem empregos com salários decentes, cuidados que eles possam pagar, uma reforma digna. Quando a resposta for positiva, contamos ir em frente. Quando a resposta for negativa, há programas que vão acabar. E a todos aqueles que, entre nós, gerem dinheiros públicos, vai ser exigido que gastem de forma ponderada, que mudem maus hábitos e façam o seu trabalho em plena luz do dia. Porque só assim é que podemos recuperar a confiança entre um povo e o seu Governo."
Barack Obama, 2009

São certamente poucos os países onde a ideia de um Estado de reduzidas dimensões é tão bem vista como nos EUA. Numa sondagem de dezembro 2015 da Gallup, 82% dos norte-americanos responderam o que consideravam ser a maior “ameaça” ao país: um “Governo grande”, as “grandes empresas” ou os “grande sindicatos”. 69% responderam que era a ideia de um Governo grande que mais os assustava, à frente das “grandes empresas” (25%) e dos sindicatos (6%).

Em suma, quanto menor for o Governo, mais os norte-americanos confiam nele. E, a julgar pelos números de confiança no Governo durante os anos de Barack Obama, os cidadãos dos EUA devem achar que ele é enorme. Isto porque, segundo uma sondagem do Pew Research Center de novembro de 2015, apenas 19% dos americanos confiam “sempre” ou “quase sempre” no Governo. Só em junho de 1994 — com o democrata Bill Clinton ao leme e a cinco meses das eleições intercalares que entregaram o congresso aos republicanos, sob a batuta de Newt Gingrich — o número foi tão baixo neste indicador que existe desde 1958.

Outro indicador, também do Pew Research Center mas desta vez de fevereiro de 2016, diz que uma maioria de pessoas respondeu que o Governo “não faz o suficiente” pelos idosos (66%), pela classe média (62%), pelas crianças (59%) e pelos pobres (59%). Só em relação às “pessoas ricas” é que os números se invertem, com apenas 9% a dizerem que o Governo “não faz o suficiente” por eles e outros 61% a responderem que “faz demasiado”.

Quanto à gestão de dinheiros públicos, que Barack Obama dizia que tinha de ser feita “de forma ponderada” e que os “maus hábitos” tinham de ser mudados, o resultado que deixa para trás é negativo. No final de 2016, a dívida dos EUA fixava-se nos 19,5 bilhões (para escrevê-lo por extenso, seriam necessários 11 zeros), o que equivale a 105,6% do PIB — sendo que quando tomou posse esta se fixava nos 82,6% do PIB. Em termos comparativos, o momento em que ela esteve mais alta em relação ao PIB foi em 1946, depois da Segunda Guerra Mundial, com 119%.

MÉDIO ORIENTE. A longa sombra de Bush

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"Vamos começar a deixar de forma responsável o Iraque ao seu povo e chegar a uma paz merecida no Afeganistão. Com velhos aliados e antigos inimigos, vamos trabalhar incansavelmente para diminuir a ameaça nuclear."
Barack Obama, 2009

Um dos maiores legados que George W. Bush deixou aos EUA e a Barack Obama foram os conflitos no Afeganistão e no Iraque, que invadiu em 2001 e 2003, respetivamente. Dali, resultou uma instabilidade que dura até hoje e que coloca em causa a existência daqueles dois estados — tudo isto à medida que um terceiro, o auto-proclamado Estado Islâmico, continua a ocupar território no Iraque. Por cima disto tudo, está a guerra na Síria, na qual os EUA não intervêm de forma direta.

Numa primeira fase, Barack Obama falhou em larga escala o seu compromisso de retirar tropas do Afeganistão. Logo em fevereiro de 2009, um mês depois da tomada de posse, enviou 17 mil soldados para aquele país. Em outubro do mesmo ano, recebeu o Prémio Nobel da Paz, mas apenas dois meses mais tarde anunciou o envio de 30 mil soldados para o Afeganistão, que se juntaram aos 68 mil que já lá estavam. O objetivo, sublinhou, era retirá-los até julho de 2011. A partir dessa altura, os números de soldados começaram a descer drasticamente, mas até hoje ainda há 8 400 militares norte-americanos em solo afegão.

No caso do Iraque, a retirada de tropas norte-americanas foi consumada em 2011, conforme aquilo que estava acordado com o Governo iraquiano. Os críticos de Barack Obama apontam-lhe esta decisão como uma causa do nascimento do Estado Islâmico — Donald Trump chegou a dizê-lo, juntando Hillary Clinton ao rol de culpados, apesar de ter mais tarde dito que era um comentário “irónico”. Ainda assim, o vácuo militar deixado pelos norte-americanos, aliado à falta de experiência e meios das autoridades iraquianas, pode ter criado as condições perfeitas para o Estado Islâmico prosperar naquele país e tomar o controlo de cidades tão importantes como Mossul (que ainda continua nas mãos do grupo radical, apesar da ofensiva iraquiana), Tikrit (reconquistada em março de 2015) ou Fallujah (que voltou a estar sob comando oficial iraquiano desde junho de 2016). Muitas destas operações de reconquista contam com o apoio militar dos EUA, que ali mantém cerca de 5 mil militares desde 2014, numa operação de combate ao Estado Islâmico.

À luz de 2017, ouvir de novo as palavras de Barack Obama sobre a proliferação nuclear (“vamos trabalhar incansavelmente para diminuir a ameaça nuclear”), há um feito que sobressai: o acordo nuclear celebrado entre os países do P5+1 (EUA, Rússia, China, França, Reino Unido mais a Alemanha) e o Irão. O acordo estabeleceu o fim do uso da energia nuclear por parte do Irão para fins militares (sendo que Teerão passa a submeter-se a inspeções internacionais) e em troca seriam cortadas as sanções internacionais contra aquele país do Médio Oriente.

Agora que Donald Trump sobe ao poder, este acordo pode estar em risco, uma vez que o Presidente eleito tem dito várias vezes que quer “acabar” com aquele ele.

EUA NO MUNDO. Cada vez menos líder, cada vez mais distante

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"Digo a todos os povos e aos governos que nos estão a ver hoje, desde as maiores capitais até à pequena aldeia onde o meu pai nasceu, que saibam que a América é amiga de todas as nações, de todos os homens, mulheres e crianças que procuram um futuro de paz e dignidade. E nós estamos prontos para liderar de novo."
Barack Obama, 2009

Depois dos oito anos de George W. Bush e o prolongar de dois conflitos armados — com especial ênfase para a invasão do Iraque, que contou com a oposição de grande parte da comunidade internacional —, os EUA tinham a sua reputação internacional danificada. Coube a Barack Obama mudar isto, procurando uma aproximação a dois pólos mundiais: o mundo muçulmano e a Rússia.

Barack Obama quis dar o tom em relação ao mundo muçulmano no discurso que fez na Universidade do Cairo em junho de 2009. No discurso, que recebeu o título de “Um novo começo”, o Presidente dos EUA fez vários mea culpa da parte do seu país no Médio Oriente. A certa altura, chegou até a referir-se à Palestina, dizendo que “durante mais de 60 anos, eles têm lidado com a dor do deslocamento” e pediu a Israel que parasse a construção de colonatos.

Quanto a Israel e aos colonatos, Barack Obama fecha o seu tempo na Casa Branca com uma vitória. Depois de uma relação complicada com o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, os EUA de Barack Obama permitiram, em dezembro de 2016, a aprovação de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU onde é dito que os colonatos estabelecidos em 1967, incluindo a Jerusalém Oriental, “não têm validade legal e constituem uma violação flagrante da lei internacional”. Em Israel, Benjamin Netanyahu já só quer ver Barack Obama pelas costas, tendo dito que aguardava “com antecipação a oportunidade de trabalhar” com “a nova administração” norte-americana.

Seja como for, por trás desta acrimónia há um número que não pode ser ignorado e que sela, apesar de tudo, o compromisso dos EUA com Israel: em setembro de 2016, os EUA comprometeram-se com um programa de assistência militar àquele pequeno país do Médio Oriente, no valor de 38 mil milhões, que deverão ser aplicados nos próximos dez anos.

Porém, no que diz respeito ao Médio Oriente e ao mundo muçulmano, a situação foi drasticamente alterada. Aqui, será sempre preciso ter em conta a onda de revoluções que varreu o Norte de África entre 2011 e 2012, com resultados catastróficos nos casos da Líbia e da Síria. Além destes casos, onde a governabilidade é virtualmente impossível, a relação dos EUA com os Estados de maioria muçulmana não é hoje muito melhor do que era em 2009. A única diferença, que não é de somenos, está no acordo nuclear firmado com o Irão.

E, por fim, a Rússia. Além de “Um novo começo” com o mundo muçulmano, Barack Obama procurou fazer um reset com a Rússia. Foi precisamente essa a expressão escolhida por Washington D.C.. Apesar de, no início, Moscovo ter demonstrado abertura para esse recomeço — chegou a ser assinado um acordo para a redução de armas nucleares, em junho de 2010 —, a verdade é que as relações entre os dois países começaram a gelar progressivamente. O ponto de não-retorno foi atingido no final de 2011, quando milhares de pessoas saíram às ruas russas para protestar contra a candidatura presidencial de Vladimir Putin, que concorria a um terceiro mandato depois de ter sido primeiro-ministro durante os quatro anos anteriores. Nessa altura, o homem-forte do Kremlin acusou os EUA de estarem por trás daquele movimento. Seguiu-se uma onda de repressão e de abusos dos Direitos Humanos que mereceram a crítica de Washington D.C..

Pouco depois, a guerra na Síria intensificou-se, colocando a Rússia e os EUA em lados opostos no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O confronto entre as duas potências culminou com a Rússia a dar apoio logístico e militar ao regime de Bashar Al Assad, apesar das críticas dos EUA e de grande parte da comunidade internacional.

Em 2014, depois da revolução na Ucrânia, a Rússia anexou a Crimeia após a realização de um referendo e levantaram-se suspeitas de que Moscovo estaria por trás dos separatistas, no Este do país. Nesta fase, juntamente com a União Europeia, os EUA impuseram uma série de sanções contra Moscovo.

Por fim, o reset com a Rússia sofreu um novo golpe já no final do mandato de Barack Obama, perante as acusações por parte da comunidade das agências de segurança norte-americanas de que o Kremlin esteve por trás de uma série de ataques informáticos que tinham como objetivo a eleição de Donald Trump. Agora, nos EUA, e não só, muitos questionam até onde pode ir a mão de Vladimir Putin.

A diplomacia poderá ser, assim, um dos maiores fracassos de Barack Obama. Só em duas ocasiões teve sucesso. Primeiro, foi quando conseguiu fechar o acordo nuclear com o Irão. Depois, já no seu último ano, quando reatou as relações diplomáticas com Cuba — suspensas desde janeiro de 1961 — e visitou aquele país, falhando ainda assim no fim do embargo. À exceção destes dois casos de relativo sucesso — aos quais a oposição republicana se opôs de forma bem audível —, Barack Obama acabou por afastar-se de todos aqueles de quem se tentou aproximar nos últimos oito anos.

IGUALDADE RACIAL. Obama chegou ao topo, mas os negros continuam longe

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"Nós sabemos que a diversidade do nosso património é uma força e não uma fraqueza. Nós somos uma nação de cristãos e muçulmanos, judeus e hindus, e daqueles que não crêem. Nós somos moldados por todas as línguas e culturas, chegámos aqui a partir de todos os cantos deste mundo. E porque já provámos o trago amargo da guerra civil e da segregação, e saímos desse capítulo negro mais fortes e mais unidos, não podemos deixar de acreditar que os velhos ódios um dia morrerão; que as linhas tribais se vão dissolver em breve; que à medida que o mundo fica mais pequeno a nossa humanidade vai sobressair; e que a América terá de encarnar o seu papel para criar caminhos a uma nova era de paz."
Barack Obama, 2009

A 21 de janeiro de 2009, quando Barack Obama discursava perante centenas de milhares pessoas em Washington D.C. e grande parte dos EUA ouviam as suas palavras, era impossível ignorar que estava ali o primeiro Presidente afro-americano. Ele próprio fez menção a esse facto, quando se autodescreveu assim: “Um homem que há menos de 60 anos poderia não ser servido num restaurante e que agora pode estar aqui perante vós a fazer um juramento sagrado”.

Ainda assim, Barack Obama escolheu não referir apenas esse dado autobiográfico, fazendo referência às várias realidades religiosas e culturais que compõem os EUA. Na altura, disse que estas eram “uma força e não uma fraqueza”. Porém, os EUA que deixa para trás em 2017 são um país onde as divisões raciais e culturais estão cada vez mais acentuadas, ameaçando rebentar as costuras de um tecido social já de si frágil.

Quanto à questão racial, os oito anos de Barack Obama viram a confirmação de que os hispânicos e latinos representam a maior minoria étnica dos EUA, compondo um total de 17,6% da população, segundo o Census de 2015. Porém, foi por questões relacionadas com a população afro-americana (13,3% em 2015) que as maiores tensões surgiram.

Basta recordar os nomes que marcaram alguns dos títulos ao longo dos últimos oito anos de Barack Obama para ter presente que as tensões raciais são uma realidade forte nos EUA de 2017. Falamos de Trayvon Martin (17 anos, morto por um guarda vigilante, ilibado do crime homicídio), de Eric Garner (sufocado por oferecer resistência), de Mike Brown (cuja morte pela polícia causou uma onda de motins em Ferguson, no Missouri), Freddie Gray (morto enquanto estava detido numa esquadra) ou de Tamir Rice (morto com apenas 12 anos, depois de a polícia tomar a sua arma de plástico por verdadeira).

Entre os nomes acima referidos, foi o de Mike Brown que começou por ter maior ressonância. A seguir à sua morte em agosto de 2014, na localidade de Ferguson, Missouri, a cidade foi tomada por vários motins. Enquanto isso, o movimento Black Lives Matter, que já tinha surgido no verão anterior, começou a ganhar força e projeção nacional. Em julho de 2015, já quase um ano depois da morte de Mike Brown, 59% de inquiridos disseram ao Pew Research Center que o país não tinha feito as “mudanças necessárias para os negros terem os mesmos direitos do que os brancos” — consideravelmente acima dos 46% que responderam nesse sentido em 2014, antes dos incidentes de Ferguson. E apenas 32% disseram que negros e brancos estavam em pé de igualdade — uma queda abrupta dos 49% de 2014.

Ao contrário do que era esperado por alguns, os EUA que Barack Obama entrega nas mãos de Donald Trump são um país onde a etnia continua a ser uma verdadeira linha divisória. É assim no rendimento, com os agregados familiares brancos a registarem uma mediana de 60 256 dólares anuais, ao mesmo tempo que os hispânicos ficam nos 42 491 dólares e os negros apenas nos 35 398 dólares, segundo números de 2014. E foi também assim na maneira como votaram nas eleições presidenciais de 2016, já que por um lado 57% de brancos votaram em Donald Trump e, por outro, 89% de afro-americanos e 66% de latinos votaram em Hillary Clinton.

A nível religioso, há algo que continua a unir a maior parte dos norte-americanos — 89% deles acreditam em Deus, de acordo com um estudo da Gallup de junho de 2016. Mas é a partir daí que começam as divisões. A maior delas, e que cresce à luz de vários atentados levados a cabo por islamistas na Europa, e também casos isolados nos EUA, como os tiroteios em San Bernardino ou Orlando, tem a ver com a maneira como os americanos olham para os muçulmanos e para o Islão. Num estudo do Brookings Institute feito em junho de 2016, pouco depois do atentado de Orlando, embora uma maioria de 62% dissesse ainda ter uma visão “favorável” dos muçulmanos, também outra maioria, de 55%, tinha uma opinião “desfavorável” em relação ao Islão.

SAÚDE. Obamacare, a reforma bem intencionada mas mal amada

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"Os nossos cuidados de saúde são demasiado caros"; "[vamos] usar as capacidades que a tecnologia nos dá para aumentar a qualidade da saúde e baixar os seus custos".
Barack Obama, 2009

Uma das promessas de Barack Obama nas eleições de 2008 era a criação de um sistema de saúde público. Porém, apenas referiu o tema da saúde duas vezes no seu discurso de tomada de posse em 2009 (já agora, também só o fez por uma vez, e igualmente de raspão, na sua segunda tomada de posse, em 2013).

A promessa concretizou-se no Affordable Care Act, informalmente conhecido por Obamacare. Com esta legislação, altamente criticada por grande parte do Partido Republicano, as seguradoras deixaram de poder rejeitar doentes ou cancelar os contratos no caso de surgimento de nova doença; as entidades patronais passaram a ter maiores responsabilidades para dar seguros de saúde aos seus trabalhadores; os jovens passaram a estar automaticamente abrangidos pelo seguro dos pais até aos 26 anos. Por outro lado, houve um aumento de impostos e também um aumento do preço dos seguros de saúde privados; algumas empresas tiveram dificuldades em cumprir os novos requisitos, chegando a despedir ou a reduzir horários dos trabalhadores; o sistema tornou-se ainda mais burocratizado e ardiloso.

Graças ao Obamacare, a percentagem de norte-americanos sem qualquer tipo de saúde passou de 17,1% no último trimestre de 2013 para 10,9%, segundo números oficiais referentes ao terceiro trimestre de 2016. Em teoria, quem beneficiou mais desta mudança foram os mais pobres, com rendimentos abaixo dos 36 mil dólares anuais, que passaram de uma taxa de 30,7% sem seguro para 20,1% no mesmo período.

Este é um dado frequentemente referido pelos defensores desta medida, mas ele não se criou propriamente sozinho. No início de 2014, passou a ser obrigatório ter um seguro de saúde (público ou privado), sendo que todos aqueles que não cumprissem esse requisito seriam multados. Esta medida, que efetivamente contribuiu, em parte, para a descida do número de pessoas sem seguro de saúde, é um dos pontos que também recebe críticas por parte dos opositores do Obamacare.

No final de contas, pesando as vantagens e desvantagens deste complexo sistema de saúde, a maioria dos norte-americanos diz que não gosta dele. Foi isso que ficou apurado numa sondagem do Pew Research Center, de abril de 2016. Nessa altura, 54% eram contra o Obamacare e 44% eram contra a reforma da saúde.

Agora, Donald Trump prepara-se para alterar este sistema — embora, depois de ter vencido as eleições, tenha dito que algumas medidas são para manter, como a inclusão dos jovens até 26 anos no seguro dos pais.

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