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Atentado

A dinastia Kim poderia ter tido um reinado extremamente curto: em Fevereiro de 1946, os soviéticos tinham colocado Kim Il-sung à frente do Comité Popular Provisório da Coreia do Norte, um cargo que, apesar de ainda o subordinar ao general Terentii Shtykov, comandante das forças de ocupação soviéticas, fazia dele o n.º 1 da incipiente administração norte-coreana. Dias depois, a 1 de Março de 1946, quando Kim Il-sung assistia a uma cerimónia comemorativa do levantamento de 1919 contra a ocupação japonesa, uma granada lançada por um terrorista caiu no palanque oficial. Valeu a Kim e às individualidades presentes a coragem de um guarda-costas soviético, que afastou o engenho e foi gravemente ferido pela sua explosão.

Coreanos manifestam-se contra a ocupação japonesa, Março de 1919

Banquete

Enquanto a maior parte do povo norte-coreano tem dieta escassa e pobre e tem passado por surtos periódicos de fome – estima-se que a crise alimentar de 1994-2000 tenha causado meio milhão de mortos –, a dinastia Kim trata-se bem. A crer no livro ‘Eu Fui o Cozinheiro de Kim Jong-Il’ (2003), do japonês Kenji Fujimoto, que terá sido o sushiman privado do Grande Líder entre 1988 e 2001, a família tem gostos requintados. Fujimoto era enviado regularmente em missão pelo mundo para adquirir os melhores e mais dispendiosos ingredientes, Kim Jong-Il e Kim Jong-un tinham por hábito comer sopa de barbatana de tubarão (um manjar gourmet) três vezes por semana e um dos seus banquetes ter-se-á estendido por quatro dias. A adega contém 10.000 garrafas, com lugar de relevo para vinhos e conhaques franceses (consta que são gastos anualmente centenas de milhares de dólares só em conhaque Hennessy).

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Não há, claro, outras fontes que confirmem estas informações, embora a figura rotunda das três gerações Kim sugira uma dieta generosa; já é mais duvidoso que em Pyongyang exista, como afirma Fujimoto, um instituto, que emprega 200 pessoas, exclusivamente devotado a planear a dieta do Líder Supremo.

Kim Jong-un visita uma aquacultura

Cinefilia

Kim Jong-Il era um entusiasta de cinema, estimando-se que terá possuído 20.000 DVDs e cassetes vídeo, com o favoritismo a ir para James Bonds, Rambos, Godzillas e filmes de acção de Hong Kong. Em 1978, ordenou o rapto da actriz sul-coreana Choi Eun-hee, em Hong Kong. Quando o marido, o realizador Shin Sang-ok, foi a Hong Kong averiguar a desaparição da mulher, foi igualmente raptado. Foi sujeito durante anos a uma lavagem do cérebro e quando foi julgado suficientemente doutrinado, em 1983, foi levado junto de Kim, que lhe explicou que contava com ele para montar uma indústria cinematográfica na Coreia da Norte. Shin dirigiu sete filmes, com Kim-Jong-Il como produtor executivo, entre 1983 e 1986, ano em que aproveitou a ida a um festival de cinema em Viena para pedir asilo aos EUA. O seu último filme norte-coreano foi Pulgasari, um filme de monstros na linha de Godzilla.

[Trailer de Pulgasari (1985)]

Dentadura

Kim Jong-Il não só era um entusiasta da equitação como tinha gosto especial por cavalos não domados. Algures por 1992-93, o hobby resultou numa queda grave, que obrigou a substituir todos os dentes por uma dentadura postiça. A nova dentadura do Grande Líder foi obra de um dentista francês que se deslocou expressamente à Coreia do Norte para o efeito.

Exportações

As exportações da Coreia do Norte concentram-se no sector primário: carvão, calcários e minérios de ferro, cobre, zinco e chumbo; o sector secundário exporta têxteis e armamento. A incipiente e ineficaz economia norte-coreana só num domínio pode orgulhar-se de estar na dianteira: o Estúdio de Arte Mansudae, de Pyongyang, que foi fundado em 1959, ocupa 120.000 m2 e emprega 4.000 trabalhadores, é talvez o maior centro de produção “artística” do mundo, produzindo a maior parte do material de propaganda do país e tendo o exclusivo da representação da família Kim: estátuas nas mais diversas dimensões e materiais (ver Monumentos), cerâmica, pinturas, gravuras, bordados. A direcção do estúdio foi assumida pelo próprio Kim Jong-Il, dando testemunho da importância que o regime dá à propaganda.

O Estúdio de Arte Mansudae tem um departamento devotado ao mercado internacional – o Grupo Empresarial do Projecto Ultramarino Mansudae – e que já concebeu e executou pelo menos 18 monumentos de grandes dimensões para países africanos e asiáticos, celebrando figuras como Samora Machel e Laurent Kabila.

Estátua de Samora Machel, Praça da Independência, Maputo, inaugurada em 2011: 9 metros de altura, 4.8 toneladas, com a assinatura do Estúdio de Arte Mansudae

O mais famoso é o Monumento do Renascimento Africano, um mamarracho no usual registo “realismo socialista aditivado”, com 49 metros de altura (a estátua mais alta de África), que se ergue perto de Dakar, no Senegal, e foi inaugurado em 2010.

Monumento do Renascimento Africano, Dakar

Embora não seja de pôr em causa a fina sensibilidade artística dos escultores madeirenses que têm imortalizado em bronze a figura de Cristiano Ronaldo, crê-se que quando o Governo da Região Autónoma da Madeira quiser homenagear “o melhor jogador do mundo” com uma estátua realmente à altura do seu talento (nunca menos de 20 metros de altura), o Estúdio de Arte Mansudae reúne qualificações ímpares para a executar.

Feriados

Os dias de aniversário de Kim Il-sung, a 15 de Abril, e Kim Jong-Il, a 16 de Fevereiro, são os dois mais importantes feriados nacionais da Coreia do Norte: o primeiro é conhecido como o Dia do Sol, o segundo como Dia da Estrela Brilhante, e eram ocasiões em que era suposto que os norte-coreanos se juntassem em torno do receptor de rádio para ouvir prelecções, por vezes com de mais de duas horas, sobre a gloriosa história da família Kim.

Ambos os feriados são assinalados com festivais, encontros desportivos e fogo-de-artifício e nesses dias o Estado distribui rações reforçadas e esforça-se para que o fornecimento de energia eléctrica seja menos irregular do que o habitual. A devoção manifestada pelo povo nestas ocasiões é recompensada com a distribuição de presentes.

A propaganda oficial pretende que o nascimento de Kim Jong-Il, em 1941, foi assinalado pela aparição de um duplo arco-íris e de uma nova estrela no céu – se a Natureza se manifestou de forma tão veemente com o nascimento de tão extraordinária criatura, como também não ficou indiferente aos seu desaparecimento, a 17 de Dezembro de 2011: o gelo no lago Chon, perto do Monte Paektu, quebrou-se com um estrépito que “pareceu abalar o Céu e a Terra”, o Monte Paektu exibiu um resplendor misterioso e um grou foi visto em pose lutuosa junto de uma estátua do Grande Líder.

De acordo com a propaganda oficial, Kim Jong-Il nasceu a 16 de Fevereiro de 1941 num campo secreto da guerrilha no Monte Paektu, um local fulcral na mitologia coreana, embora entre 1940 e 1945 a família Kim tenha vivido na URSS, junto à fronteira da Manchúria

São também feriados, 14 de Fevereiro, o dia em que, em 2012, Kim Jong-Il recebeu, postumamente, o título de “Generalíssimo”; 21 de Abril, dia do nascimento de Kang Pan-sok, mãe de Kim Il-sung; e 24 de Dezembro, dia do nascimento de Kim Jong-suk, mãe de Kim Jong-Il. O dia do aniversário de Kim Jong-un não é, por enquanto, feriado nacional.

Guarda-costas

A crer num ex-guarda-costas de Kim Il-sung e Kim Jong-Il, o número de guarda-costas ao serviço do regime andou usualmente entre 3.000-4.000, mas quando os Kim souberam da prisão, julgamento sumário e execução do amigo Nicolae Ceaușescu e da esposa, em 1989, o número de guarda-costas foi aumentado para 70.000. Alguns dos guarda-costas ao serviço do Líder Supremo serão sósias, servindo para despistar quem pretenda atentar contra a sua vida.

Kim Jong-un

Hobbies

Kim Il-sung foi organista na sua juventude, quando era frequentador assíduo da igreja protestante. Terá sido iniciado ao instrumento pelo pai. Quando, durante a Guerra da Coreia, as forças americanas entraram em Pyongyang encontraram um órgão no bunker de Kim Il-sung. Há que reconhecer que, de todos os instrumentos, é o mais adequado à imagem de um ditador megalómano.

Os interesses de Kim Jong-Il incluíam cinema e equitação. Entre os desportos era o basquetebol que mais interesse despertava, o que levou a Secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright a oferecer-lhe, em 2000, uma bola de basquetebol assinada por Michael Jordan. Da primeira vez que pegou num taco de golfe, em 1994, Kim Jong-Il fez um campo de 18 buracos com apenas 34 tacadas, 25 menos do que o recorde estabelecido (a proeza foi testemunhada por 17 guarda-costas, pelo que não oferece dúvida).

ICBM

A Coreia do Norte tem duas prioridades no campo da tecnologia bélica: uma é o desenvolvimento de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM), a outra é a miniaturização das ogivas nucleares de forma a poderem ser transportadas pelos mísseis.

Os mísseis norte-coreanos começaram por ser desenvolvidos a partir de Scuds soviéticos comprados ao Egipto (a URSS tinha recusado fornecer tal material à Coreia do Norte); deste processo nasceu o Hwasong-5, com alcance de 330 Km, mas o Hwasong-10, testado com sucesso em 2016, já tem um alcance de 2500 Km e a Coreia do Norte tem em desenvolvimento o Taepodong-2, um engenho de 30 metros de altura e 80 toneladas, com alcance de 4000-4500 Km (6700 Km segundo outras estimativas), que parece, para já, ser um lançador orbital e um estágio intermédio no desenvolvimento de mísseis ICBM de longo alcance.

Não faltaram mísseis dos mais variados tipos na parada militar do Dia do Sol de 2017, em Pyongyang, incluindo um modelo desconhecido até agora dos especialistas em armamento, mas é preciso ter em conta que estes desfiles têm uma componente de bluff, exibindo por vezes material bélico que não se encontra ainda operacional.

[Parada militar do Dia do Sol, a 15 de Abril de 2017, em Pyongyang]

Juche

A ideologia/filosofia/religião oficial da Coreia do Norte, que visa a absoluta independência do país, através da auto-suficiência nos planos da economia e defesa.

Na defesa, o Juche tem sido aplicado com fervor: o Exército Popular da Coreia é o quarto maior do mundo, com um milhão de militares no activo, 600.000 reservistas e 5.9 milhões de paramilitares (numa população total de 25 milhões). As despesas militares consomem um quarto do PIB, percentagem de que nenhum outro país se aproxima. Já no plano económico o Juche tem conhecido menos sucesso – ver Won.

Uma das manifestações públicas do espírito Juche é o Festival Arirang, uma maciça e extravagante exibição de ginástica e artes que tem lugar anualmente em Agosto-Setembro e que celebra os valores da Coreia do Norte, a devoção aos Líderes Supremos e a subjugação do indivíduo ao princípio colectivista.

[O Festival Arirang de 2012 teve esplendor redobrado, por se comemorar o centésimo aniversário do nascimento de Kim Il-sung]

Kimilsungia

A Kimilsungia é uma variedade de orquídea criada em 1964 e assim baptizada em honra do Querido Líder. A crer no livro de propaganda A Coreia no século XX: 100 acontecimentos relevantes, ao visitar, na companhia do presidente Sukarno, um jardim botânico na Indonésia, Kim Il-sung terá ficado tão deslumbrado com esta orquídea híbrida que Sukarno lhe disse que, uma vez que a variedade ainda não fora baptizada, seria merecido que recebesse o seu nome pelos “grandes feitos praticados em prol da Humanidade”. De acordo com a agência noticiosa oficial do país, esta “flor imortal” espelha na perfeição a “personalidade ímpar” de Kim Il-sung.

Kimilsungias – cor-de-rosa – num arranjo que celebra o centésimo aniversário do nascimento de Kim Il-sung, em 2012

Kim Jong-Il também deu o seu nome a uma flor, a kimjongilia, uma variedade híbrida de begónia, criada em 1988 por um floricultor japonês. A flor terá sido concebida para desabrochar por volta do dia 16 de Fevereiro, dia de aniversário de Kim Jong-Il (se a meteorologia ou outro imprevisto não perturbarem os ciclos biológicos). Nas exéquias de Kim Jong-Il, em 2011, o seu corpo foi coberto de kimjongilias.

Kim Jong-Il rodeado de kimjongilias. Há em Portugal quem tenha exposto publicamente as suas dúvidas quanto ao carácter não-democrático do regime norte-coreano; do que não há dúvida é que, a ser uma tirania, é a tirania mais florida de todos os tempos

Kimjongilia é também o título, necessariamente sarcástico, de um documentário que reconstitui a vida na Coreia do Norte a partir de entrevistas a prisioneiros de campos de prisioneiros que conseguiram evadir-se do país. Foi realizado por N.C. Heikin e estreou em 2009.

[Trailer do documentário Kimjongilia]

Luxo

Entre as viaturas oficiais ao dispor de Kim Jong-un estão duas limusines blindadas Mercedes S600, que custam 400.000 a 1.5 milhões de euros cada. A estas soma-se a colecção de automóveis particular, sobre as quais há muitos rumores mas poucas certezas. Aparentemente, o pai já se dedicava a coleccionar automóveis de luxo e ofereceu o primeiro Mercedes a Kim Jong-un quando este tinha sete anos (e a quem se interrogue sobre de que servirá um Mercedes a um rapaz de sete anos, as fontes oficiais esclarecem que Kim Jong-un aprendeu a guiar aos três anos de idade).

Há também rumores sobre um iate de 30 metros, que custará cerca de 6-7 milhões de euros. Kim Jong-Il viajava quase sempre no seu comboio blindado, pois tinha pavor de andar de avião (tal como o pai, Kim Il-sung), mas o filho não tem esse problema: desloca-se num jacto Ilyushin Il-62, dotado de poltronas de cabedal, secretária e outros luxos de gabinete presidencial, e as imagens de satélite têm revelado a construção de pistas de aterragem junto dos vários palácios presidenciais.

Monumentos

Estima-se que existam na Coreia do Norte 500 estátuas de Kim Il-sung, quase todas de enormes dimensões e instaladas em locais de grande visibilidade, nomeadamente em nós de transportes públicos. A mais famosa, com 22 metros de altura, é a que fica em Mansudae, em Pyongyang, e foi erguida em 1972. Diz-se que a estátua de bronze chegou a estar folheada a ouro mas o revestimento terá sido removido depois de Deng Xiaoping ter observado que o ouro era uma extravagância numa estátua de um líder de uma república socialista (para mais, dependente do financiamento chinês).

Em 2011, a estátua de Kim Il-sung ganhou a companhia de um Kim Jong-Il (também com 22 metros), ocasião que foi aproveitada para retocar a primeira estátua, de forma a mostrar um Kim Il-sung mais velho.

Estátuas de Kim Il-sung (esquerda) e Kim Jong-Il (direita), em Mansudae, Pyongyang

Nepotismo

Nome dado à prática do favorecimento de familiares, sobretudo no domínio da política e da economia. É um fenómeno desconhecido na Coreia do Norte, onde o facto de os filhos sucederem aos pais na liderança da nação decorre exclusivamente das suas excepcionais qualidades.

Ópera

Atribui-se a Kim Il-sung a autoria de várias “óperas revolucionárias”, que terão sido compostas durante o período em que o Querido Líder lutava contra o opressor japonês e foram levadas à cena em palcos improvisados. Só muitos anos depois se pensou em recuperá-las e proporcionar-lhes encenações mais sofisticadas. É o caso de A rapariga das flores, que foi convertida em romance e filme e, na forma revista, estreou em palco, em Pyongyang, em 1972, e de Mar de sangue (Pibada), que foi adaptada ao cinema em 1968 e estreada em palco em 1971. São as duas óperas mais populares na Coreia do Norte e estima-se que cada uma tenha tido mais de 1000 récitas. Em ambos os casos, a acção tem lugar na década de 1930, durante a ocupação japonesa da Coreia. Em Mar de sangue, a protagonista Sun-Nyo sofre cruelmente às mãos dos imperialistas japoneses, mas depois vê a luz e junta-se aos revolucionários comunistas. Em A rapariga das flores, uma pobre rapariga do campo, órfã de pai, apanha flores silvestres que vende para sustentar-se a si, à mãe doente e à irmã cega. É atormentada pelo crudelíssimo tiranete local, que faz com que a irmã cega morra de frio na neve e manda prender a rapariga das flores; é então que entra em cena o irmão que se tinha juntado à guerrilha comunista e incita o povo à revolta. A música está à altura do enredo.

[Excertos de Mar de sangue]

Palavras de ordem

As palavras de ordem são sujeitas a aprovação das autoridades, são revistas anualmente e publicadas no jornal oficial do Estado.

Algumas são de índole ideológica e promovem o apagamento do indivíduo face aos desígnios nacionais e exaltam os Líderes e o Partido: “Devemos estar prontos a morrer pelo Líder”; “A tua vida não tem significado a não ser no contexto do Partido”; “Devemos estar preparados para partilhar o destino do Líder, seja ele bom ou mau”.

Outras são francamente belicosas: “Implementemos plenamente a política do Partido de armar todo o povo e transformar o país numa fortaleza”.

Mas também as há de natureza mais pragmática e terra-a-terra: “Construamos novas unidades de produção de cogumelos pelo país fora, inspirados pela Quinta de Cogumelos de Pyongyang” é um slogan particularmente curioso num país cujos esforços nos últimos anos têm sido investidos mais na direcção dos cogumelos nucleares do que dos cogumelos comestíveis.

Das listas mais recentes desapareceu o inspirador slogan “Transformemos todo o país num País das Maravilhas socialista!”.

Querido Líder

É o título mais frequentemente atribuído a Kim Il-Sung. Embora, em ocasiões especiais e formais, também Kim Jong-Il possa ser assim referido, é mais frequentemente designado por Grande Líder. Outros títulos de Kim Jong-Il são Estrela Cintilante do Monte Paektu (o Monte Paektu é o seu local de nascimento oficial), Sol do Futuro Comunista, Garante da Unificação da Pátria, Pai Bem-Amado, Comandante Invicto e de Vontade Férrea, Sol do Socialismo, Líder Mundial do Século XXI, Sol Brilhante do Juche, Luzeiro do Século XXI e Suprema Encarnação da Camaradagem Revolucionária.

Reunificação

Em 1972, após quase 20 anos de costas viradas, as duas Coreias anunciaram que tinham iniciado reuniões preparatórias para a reunificação da península. O Comité de Coordenação Norte-Sul não logrou, todavia, qualquer progresso nesse sentido e foi dissolvido em 1973. Em 1990, os primeiros-ministros dos dois países encontraram-se em Seul e parecia que estavam a ser dados passos significativos para a reconciliação, até que foi levantada a questão da inspecção às instalações nucleares. Voltaram a surgir perspectivas positivas em 2000, que voltaram a dissipar-se.

A 3 de Outubro de 2007, o presidente da Coreia do Sul, Roh Moo-Hyun e Kim Jong-Il estiveram reunidos numa cimeira de três dias que visava o desanuviamento das relações entre as duas Coreias

O comportamento da Coreia do Norte tem sido esquizóide: tão depressa parece disposta a aproximar-se da Coreia do Sul (as equipas olímpicas dos dois países desfilaram conjuntamente nas cerimónias de abertura dos Jogos Olímpicos de 2000 e 2004), como ameaça o vizinho do sul com um dilúvio de fogo e multiplica testes nucleares e balísticos.

Arco da Reunificação, em Pyongyang, inaugurado em 2001, numa altura em que a reunificação parecia ir bem encaminhada

Sósias

Em 2008, Toshimitsu Shigemura, um especialista japonês em assuntos coreanos, anunciou que Kim Jong-Il tinha falecido em 2003, em resultado do agravamento da diabetes, e que desde então tinha vindo a ser substituído nas aparições públicas por sósias.

Traje

De acordo com o tablóide The Sun, Kim Jong-Il terá sido fã de Elvis Presley; não só da música e dos filmes, como do visual (da fase Las Vegas), que terá influenciado o seu. Os óculos desmedidos coincidem, mas as poupas não, e entre as macacões brancos profusamente ornamentados e abertos até ao umbigo, de Elvis, e os austeros macacões verde-pardacento ou cinzentos, escrupulosamente fechados, de Kim Jong-Il (complementadas por um anorak não menos sorumbático no Inverno), não poderia haver maior distância. Seja como for, a propaganda oficial garante que as sóbrias fardas de Kim Jong-Il se tornaram num fenómeno de moda a nível planetário (embora não tenham grande repercussão nas passerelles dos antros do capitalismo que são Paris, Milão ou Nova Iorque).

Quanto à poupa, há uma explicação para esta marca do visual de Kim Jong-Il: ela e os sapatos com tacões sobrelevados destinavam-se a disfarçar que o Grande Líder media apenas 160 cm de altura.

Universidade

A crer na propaganda oficial, a carreira académica de Kim Jong-Il – que estudou na universidade baptizada com o nome do seu pai, em Pyongyang – é uma sucessão de proezas sem par, quer no domínio intelectual quer no trabalho braçal que também era exigido aos estudantes. A propaganda atribui-lhe, só nos tempos de estudante, “1200 obras, entre tratados, conferências, discursos, respostas, conclusões e cartas”, em campos tão diversos como “filosofia, economia política, história, pedagogia, literatura, arte, linguística, direito, estudos militares e ciências naturais”.

A sua produção posterior não é menos impressionante, com 890 obras publicadas entre 1964 e 1994 e traduções em 70 línguas. Pode ver-se um sinal do deplorável estado da edição em Portugal no facto de não ser possível encontrar nas nossas livrarias uma tradução de uma obra tão fundamental como “Exaltemos o brilho das concepções do camarada Kim Il-sung sobre o movimento juvenil e os triunfos alcançados sob a sua liderança” (1996).

VX

A 13 de Fevereiro de 2017, Kim Jong-nam, meio-irmão do actual líder coreano, foi borrifado no rosto com líquido por duas mulheres, no aeroporto de Kuala Lumpur, na Malásia. Sentiu-se mal e faleceu pouco depois e tudo indica que a causa da morte tenha sido o gás de nervos VX.

O VX – um nome convenientemente breve para uma substância cujo nome oficial é “S-[2-(diisopropilamino)etil]metilfosfotionato de O-etilo” – foi desenvolvido nos laboratórios da empresa britânica ICI em 1952 e é extremamente tóxico. Suspeita-se que terá sido usado por Saddam Hussein em Março de 1988 contra a cidade curda de Halabja. Foi classificado como “arma de destruição maciça” e banido em 1993 pela Convenção de Armas Químicas. Não é o tipo de produto que possa comprar-se em drogarias e a sua toxicidade é tão elevada que se fosse aplicado sob a forma de spray o próprio atacante seria afectado. Daí a estratégia usada com Kim Jong-nam: supõe-se que a primeira mulher aplicou um líquido no seu rosto e a segunda um líquido diferente e o VX só se terá formado após a reacção entre as componentes dos dois líquidos. O recurso ao gás VX torna tentador estabelecer um vínculo entre o homicídio e a Coreia do Norte, que não faz parte da Convenção de Armas Químicas e possui o terceiro maior arsenal de armas químicas do mundo.

Se a ideia era eliminar Kim Jong-nam de forma discreta, anónima e sem deixar pistas, é difícil imaginar maior fiasco. Mas também é possível que os fios até ao mandante tenham sido deixados deliberadamente à vista, como forma de advertir outros dissidentes e inimigos do povo coreano.

Cartaz de propaganda norte-coreano: não há contemplações para inimigos e traidores

Won

É a moeda oficial da Coreia do Norte e vale 0.00088 dólares (ou seja um dólar equivale a 1135 wons).

A moeda da Coreia do Sul também se chamam won, mas acabam aí as semelhanças entre as duas economias. Quando as duas Coreias se separaram, o PIB per capita era idêntico, hoje o do Norte é de 1000 dólares, o do Sul é de 28.000 dólares. O PIB do Norte é de 25.000 milhões de dólares (o que faz dele o 125.º a nível mundial), o do Sul é de 1.4 biliões de dólares (o que faz dele o 11.º a nível mundial). A inflação no Norte é de 55% ao ano, no Sul de 1%.

Plantando arroz numa quinta colectiva, Coreia do Norte, 2005

Xi Jinping

O actual presidente da República Popular da China é visto como o único governante do mundo capaz de influenciar a Coreia do Norte. O milhão de soldados chineses enviados para a Coreia em 1950 salvaram, in extremis, o regime de Kim Il-sung da derrota e a assistência financeira chinesa foi vital para desenvolver a débil economia norte-coreana. As relações arrefeceram desde as décadas de 50 e 60, mas a China ainda é um parceiro vital: é o destino de 42% das exportações coreanas e é a fonte de 57% das suas importações (sendo os fornecimentos de alimentos e energia vitais para manter a sociedade norte-coreana a funcionar). A China não tem visto com bons olhos o programa nuclear norte-coreano nem os seus testes com mísseis, pelo que em Fevereiro passado impôs restrições à importação de carvão norte-coreano (uma das poucas fontes de receitas da Coreia do Norte). Mas Xi Jinping não poderá cortar abruptamente os fornecimentos de alimentos e energia ao vizinho, sob pena de este colapsar e criar um foco de instabilidade na região.

Donald Trump julgava que bastaria que Xi Jinping desse uma palavrinha a Kim Jong-un para o chamar à razão e foi por isso que deixou no ar a ameaça “Se a China não resolver o problema da Coreia do Norte, nós fá-lo-emos”. Depois de Xi Jinping o ter elucidado sobre a geopolítica norte-coreana, Trump veio admitir que afinal o problema era mais complexo do que ele pensava (tudo é, na verdade, mais complexo do que Trump assume à partida).

Yalta

A conferência de Yalta, na Crimeia, em Fevereiro de 1945, entre Roosevelt, Churchill e Stalin deveria ter servido para decidir as zonas de influência e o futuro dos territórios que tinham estado (ou ainda estavam) sob domínio alemão e japonês, mas a questão coreana ficou por definir. Na conferência do Cairo, em 1943, as três potências tinham acordado que a Coreia “deveria tornar-se livre e independente” e, em Yalta, Roosevelt, a fim de aliciar a URSS a entrar na guerra contra o Japão, propôs uma gestão conjunta, repartida entre os EUA a China e a URSS, por duas ou três décadas, antes de se passar a uma independência plena, ao que Stalin reagiu dizendo que quanto mais curto fosse esse regime de protectorado melhor. O vago acordo de Yalta acabou por não ter efeito algum: quando a URSS declarou finalmente guerra ao Japão, o avanço das suas tropas foi tão rápido que os EUA, receando que os soviéticos tomassem conta de toda a península, propuseram a divisão pelo paralelo 38.

Zona Desmilitarizada

Uma terra de ninguém de 250 Km de comprimento e 4 km de largura média que divide a península coreana em duas. É sulcada por vedações electrificadas e arame farpado, está infestada de minas (colocadas pela Coreia do Norte) e é constantemente varrida por holofotes, câmaras e outros sistemas de vigilância.

Vedação electrificada no lado norte da Zona Desmilitarizada

A demarcação, correspondente à linha de frente a 27 de Junho de 1953, com um recuo de dois quilómetros para cada exército, foi estabelecida através do Acordo de Armistício que impôs um cessar-fogo entre as duas Coreias – deve realçar-se que foi um “armistício”, ou seja um acordo que põe fim aos combates e vigora até à assinatura de um tratado de paz, que, neste caso, nunca foi assinado, o que quer dizer que, do ponto de vista formal, os dois países ainda estão em guerra (assim se explica que esta seja a fronteira mais fortemente defendida do mundo).

A Zona Desmilitarizada tem sido palco de escaramuças e incidentes, o mais grave dos quais ocorreu em 1969 e custou a vida a 397 soldados norte-coreanos, 299 soldados sul-coreanos e 43 soldados americanos. Invocando este pretexto ou outro, a Coreia do Norte, já anunciou por seis vezes – 1994, 1996, 2003, 2006, 2009 e 2013 – que iria deixar de cumprir os termos do armistício, embora sem partir para a guerra aberta. Nas décadas mais recentes, a “guerra” na Zona Desmilitarizada tem sido conduzida através de altifalantes e propaganda transportada por balões.