A notícia surgiu no início de 2014: o jornal alemão Die Welt iria publicar uma série de cartas trocadas entre Heinrich Himmler e a mulher, Marga. A correspondência tinha sido escrita entre 1927 e 1945, dias antes do suicídio do homem que ficou na história como o principal responsável pelo Holocausto. Os documentos foram depois reunidos e publicados em livro, que agora é lançado em português pela Bertrand.

São documentos de enorme importância histórica, o mais valioso registo pessoal de um oficial nazi. Ao mesmo tempo que revelam o dia a dia e o lado mais pessoal da vida de Himmler, as cartas são também um atestado da obsessão o líder das SS com os judeus, além de confirmarem a sua entrega total à vontade do führer.

Os documentos que compõem o livro foram retirados do cofre pessoal de Himmler pelos militares americanos. Até hoje não está esclarecido como é que as cartas foram parar a Israel mas foi uma família de Tel Aviv que há poucos anos decidiu torná-las públicas.

himmler

“Correspondência: Heinrich Himmler”; de Michael Wildt e Katrin Himmler; 383 páginas; Bertrand; Preço: 18,80€

“Himmler foi passar um dia a Berlim onde tinha lugar, a 8 de maio de 1931, aquilo que ficou conhecido como o «processo Weltbühne», o nome de uma revista, durante o qual o seu diretor editorial, Carl von Ossietzky, foi condenado a 18 meses de prisão por espionagem, porque fora publicado na sua revista um artigo em que se chamava a atenção para o rearmamento secreto da Reichswehr. Os «seguranças» que Himmler controlava eram aparentemente SS, que ele colocara nas proximidades do tribunal para fazerem face a eventuais «perturbadores». Ossietzky foi preso em 1933 e foi tão maltratado em diferentes campos de concentração que morreu prematuramente em 1938.

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O hotel berlinense Kaiserhof, cujo gerente simpatizava com os nazis, desde a década de 1920, ficava em frente da chancelaria do Reich, na Wilhelmplatz. Era lá que Hitler se alojava habitualmente quando estava em Berlim. A partir de 1932, todo o andar superior foi transformado numa sede do NSDAP.

Oldenburgo, 12 de maio de 1931

Minha pequena amada, minha querida e doce mulherzinha!

Vais dizer que tens um marido mauzão, porque não te escreve [?] há três dias, mas não sou um mau marido, apenas um marido muito bom e apressado que pensa muito na sua amada em casa e não para de se dizer «ah, se a minha amada pudesse estar comigo em todo o lado». Como estás tu, se eu o soubesse, marido idiota que sou. Recebi na [duas linhas ilegíveis] a tua bela carta.

Eu estou [?] bem, no entanto. No sábado à tarde, houve a reunião com Hitler, em Delmenhorst, que correu muito bem. À noite, partimos para Oldenburgo, onde ficámos instalados.

No domingo havia um grande desfile da SA em Oldenburgo (Rott [Rottenführer ?]). Amor, havia motivos para exaltação, que esplêndido povo nórdico, é uma fonte de sangue para a Alemanha [sic]. À noite, estive com o meu Standartenführer SS [?] Bruns [?]. Ontem, segunda-feira, dormi muito bem. Às 11h30, apanhei, com o Dr. Frank, o comboio para Wilhelmshaven, onde esperámos até às 15h00 a viatura de Hitler. Depois visitámos durante três horas o vaso de guerra Hannover, foi muito interessante. Parti de automóvel às 07h00 para Oldenburgo, e logo de seguida para Wildeshausen, onde fiz ontem um discurso na companhia do general Litzmann, no decurso de uma notável reunião. Regressei à noite de carro, dormi hoje até às 09h00. Comecei por escrever uma carta à minha amada, isso pesava muito nos ombros do marido mauzão. Ontem mandei a roupa suja. Hoje partimos para Jever, para uma reunião com Hitler. Esta noite, regresso. Amanhã passo o dia aqui, à noite tenho um discurso em Lohne. Na quinta ao meio-dia, tenho reunião com Hitler, em Cloppenburgo.

À tarde, às 16h00, partimos de automóvel e esperamos estar na sexta-feira à noite em Munique. Minha boa amada, telefona para as SS, para que eles garantam que a minha viatura está pronta a circular na sexta-feira à noite, na Casa Castanha, minha querida patifória, minha [?], bela esposa, como me alegro com a ideia de te [H ?] reencontrar, e de te [?] rever [?] a ti e à pequena, e de te acarinhar.

Para ti e para a Puppi, milhares de beijos.

O teu marido.

Agenda de bolso:
O seu regresso a Munique só durou alguns dias: anotara de novo na sua agenda uma reunião com Hitler, em Berlim, a 19 de maio. No resto do mês, deslocou-se à Saxónia, à Turíngia, à Francónia, ao Hesse e ao Ruhr, mas não há cartas enviadas destas regiões. A sua presença em Viena, no início de junho, é conhecida apenas por uma referência na sua lista de leituras.

Em 5 e 6 de agosto, viajou a Hamburgo-Altona e Kiel via Berlim, provavelmente para preparar a campanha eleitoral em Hamburgo, para as eleições para o Landtag, em 27 de setembro de 1931. De Hamburgo, Himmler voltou a partir para Berlim, onde só ficou por um breve período e de onde voltou a partir, a 8 ou 9 de agosto, para uma «reunião de Führer», em Düsseldorf; estava portanto também em viagem durante o segundo aniversário da filha. Em contrapartida, esteve em casa durante quase todo o mês de setembro e a primeira semana de outubro, antes de partir para uma viagem bastante longa ao Norte da Alemanha, de onde provém a seguinte troca de correspondência:

Schwerin, 10 de outubro de 1931

Minha boa mulher amada!

Chegámos ontem a Schwerin, às 09h00 da noite, após uma viagem longa, mas divertida. Até Halle, o Hptm. [Hauptmann, capitão] von Loeper fez a viagem connosco, e tivemos uma excelente conversa.

Em Schwerin, vieram buscar-nos de carro. Tivemos tempo para jantar, a grã-duquesa é uma velha senhora amável e muito culta. Às 11h00, estava na cama, dormi magnificamente até às 08h30. De manhã, fui passear um pouco à beira do lago de Schwerin. A casa de campo está admiravelmente situada. Agora estamos à mesa. Às 02h00, partimos para Rostock. Depois, à noite, parto para Harzburgo.

Mando-te mil beijos, para ti e para a menina.

Com o amor do vosso Papá.

Por iniciativa do partido conservador de direita DNVP, a «oposição nacional» encontrou-se a 11 de outubro de 1931, em Bad Harzburgo, para uma grande manifestação destinada a mostrar a sua coesão no combate contra a República de Weimar. Nela participaram, além do NSDAP, o Stahlhelm, o Alldeutscher Verband, o Reichslandbund e diversas personalidades de direita. Porém, Hitler manteve ostensivamente as distâncias em relação aos outros participantes e não mostrou nenhuma vontade em cooperar. Com um desdém provocatório, lembrou a sua pretensão absoluta a um papel de líder no campo da direita. Demonstrou, algumas semanas mais tarde, em Brunswick, a independência do movimento nacional-socialista, organizando, com 104 mil SA e SS, o que era até então o maior desfile jamais organizado pelos nacionais-socialistas.

Der Bundschuh
Boletim de combate para o despertar do campesinato alemão
Direção da redação: Heinrich Himmler, Waldtrudering,
Munich-Land VIII

Impressão e edição: Der Donaubote, Ingolstadt.

Waldtrudering, 11 de outubro de 1931

Meu querido!

Estamos as duas de boa saúde e muito animadas. A Puppi está insolente e amável. Com este tempo esplêndido, estamos muitas vezes lá fora.

Ontem à tarde, telefonou o Klussmann, e foi por ele que soube da formação do novo Governo. Quando não estamos no Reichstag [sic], a carta volta para trás. […]

Na quinta mato os meus gansos, já não tenho nada para lhes dar de comer. Como correram as coisas em Harzburgo?! E o que vai ainda acontecer? Para mim foi muito agradável que o Kl.[ussmann] tenha falado contigo, pelo menos fiquei a saber alguma coisa. Espero que escrevas em breve. Coso muito, porque tenho de ter tudo terminado daqui a quinta-feira. Pensa no dinheiro. Como gostaria de um dia assistir a todos esses grandes acontecimentos. Continuo a pensar que será em breve. Anunciaram [no] rádio que Hitler fora visitar Hindenburgo na companhia de [?]ng. Isso serviu para alguma coisa?

Enganei-me a tricotar a minha camisola e tive de desfazer tudo. Cuida de ti e da tua saúde, vais [sem dúvida] precisar dela agora. E prudência em Brunswick. Todos sabem [que] ides estar lá todos.

Bom, meu amor, escreve-me e recebe saudações e beijos do fundo do coração das tuas

Duas «Grandes».

Reichstag, Berlim, 13 de outubro de 1931 Deputado

Minha amada, minha queridinha!

Acabo de chegar aqui às 13h00, ao Reichstag, vindo de Schwerin. Já almocei no comboio. Recebi agora mesmo a tua boa carta. Fico muito feliz por vos saber tão bem, minhas duas «Pequenas». Pobre amor, tiveste de desfazer a camisola, que trabalheira! Irei partir esta noite, para ficar amanhã e depois em Brunswick. Na sexta-feira, serão as votações decisivas. A visita de H.[itler] a Hind.[enburgo] foi um grande sucesso, envio-te junto o cupão de pagamento para que a minha querida não fique assustada.

Envio também hoje o dinheiro. Segue um pacote com os textos que li. A autora do livrinho amarelo é a grã-duquesa. Lê-o.

Acabaram-me de dizer que vai ser preciso ficar amanhã e depois aqui. Seria devastador por causa de Brunswick.

Agora saudações e beijos cheios de amor para ti e para a minha filhinha «ainda mais pequena».

O teu marido.

Reichstag, Berlim, 15 de outubro de 1931

Minha doce mulherzinha amada!

Que vontade tenho de te rever. Aqui é a velha e execrável Berlim; está cada vez mais repugnante. Ontem de manhã telefonei à Edit [sic]. Ela pensa vir na semana que vem. De manhã estive em casa da Elfriede; ela ficou muito feliz, pensa vir visitar-nos um dia, mas a sua cunhada ainda não voltou. A clínica vai sobrevivendo. Ao menos isso corre bem. À tarde, Reichstag, uma carrada de discursos, não estamos na sala do plenário, mas temos de estar presentes no edifício. Tive uma série de discussões. À tardinha fui jantar a casa do Ernstl, a Paula também lá estava e foi muito simpático. À noite, regressei ao meu bairro, ao Hotel Minerva, à estação Anhalter. Esta manhã, a Berta telefonou-me. De manhã fiz uma visita, depois fui ver as raparigas, o meu pai também me ligou. Comemos juntos. As raparigas continuam a ter trabalho, mas os preços estão cada vez mais baixos, é assim neste momento, mas aguenta-se. Depois, estive com o meu pai e a Berta no Reichstag. De seguida fomos tomar café juntos. Agora estou no meu quarto. […]

A partir das 12h00, aqui, é o Reichstag, um aborrecimento mortal. Conto voltar ao Kaiserhof às 18h00. Ainda não sei como será logo à noite. Talvez volte a encontrar-me com o Ernstl e a Paula.

E agora dá um beijo especial do papá à malandreca.

E tu, querida, beijos e abraços.

O teu marido.

Reichstag, Mariensee, (5) 6 de novembro de 1931

Minha querida e boa mulherzinha!

Estou ótimo. Parti para Munique na terça à noite. Às 06h30 fomos acordados na carruagem-cama, porque havia um incêndio. Não era perigoso, mas tivemos de sair à mesma. Cheguei um pouco atrasado a Berlim e parti logo de seguida por estrada (vieram buscar-me de carro) com destino a Tilsit. O Lorenz foi a Marienburg e, em Insterburg, o Litzmann (Gruppenf[ührer]) veio buscar-nos e conduziu-nos a Tilsit. Após a visita de carro, parti para Didlaken, onde chegámos às 03h00 e ficámos alojados em casa dele. Foi muito simpático. Na quinta-feira de manhã, estive com Litzm.[mann] e Lorenz na caça, atirei a um faisão. Depois do almoço, fui de carro para Königsberg. Fui novamente de comboio para Marienburg, e lá nova visita. De seguida, fui no carro do Lorenz, parti para Mariensee, onde chegámos às 04h15. Hoje dormi até às 12h30, foi bom. Passeei de automóvel. À tarde, o conde Graving apareceu com a esposa. Tive uma conversa muito boa com ele. Agora, depois do jantar, passo em revista as SS de Mariensee. Amanhã posso ficar outra vez na cama até tarde. Telefono-te ainda esta noite para teres notícias do teu mau marido. Amanhã à tarde, partimos para Dantzig. À noite, tenho de fazer um discurso.

E é tudo por hoje, até breve minha querida, muitos abraços, muitas saudações e beijos apaixonados.

O teu marido.

Muitos cumprimentos para a tia Elfriede e um beijo especial para a Puppi do Papá.

Lauenburg, 9 de novembro de 1931

Minha boa mulherzinha adorada!

O marido mauzão finalmente voltou a arranjar tempo para te escrever. Estou muito bem. Na sexta-feira à noite, fui inspecionar as SS de Mariensee; estive muito bem-disposto durante toda a viagem. No sábado, partimos para Dantzig e ficámos alojados na casa admirável da mãe da Sr.ª Lorenz. À noite, discursei durante uma reunião com camponeses. No domingo de manhã, era a grande revista das SS e da SA, 1500 homens, o Gruppenführer Litzmann também lá estava. Compreendemo-nos magnificamente. A flâmula atribuída a Brunswick foi entregue à SA. Depois, um esplêndido desfile conduzido pelo Saf [Führer SA] da cidade, Martin Loetz.

Agora, tudo de bom, beijos para ti e para a Puppi.

O teu marido.

Cumprimentos à Elfriede.

Em 1931, Himmler continuou a desenvolver as SS. Uma das diretivas essenciais foi a que foi designada por «ordem relativa ao casamento», com data de 31 de dezembro de 1931, e segundo a qual todos os membros das SS que quisessem casar-se tinham de pedir uma autorização, que seria «concedida ou recusada em função de considerações ligadas à raça e à saúde hereditária». Os membros das SS que se casassem, apesar de um pedido ter sido recusado, podiam ser excluídos. Para tratar dos pedidos de casamento, Himmler criou, ao mesmo tempo que este decreto, um «gabinete racial» (Rassenamt) das SS sob a direção de Richard Walther Darré, mas reservou-se o direito de tomar pessoalmente as decisões.

Himmler queria aumentar fortemente a taxa de natalidade das SS e esperava que cada um dos seus SS concebesse pelo menos quatro filhos «geneticamente sãos».

A questão do «recuo da natalidade» preocupava Himmler há já algum tempo. Numa carta de 20 de novembro de 1928, contava assim a Marga que acabara de ler alguma coisa sobre o problema e que o achava «perturbador». Em 1924, lera em dois dias o livro Mehr Sonne. Das Buch der Liebe und der Ehe (Mais sol. O livro do amor e do casal), de d’Anton Fendrich, e anotara a propósito, elogiosamente, que o livro era «ideal», porque defendia «a procriação natural e sem entraves».

Em 1931, Reinhard Heydrich (1904-1942) também entrou para as SS. Este antigo oficial da Marinha, membro do NSDAP e das SS desde o verão de 1931, tivera de deixar a Marinha devido a uma promessa de casamento rompida e estava à procura de trabalho. Em agosto de 1931, através do Oberführer-SA Karl von Eberstein, que exercia funções em Munique e cuja mãe era madrinha de Heydrich, teve ocasião de apresentar a sua candidatura a Himmler. Este, como contou mais tarde sob a forma de uma anedota, interpretou mal a formação de Heydrich como oficial de transmissões126 para a rádio da Marinha, supôs que, por detrás do oficial de transmissões, estava na realidade um especialista em informações e contratou Heydrich para a Sicherheitsdienst das SS, que ia criar. Na época, o único colaborador deste departamento era Heydrich, e este dispunha de metade de um gabinete sem máquina de escrever. Porém Heydrich soube criar rapidamente a SD e com isso ganhar influência. Era um dos colaboradores mais próximos de Himmler.

Agenda de bolso: Para o resto do ano de 1931, Himmler não registou praticamente mais nenhum compromisso. Segundo a sua agenda, pouco depois do seu regresso, voltou a partir para uma viagem de um dia à Suábia, e mais duas vezes, em 28 de novembro e 6 de dezembro, a Berlim. De lá, voltou no dia 8 de dezembro a Munique. É o que se deduz de um registo de Goebbels, em 9 de dezembro de 1931, no seu diário: «Viagem de grupo para Munique. Toda a carruagem-cama ocupada por nazis. Conversei pela noite dentro com o chefe e com Himmler.» Não se conservou nenhuma agenda de bolso para os anos 1932-1934.

Hotel Deutsches Haus, Berchtesgaden, 26 de janeiro de 1932

Querida e boa mulherzinha!

Tenho ainda de escrever-te algumas linhas muito rápidas da nossa Berchtesgaden. São neste momento 09h30. Acordei às 07h15 e não consegui voltar a dormir, mas deixei-me ficar na cama. Tomei banho, fiz a barba, vesti-me. Os quartos do hotel são aquecidos – excelente! De seguida vou tomar o pequeno-almoço com os outros (Röhm, Seidl, Reiner, Eberstein, Hühnlein e Waldeck).

Ontem, a caminho, encontrámos Hitler e tomámos um café com ele nas margens do Chiemsee. O tempo, durante a viagem no automóvel descapotável, estava frio e húmido. Hoje também, já recomeça a chover. No entanto, não permitimos que isso afete o nosso bom humor; não o percas também, mas manda instalar a braseira no quarto. Às 11h00 vamos para casa de H.[itler], no Obersalzberg, (Röhm e eu) e ficaremos lá sem dúvida toda a tarde com ele. Aqui tens, minha querida, já ficaste a saber o que anda o teu marido a fazer. Dá um beijo à Puppi e aos seus patinhos. Muita saúde e beijos apaixonados, minha querida.

O teu marido.

Hitler já estivera instalado com os seus próximos, em 1926, no Hotel Deutsches Haus de Berchtesgaden, com vista para o cume Watzmann; ditara a conclusão do segundo volume do Mein Kampf. Posteriormente, também, foi neste hotel que os seus mais imediatos colaboradores se instalaram, enquanto o próprio Hitler ficava na Casa Wachenfeld, que alugava desde 1928, no Obersalzberg, antes de a comprar, em 1933, e a transformar no imenso complexo que seria designado por «Berghof».

Reichstag, Berlim, 24 de fevereiro de 1932

Doce mulherzinha amada! Minha boa patife, como estás?

Espero que não tenhas muitos motivos de arrelia. Na segunda-feira tive tempo suficiente para chegar à estação e parti para Berlim, com Reinhardt, Frank II et Rosenberg. Dormimos maravilhosamente. Chegámos na terça de manhã, ao Kaiserhof, fiz a barba, desfiz a mala, encontrei-me com Dietrich. Às 11h00, reunião do grupo parlamentar no Reichstag, às 12h00 de novo no Kaiserhof com o Führer, almocei e regressei ao Reichstag. Às 15h00, começou a sessão. Muito bom discurso do Dr. Goebbels. Confronto violento com os socialistas. Às 18h30 regressei ao Kaiserhof. Discussões. Às 20h00, apresentei 20 homens ao Führer. Discussão até às 21h30. Ainda telefonei à Elfriede e consegui chegar por volta das 22h00 a casa dos Reifsch.[neider]. M. R. estava lá também e é muito cativante. Tivemos tempo para jantar. A E.[lfriede] ainda está rouca, mas de resto está novamente bem, incluindo, segundo creio, a clínica. As caixas de seed corn são sementes inofensivas. Else Lehmann tem excelentes certificados; a acreditar neles e nos relatos da E.[lfriede], parece mesmo uma pérola. Fiquei até à 01h00, bebemos à tua saúde – deste por isso? – e voltei para o redil.

Hoje levantei-me às 09h00 menos um quarto, dormi esplendidamente. Esta manhã, chegou o chefe do Estado-maior de Du Moulin. Tomámos o pequeno-almoço juntos, esplêndida discussão. Às 11h30 Hedemannstr.[asse], onde todo o Prop. Abt. [Propagandaabteilung, serviço de propaganda] de Munique tem a sede enquanto direção eleita.

[sequência em falta]

O ano de 1932 foi extremamente agitado do ponto de vista eleitoral. No início de 1932, quando foi necessário eleger novamente o presidente do Reich, o NSDAP não se juntou à união constituída para assegurar a reeleição de Hindenburg, apoiou antes o seu próprio candidato na pessoa de Hitler. Na qualidade do «Führer da jovem Alemanha», o partido apresentou-o como adversário deste «sistema na agonia» que era a República de Weimar e do velho que era Hindenburg. Na primeira volta, em 13 de março de 1932, Hindenburg ficou claramente à frente de Hitler, que obteve 30,1% dos sufrágios, mas não obteve a maioria absoluta, o que tornou necessária uma segunda volta. A 10 de abril, Hindenburg atingiu os 53%, mas Hitler conseguiu aumentar a sua votação para 36,8%, duplicando assim o resultado obtido pelos nacionais-socialistas nas eleições para o Reichstag de 1930.

Na sequência das eleições para o Landtag, que tiveram lugar nos meses seguintes, em Oldenburgo, no Mecklemburgo-Schwerin, no Hesse e na Turíngia, o NSDAP tornou-se o principal partido em todas essas regiões, à exceção da Baviera. Na Prússia, região onde existia desde 1919 um governo dirigido pelos sociais-democratas, o número de mandatos nacionais-socialistas passou de 9 para 162, enquanto os sociais-democratas perdiam um terço dos seus lugares. Resignado, aquele que durante muitos anos fora o ministro-presidente da região, Otto Braun, apresentou a sua demissão.

A crise económica persistente diluiu a confiança na competência de Brüning, e as intrigas contra ele tornaram-se cada vez mais numerosas entre os próximos do presidente do Reich. No princípio de 1932, o nacional-alemão Franz von Papen tornou-se o novo chanceler do Reich, sentenciou prontamente a dissolução do Reichstag e convocou novas eleições para 31 de julho. Estas eleições, explicou Hitler aos Gauleiter do NSDAP, deveriam significar o «ajuste de contas geral do povo alemão com a política dos últimos 14 anos». O principal adversário, segundo a direção de propaganda a nível do Reich, sob a égide de Goebbels, deveria ser o SPD. O eixo central da campanha eleitoral era: «Acorda, Alemanha! Entrega o poder a Adolf Hitler!»

A campanha caracterizou-se por uma violência sem limites. No decorrer dos dez dias que precederam as eleições, foram mortas 24 pessoas na Prússia e houve mais de 280 feridos. Em 17 de julho, em Altona, perto de Hamburgo, um cortejo nacional-socialista atravessou o bairro operário; durante esta provocação, foram disparados tiros que levaram a uma troca de disparos entre a polícia, os manifestantes e os habitantes; 18 pessoas foram mortas, na sua maioria residentes locais e pessoas que por ali passavam e que não tinham nada a ver com aquilo. O «domingo sangrento de Altona» foi o pretexto utilizado pelo governo de Papen para publicar um decreto de emergência, a 20 de julho, que demitia o governo prussiano e se proclamava a si próprio ministro-presidente provisório – o que constituía um golpe de Estado. Esperou-se em vão pela resistência dos sociais-democratas e dos sindicatos.

Em 31 de julho de 1932, quando fecharam as urnas de voto, chegou ao fim uma das campanhas eleitorais mais ferozes dos anos de Weimar. O centro burguês, liberal e conservador foi o principal perdedor. O seu eleitorado esvaiu-se, e os nacionais-alemães também sofreram perdas; os sociais-democratas só obtiveram 21,6% dos votos, o KPD atingiu os 14,3%. O vencedor incontestável foi o NSDAP: com 37,3% dos votos e 230 deputados no Reichstag, tornara-se, e de longe, o maior partido da Alemanha.”