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Brenda Smialowski/AFP/Getty Images

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A mulher solteira para nós até convém

Apesar de estarmos na época deles, há cada vez menos casamentos e as mulheres solteiras são cada vez mais poderosas – na música pop, na independência económica e na agenda política.

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A cena inclui um sofá desarrumado, vinho, um pijama pouco sexy, frio lá fora, uma mulher sozinha e uma música de Celine Dion. É então que Bridget Jones, famosa personagem de livro e de filme, protagoniza aquele momento de lip sync com “All By Myself” e tenta chegar ao coração de todas as solteiras de 30 anos que se desesperam na sua solidão e não encontram sentido para a vida se não tiverem um par ou uma família.

Acontece que, hoje em dia, do outro lado do “ringue” está Beyoncé, de pernas sem fim, um body preto justo, com os cabelos e as ancas a abanar de alegria enquanto faz do termo “single ladies” um hino saudável que se aplaude em permanência na batida de fundo da música. Ou as caras frescas dos 20 anos de Taylor Swift, que celebra o fim de uma relação com “We Are Never, Ever Getting Back Together”, e de Ariana Grande, numa música em que se sussurra “I got one less problem without you”.

Isto significa que a cultura pop já sabe aquilo que também se tornou recentemente uma certeza económica e, consequentemente, política: as mulheres solteiras, caso fiquem para tias, serão tias alegres e com novos poderes, que não têm apenas a ver com a auto-estima apregoada em canções.

"Estamos a viver a invenção da idade adulta feminina independente enquanto norma, e não como uma aberração, e isso gerou um novo tipo de população: mulheres adultas que já não dependem economicamente, socialmente, sexualmente, ou até em relação à reprodução, dos homens com quem casam, nem são definidas por eles."
Rebecca Traister, escritora especializada em temas feministas

Em primeiro lugar, há um poder económico crescente comum a todas as mulheres (solteiras ou casadas) que já está a chegar aos escalões superiores das fortunas – com a revista Forbes a sublinhar em 2017 o crescimento constante da presença de mulheres entre os mais ricos do mundo –, mas também existe um poder político concreto que tem a ver com números demográficos: as mulheres solteiras já são o grupo de crescimento mais acentuado nos cadernos eleitorais.

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A agenda política das mulheres-maravilha

Poucos meses depois de a Marcha das Mulheres ter sido um dos mais simbólicos momentos de protesto contra Donald Trump pelo mundo todo, o sucesso do blockbuster “Mulher Maravilha” (que, mais importante do que a bilheteira, já foi o filme a gerar mais tweets em 2017) pôs de novo em evidência o músculo feminino num mundo de homens e a força assumida pelas mulheres independentes, uma força que já tinha sido também destacada por uma capa viral da revista “New York Magazine”, com um dedo anelar desafiador e o título “Single Women Are Now the Most Potent Political Force in America” (as mulheres solteiras são atualmente a força política mais forte da América).

A afirmação é de Rebecca Traister, escritora especializada em temas feministas, que preparou o artigo para a revista depois de ter publicado o livro “All the Single Ladies – Unmarried Women and the Rise of an Independent Nation”. “Independentemente da raça ou da classe social, assistimos a uma reforma em relação ao que a vida de uma mulher pode representar. Estamos a viver a invenção da idade adulta feminina independente enquanto norma, e não como uma aberração, e isso gerou um novo tipo de população: mulheres adultas que já não dependem economicamente, socialmente, sexualmente, ou até em relação à reprodução, dos homens com quem casam, nem são definidas por eles.”

A capa da New York Magazine dedicada às mulheres solteiras tornou-se viral.

Com a percentagem de casamentos a baixar por todo o mundo – apesar de estarmos em época de casamentos, em que é preciso responder ao convite dizendo sempre se é para levar companhia –, a existência desta população de mulheres solteiras (pelo menos enquanto estado civil) é evidente. E, segundo Rebecca Traister, é especialmente interessante e importante por não estar a acontecer enquanto forma de protesto ou através de um movimento organizado, como lutas mais antigas travadas pelas mulheres.

“As mulheres de hoje não estão a deixar de casar ou a adiar o casamento para provar alguma coisa em relação à igualdade. Estão a fazê-lo porque já interiorizaram ideias que há meio século pareceriam radicais: que não estar casada não tem nada de mal; que são pessoas completas e com capacidade para ter uma vida profissional, económica, social, sexual e parental preenchida por conta própria, caso não conheçam ninguém a quem se queiram unir por via legal.”

Isto não equivale a dizer que ser solteira é uma qualidade por si, e que é melhor do que fazer parte de um casal. Significa apenas que existe uma população cada vez maior de mulheres solteiras, independentes, com poder de compra e interesses próprios, e com exigências políticas concretas: “Mesmo que elas não recolham os devidos créditos por isso, as novas circunstâncias das mulheres solteiras estão a conduzir uma agenda política que parece ser mais progressista a cada dia que passa.” Algo que se traduz em exemplos concretos de questões que se foram tornando cada vez mais centrais na vida política ocidental, como os direitos reprodutivos ou os direitos relativos a licenças de maternidade e paternidade.

Alargamento do acesso às técnicas de PMA entra em vigor esta sexta-feira

A mesa é só para uma pessoa. Só uma? Só uma.

“Sou solteira porque ainda não encontrei ninguém com quem queira partilhar a minha vida, mas isso para mim não é um problema”, diz Raquel Ribeiro, jornalista, escritora e professora universitária. Na verdade, ser solteira só começou a ser um problema quando começou a ter de ir jantar muitas vezes fora sozinha e em todos os restaurantes era olhada com alguma estranheza.

“Quando é para almoçar, assim perto do trabalho, aquele prato do dia que há em todo o lado, ninguém acha estranho que uma mulher apareça sozinha e peça uma mesa. Quando estamos a falar de jantar já é diferente, e mais diferente ainda quando é num restaurante mais caro.” Percebeu melhor isso quando foi viver para Oxford durante uns tempos, enquanto professora convidada da universidade, e passou algum tempo a viver no campus. Habitualmente, fazia lá as refeições, mas havia duas noites por semana em que havia jantares formais na universidade e decidia ir jantar fora. “Oxford é uma cidade com um contexto muito próprio. Os estudantes estão sempre dentro da universidade, e no exterior encontra-se sobretudo famílias ou casais. Foi aí que começou a minha saga.”

A saga era o momento de pedir uma mesa para um. E os momentos seguintes, em que ocupava sozinha uma mesa que em tudo parecia estar predestinada a receber pelo menos duas pessoas. E assim nasceu o seu pequeno projeto de redes sociais chamado “Table for One”, que usava para partilhar tanto os episódios estranhos que vivia como as coisas em que conseguia reparar por estar a comer sozinha.

“Aconteceu-me, no mesmo restaurante, virem três funcionários diferentes perguntar-me se estava sozinha. Acabei por dizer: não, estão aqui imensas pessoas atrás de mim. Muitas vezes ficava mais tempo à espera, ou ignoravam-me durante imenso tempo. E depois era eu que me ficava a sentir mal, e acabava por comer muito. Parecia que os queria compensar pelo transtorno e exagerava na quantidade de comida.”

"Se toda a massa feminina, que é também cada vez mais uma massa importante de pensamento, voltasse para dentro de casa e só ficasse a cozinhar para os filhos, que impacto isso teria na sociedade? Já chegámos a uma fase em que ninguém pode ignorar isso.”
Raquel Ribeiro, autora do projeto "Table For One"

A angústia das primeiras vezes transformou-se num desafio que se foi tornando cada vez mais interessante para ela, e que, por consequência, foi interessando a cada vez mais seguidores. Encheu imensos cadernos com as coisas que ia vendo, ouvindo. “Teve um lado muito criativo do qual tirei bastante partido”. Agora, o “Table for One” está parado, e já não está em Oxford, mas continua a gostar de ir a alguns restaurantes e pedir uma mesa só para um. “Acho que um dia daria uma bela crónica de jornal, tipo o Sexo e a Cidade mas sem a parte do sexo”, brinca.

Apesar das experiências na hora do jantar, Raquel Ribeiro não sente nenhuma pressão por ser solteira. “Libertei-me disso, e percebi que essa pressão era algo que eu incutia em mim por achar que existia nos outros. É verdade que muitas coisas estão feitas a pensar em duas pessoas, não só nos restaurantes, mas percebi que basta que eu tenha vontade de me mexer.” Até prefere afastar mais os dois conceitos, o “mulher” e o “solteira”, porque “há aqui um salto geracional que tem mais a ver com a emancipação das mulheres em geral, independentemente do estado civil”.

Naturalmente, as mulheres solteiras têm um consumo menos orientado para a família e por isso mais “virado para o bem delas. Apesar de ainda haver desigualdade, há mais mulheres com salários mais justos, e gastam esse dinheiro como querem. Se toda a massa feminina, que é também cada vez mais uma massa importante de pensamento, voltasse para dentro de casa e só ficasse a cozinhar para os filhos, que impacto isso teria na sociedade? Já chegámos a uma fase em que ninguém pode ignorar isso.”

Viagem de duas semanas, uma mochila e zero companhia

Não é preciso ser uma mulher solteira para já ter tido planos de férias falhados. Mas quando uma mulher solteira combina uma viagem com uma amiga, anda a sonhar com a viagem durante muito tempo, e depois a amiga percebe que não vai conseguir, tem duas hipóteses: desistir de ir ou fazer como Maria Fernandes e ir sozinha.

“Quando viajo sozinha estou muito mais disponível para o que está a acontecer à minha volta", diz Maria Fernandes. © Getty Images/iStockphoto

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“Claro que não me deu de repente um rasgo: vou pôr a mochila às costas e vou passar duas semanas sozinha na Tailândia. Logo eu, que antes era capaz de chorar por pensar que ia entrar num hostel. Mas se não tinha companhia, se nada me garantia que alguém pudesse alguma vez fazer essa viagem comigo, só me restava ir sozinha. Não foi nada uma daquelas coisas de ir para a Tailândia para me encontrar, mas a verdade é que até me encontrei. Foi a melhor coisa que alguma vez fiz por mim.”

Planeou tudo ao pormenor, para reduzir a ansiedade dos pais, e foi. Na altura, Maria Fernandes tinha 25 anos, já adorava viajar, mas descobriu que adorava ainda mais viajar sozinha. “Há uma liberdade gigantesca em sabermos que podemos estar em qualquer parte do mundo e estar bem, sem depender de ninguém para isso.” E a partir daí até decidiu criar o blogue The Little Portuguese Traveller para partilhar as suas experiências, e deixar dicas a outras pessoas que lhe queiram seguir os passos.

Há algumas viagens que continua a querer fazer com companhia. Outras até imagina que vai querer fazer com um namorado ou com um marido. Mas agora, aos 29 anos, está concentrada naquelas que quer mesmo fazer sozinha. Já foi para o Panamá assim, durante 18 dias, e a seguir está inclinada para destinos como as Filipinas ou Costa Rica.

“Quando viajo sozinha estou muito mais disponível para o que está a acontecer à minha volta. No Panamá só marquei a primeira noite. Depois até houve um americano que tinha conhecido na Tailândia e que foi lá ter comigo durante uns dias. São encontros giros, fomos a alguns sítios juntos, mas depois comecei a sentir necessidade de ficar de novo sozinha.” Até as amigas já se queixam disso quando dizem que gostavam muito de ir com ela: “Tenho de lhes explicar que, se elas forem, as minhas viagens deixam de ser as minhas viagens.”

Esta foi apenas uma das vantagens que encontrou ao começar a viver uma vida adulta independente, e ao ter começado a trabalhar e a ser a única responsável por todas as suas decisões a partir dos 22 anos. “Outra coisa que já percebi é que vivo lindamente solteira e que a minha felicidade só depende de mim. Isto não quer dizer que nunca na vida vou deixar de querer ser solteira. Só ainda não aconteceu conhecer alguém, e como estou bem assim sei que isso só vai acontecer quando fizer mesmo sentido.”

Nessa altura, se isso acontecer, as viagens vão ficar diferentes, talvez dependam de férias escolares, talvez a outra pessoa não goste de fazer certas coisas e seja preciso chegar a um compromisso, e tudo bem. “Mas por enquanto não sei se estaria disposta a abdicar desta liberdade económica que tenho, e desta realidade em que as minhas responsabilidades financeiras são todas em relação a mim.” Até ver, se amanhã lhe apetecer, até pode vender tudo e tentar passar o tempo todo a viajar.

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