Quando tomou posse como presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, em outubro de 2013, António Cardoso — um militante socialista recente — não queria acreditar. “Os discos rígidos dos computadores dos dirigentes e o servidor não tinham nada e as passwords estavam erradas”, conta o autarca ao Observador. “Não havia relatórios técnicos da atividade da junta, nem da saúde, nem da educação, nem da ação social. Zero”. Aquela junta era há vários mandatos um centro de poder para uma das fações do PSD de Lisboa e tinha sido gerida no último mandato por Rodrigo Gonçalves, considerado no aparelho lisboeta como um dos caciques com mais peso na capital. Envolvido em processos judiciais naquela época — entretanto resolvidos –, não se recandidatou nas autárquicas de 2013. Mas o seu pai, Daniel Gonçalves, ganhou a Junta das Avenidas Novas. E o poder da família transferiu-se para o centro da cidade.

Depois de iniciar funções, António Cardoso e a sua equipa aperceberam-se de um conjunto de ajustes diretos que haviam de originar uma queixa-crime contra a anterior gestão por suspeitarem de “participação económica em negócio”.

Rodrigo Gonçalves tinha cancelado seis contratos com fornecedores da junta, para em simultâneo com a denúncia contratual assinar — a 31 de julho de 2013 –, novas adjudicações diretas com as mesmas seis empresas de amigos e militantes da sua fação do PSD. O valor total dos ajustes: 212,7 mil euros (para cinco dessas seis empresas). No dia seguinte a firmar os novos contratos, a 1 de agosto, Rodrigo Gonçalves deixava as funções de presidente da junta e começava a trabalhar como assessor do secretário de Estado do Emprego. Dois meses depois, a 29 de setembro, o PSD perdia a junta para o PS. Poucos dias após as eleições autárquicas, Emília Noronha, que tinha ficado como substituta de Rodrigo Gonçalves na presidência da junta, denunciava esses mesmos seis contratos — contra um parecer dos serviços porque o executivo estava em gestão — e procedia ao pagamento a essas empresas antes da nova junta tomar posse. Os pagamentos refletiam verbas correspondentes a valores que oscilavam entre quatro e cinco meses de trabalho quando, segundo fontes da atual gestão da junta, essas empresas só terão prestado serviços ao longo de dois meses.

Rodrigo Gonçalves (ao centro) numa ação recente do Núcleo Central do PSD com José Eduardo Martins, responsável pelo programa eleitoral do partido às autárquicas e cabeça de lista à Assembleia Municipal (Foto disponibilizada na página do Facebook do Núcleo Central)

Não foi por perderem a posição em São Domingos que aquelas sociedades ficaram sem contratos com a administração local. Logo em janeiro de 2014, quatro daquelas empresas foram contratadas pela junta das Avenidas Novas (outra seria contratada mais tarde), presidida por Daniel Gonçalves.

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No PSD de Lisboa toda a gente sabe quem é a “família Gonçalves”. Domina entre 500 e 600 votos internos no partido e controla o Núcleo Central — uma estrutura partidária abaixo da concelhia que neste caso tem influência geográfica em cinco freguesias de Lisboa. Dada a dimensão da estrutura, os dirigentes deste núcleo têm uma palavra fundamental na escolha dos líderes concelhios e distritais e possuem uma “capacidade de distribuição” ou influência a partir de um centro de poder, que se torna relevante neste momento em que o PSD apenas tem a câmara de Cascais com dimensão no distrito (o que na linguagem dos aparelhos partidários quer dizer capacidade para distribuir empregos e avenças, e criar dependências que depois se materializam em votos nas eleições internas).

Com uma base herdada da antiga e poderosa Secção A de Benfica (explicamos mais adiante o processo de transformação das secções em núcleos e a história da célebre secção que era maior que algumas distritais), é possível identificar o peso da fação “Gonçalves” — em relação às outras fações em Lisboa — através das votações para a lista de delegados à Assembleia Distrital. Na eleição interna para o PSD distrital em 2011, em que havia uma disputa entre quatro fações, a lista patrocinada por Rodrigo Gonçalves venceu o concurso para os delegados distritais com 30% dos votos, o que correspondeu à mobilização de 511 militantes. Em 2013, noutra disputa entre quatro listas, a percentagem subiu para 40% e 535 votos de militantes. Na votação para a lista de delegados ao congresso do PSD em abril de 2016, esta ala cresceu: num concurso entre seis listas, teve 726 votos, o que correspondeu a 51% dos militantes do PSD que foram votar. Significam estes resultados que a influência de Rodrigo Gonçalves tem estado a crescer, o que lhe permitiu ser escolhido para integrar a lista de Pedro Passos Coelho para o Conselho Nacional nesse mesmo congresso.

Dirigente condenado por agressão na lista de Passos

Rodrigo Gonçalves, que recentemente fez um discurso num jantar partidário a desafiar Pedro Passos Coelho a candidatar-se à Câmara de Lisboa, escreveu este ano o livro “Política de A a Z”, foi líder da extinta secção A do PSD/Lisboa, é vice-presidente da concelhia social-democrata da capital, é membro do Conselho Nacional do PSD, é deputado municipal, recebe uma avença como assessor do gabinete de Fernando Seara na Câmara de Lisboa apesar de ser quadro técnico da Gebalis (a empresa municipal dos bairros sociais). É o chefe na sombra do Núcleo Central do PSD, porque a estrutura é formalmente liderada por Pedro Reis. Este líder formal do núcleo, psicólogo, é um amigo de longa data de Rodrigo que também esteve na junta de São Domingos, trabalha para uma empresa municipal em Cascais e teve uma avença nas Avenidas Novas (que foi cancelada porque Pedro Reis já era funcionário de uma empresa municipal em Cascais e mesmo assim recebeu 2.500 euros de um contrato total de 19.200 euros) e foi condenado com Rodrigo Gonçalves por agressão a Domingos Pires, antigo presidente da Junta de Benfica, também do PSD.

No press release que anunciava o livro lançado este ano em parceria com um ex-jornalista e agora consultor de comunicação, a editora Contraponto apresentava Rodrigo Gonçalves como consultor na área da Liderança e Gestão de Negócios

Questionado pelo Observador sobre os contratos assinados um dia antes de deixar a presidência da junta, Rodrigo Gonçalves respondeu por escrito, responsabilizando o coletivo da autarquia, mas sem explicar o que levou à revogação dos contratos e às novas adjudicações às mesmas empresas por mais dois anos: “Todas as decisões eram tomadas pelo órgão Junta de Freguesia, que é um órgão executivo e colegial, não sendo, por impossibilidade legal, tomadas por um único membro desse órgão, pelo que a decisão que refere teve, na sua base toda a fundamentação, constante dos documentos de suporte às reuniões de Executivo e com o escrupuloso cumprimento da lei”.

Mas o caso das adjudicações não era a única perplexidade com que se deparou António Cardoso quando chegou a Benfica: tinha uma fatura de 4.305 euros para pagar ao escritório de advogados João Nabais & Associados, por serviços prestados em processos judiciais que envolviam Rodrigo Gonçalves: um processo de corrupção em que seria ilibado; uma participação contra o jornalista Francisco Morais de Barros (do Jornal de Lisboa), que também seria julgado no âmbito de um processo em que Rodrigo Gonçalves foi condenado por agressão a outro presidente de junta; e um terceiro processo de participação criminal contra terceiros que Gonçalves acabaria por ganhar.

Em relação aos pagamentos a João Nabais, Rodrigo Gonçalves justifica-se com a lei: “A Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, ao abrigo do disposto na lei do Estatuto dos Eleitos Locais, liquidou honorários nos processos em que me eram imputados factos praticados no exercício das minhas funções, ou seja, enquanto presidente de Junta.” E apesar de serem três os processos em causa, segundo a fatura a que Observador teve acesso, Gonçalves refere-se apenas a dois: “Aliás, e como sabe, foram dois os processos, sendo que num deles, pelas imputações que me foram feitas, a sua autora foi condenada pelo crime de difamação, sendo condenada no pagamento de quantia monetária que eu ofereci ao IPO de Lisboa; e no outro processo foi proferida sentença em que fui absolvido.”

Os três momentos das adjudicações aos amigos

Estes processos de ajustes diretos a empresas detidas por militantes do partido próximos da família Gonçalves, de cancelamentos de contratos e de transferência de uma junta para outra deve ser explicado com maior detalhe. Tanto Daniel como Rodrigo Gonçalves responderam a questões do Observador, mas sem pormenorizarem o fundamento das suas decisões, que garantem ter sido legais. Podemos distinguir três momentos neste capítulo que ajuda a perceber como funciona a rede de fornecedores que os Gonçalves foram criando.

Primeiro momento: a 31 de julho de 2013, dois meses antes das eleições autárquicas, foram revogados seis contratos de ajustes diretos com empresas que prestavam serviços à junta de São Domingos de Benfica e feitas novas adjudicações diretas às mesmas empresas — cinco deles publicados no Portal Base. Todos com uma validade de dois anos, os contratos foram assinados por Rodrigo Gonçalves um dia antes de ser nomeado para o gabinete do secretário de Estado do Emprego, Octávio Félix de Oliveira, quando o ministro da Solidariedade e da Segurança Social era Pedro Mota Soares, do CDS. Rodrigo Gonçalves esteve no gabinete do secretário de Estado entre 1 de agosto de 2013 e julho de 2014.

Segundo momento: as eleições autárquicas são disputadas a 29 de setembro de 2013. O candidato derrotado do PSD, Ricardo Crespo — mais tarde avençado do grupo do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa — perde a eleição para António Cardoso, do PS, em São Domingos de Benfica. Por sua vez, Daniel Gonçalves ganha a freguesia das Avenidas Novas, no centro de Lisboa. Emília Noronha (que também virá a receber uma avença de 1.800 euros nas Avenidas Novas para implementar a Universidade Sénior) substitui Rodrigo Gonçalves como presidente da junta quando este vai para o gabinete do secretário de Estado. Esta autarca mantém-se em funções de gestão corrente até à tomada de posse do novo executivo. No dia 9 de outubro — 10 dias depois das eleições locais — Emília Noronha utiliza a figura do pré-aviso (de 60 dias) para denunciar os contratos com as empresas que tinham sido firmados dois meses antes. Denuncia, também, os contratos com cinco avençados singulares. Perante o ofício para executar esta decisão, o funcionário da junta responsável pela área escreve um parecer contrário: “Estando o executivo em gestão corrente, não se pode proceder à rescisão de contratos”. Apesar de estar em gestão e apesar da recusa dos serviços, Emília Noronha despacha favoravelmente: “Autorizo o pagamento”, segundo consta no documento consultado pelo Observador. O Observador tentou contactar Emília Noronha até à publicação deste texto, mas não conseguiu obter resposta às chamadas.

Ao Observador, Rodrigo Gonçalves diz nada ter a ver com estas decisões tomadas pela sucessora: “O meu mandato terminou no dia 31 de julho de 2013, portanto já não era autarca em São Domingos de Benfica a essa data.”

As luzes de alarme acendem-se quando o novo jurista da junta fez a leitura de que a lei invocada para denunciar os contratos — a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas — se aplica apenas a pessoas singulares e não a pessoas coletivas. Mas também porque, nos 60 dias seguintes ao pré-aviso, aquelas empresas já não terão prestado mais serviços. O mesmo se terá passado com alguns colaboradores avençados. “Nenhum desses avençados ou dessas empresas voltou a aparecer depois das eleições”, garante uma fonte da junta ao Observador.

Os advogados da junta de São Domingos de Benfica avançaram então com uma queixa crime por toda aquela sucessão de decisões não lhes ter parecido apenas uma mera falha. E por o património da freguesia ter sido alegadamente lesado em mais de 40 mil euros, segundo as contas que fizeram, explicaram ao Observador.

Terceiro momento: poucos meses depois, cinco daquelas seis empresas — todas propriedade de militantes do PSD — eram contratadas pela Junta das Avenidas Novas presidida pelo pai de Rodrigo Gonçalves. Vários avençados cujos contratos tinham sido rescindidos em Benfica passavam a ser avençados também das Avenidas Novas. Questionado pelo Observador, Daniel Gonçalves não responde aos casos concretos: “Todas as empresas que fornecem serviços à Junta de Freguesia são selecionados apenas tendo em consideração a experiência, solidez, e as condições propostas para a prestação de serviços. Os contratos e as respetivas adjudicações encontram-se disponíveis no portal Basegov, dando seguimento à rígida política de transparência implementada pela Junta de Freguesia.” Apesar de um grande número de avençados nas Avenidas Novas coincidir com militantes do PSD, Daniel Gonçalves também nega a existência de favorecimento: “A filiação partidária, ou associativa dos membros das centenas de entidades que prestam serviços à Junta de Freguesia não são um critério de exclusão, ou inclusão, no âmbito da contratação pública. Na contratação pública os critérios de adjudicação estão definidos por Lei e são escrupulosamente cumpridos por esta entidade”.

Mais uma vez, Rodrigo Gonçalves diz ao Observador nada ter a ver com as decisões tomadas, desta vez, pelo seu pai: “Não exerço nem nunca exerci qualquer função na Junta de Freguesia referida.” Daniel Gonçalves reforça esta ideia numa resposta escrita ao Observador, recusando a ideia de que o filho possa ter qualquer influência naquele órgão autárquico: “O exercício de gestão da Junta de Freguesia de Avenidas Novas é executado pelo seu Presidente e Executivo eleito em processo eleitoral, democraticamente reconhecido, e nos termos legais”.

Rodrigo Gonçalves a receber Ângelo Correia no mega jantar organizado pelo Núcleo Central este ano, em que apelou a Passos Coelho para se candidatar à câmara de Lisboa (Foto publicada no Facebook do Núcleo Central)

As ligações: quem são estas seis empresas?

Os sócios de cinco das seis empresas que se transferiram em poucos meses de São Domingos de Benfica para as Avenidas Novas têm uma relação com a família Gonçalves e são todos militantes do Núcleo Central do PSD. Mas, segundo Rodrigo Gonçalves, as suas decisões como autarca nada têm a ver com a cor do cartão partidário dos empresários: “Os procedimentos de contratação pública desenvolvidos e levados a cabo pela Junta de Freguesia no período em que exerci o mandato, foram realizados no estrito cumprimento das disposições legais em vigor, disposições essas que não discriminam ninguém pela sua orientação política, religiosa, sexual ou clubística conforme determina a nossa Constituição.”

No entanto, podemos dar uma ideia das relações de cada um destes fornecedores com a família de autarcas.

1 – A CSdO, empresa do amigo e a ligação ao Montepio

Só teve contratos no Estado com as juntas lideradas por membros da família Gonçalves, segundo o Portal Base. O sócio é Carlos Oliveira, militante do núcleo central do PSD, que somou adjudicações no valor de 129,6 mil euros nas duas freguesias, desde 2013 (os contratos anteriores a junho de 2013 não foram carregados no Portal Base).

Carlos Oliveira foi presidente do Montepio Comercial e Industrial, Associação de Socorros Mútuos (não tem nada a ver com o banco) entre 2009 e 2014, uma entidade que chegou a ser administrada por Daniel Gonçalves e de cujos corpos sociais o seus filhos Rodrigo e Asdrúbal Gonçalves (irmão gémeo de Rodrigo) também fizeram parte. No presente, Carlos Oliveira é administrador suplente desta associação mutualista que também chegou a ter um protocolo com a Junta de São Domingos de Benfica. Esse protocolo, assinado por Rodrigo Gonçalves e que o Observador consultou, dava a possibilidade de todos os residentes na freguesia poderem aceder consultas médicas em condições iguais às dos sócios daquela mutualidade, sem precisarem de ser associados (a preços que variavam entre os 15 euros e os 33 euros). A única contrapartida que constava do contrato era o pagamento de 20 euros mensais pela junta à associação mutualista, a título de Fundo de Solidariedade associativa. Refira-se que pelo menos o atual presidente do Montepio Comercial e Industrial, um vogal e os administradores suplentes são todos militantes do núcleo central do PSD/Lisboa, confirmou o Observador depois de consultar documentação com os respetivos órgãos sociais.

2- A Academia de Psicologia e o marido avençado

A empresa Guia de Escolhas, Academia de Psicologia facturou pelo menos 187 mil euros desde finais de 2013 só nas duas juntas referidas (a firma só tem mais um contrato no Estado, com a Câmara de Cascais, que é liderada pelos dois últimos presidentes da distrital do PSD de Lisboa, Carlos Carreiras e Miguel Pinto Luz).

Só nas Avenidas Novas, esta empresa propriedade de Fátima de Melo recebeu cerca de 150 mil euros. A psicóloga é militante do PSD e casada com outro militante do Núcleo Central: António Melo, um dos antigos avençados da junta de Benfica — mas cujo contrato não consta do Portal Base — que transitou para a junta das Avenidas Novas com uma avença de 59,4 mil euros por três anos como “coordenador de projetos a implementar e ação social”. Ganhava 1.650 euros brutos por mês. Entretanto, em novembro de 2015 foi admitido nos quadros da Junta de Freguesia.

As contratações do casal já tinham dado polémica, que foi contada aqui pelo jornal Corvo, pois a oposição na Assembleia de Freguesia levantou questões em relação a estas contratações de marido e empresa da mulher.

3 – Advogado e militante com outro pé no Montepio

A sociedade de advogados Coimbra & Serrão tem desde 2013 adjudicações nas duas juntas no valor total de 122 mil euros, segundo o Portal Base (42 mil euros em São Domingos de Benfica e duas adjudicações diretas no valor de 79,2 mil euros nas Avenidas Novas). Esta sociedade não tem contratos com mais nenhuma entidade no Estado ou da administração local, pelo menos que conste no site da contratação pública. Paulo Serrão e a mulher são militantes do Núcleo Central do PSD, e ele chegou a ser candidato em 2013 à Assembleia Municipal de Lisboa nas listas do PSD/CDS. Também está ligado ao mesmo Montepio Comercial e Industrial, onde é primeiro secretário da Assembleia Geral.

4 – O homem dos computadores

A empresa de informática Stagemotion, propriedade de Samuel de Andrade, um amigo de longa data de Rodrigo Gonçalves — também militante do PSD no Núcleo Central — só teve adjudicações com o Estado através da junta de Freguesia de São Domingos de Benfica e com a das Avenidas Novas, de acordo com o Portal Base. Faturou cerca de 123 mil euros às duas juntas desde 2013 (76,6 mil euros só nas Avenidas Novas). Quando a presidente da junta de Benfica lhe cancelou o contrato em outubro de 2013 pagou-lhe o equivalente a cinco meses, quando o serviço fornecido não terá ultrapassado os dois.

5 – Empreiteiro para toda a obra

Mário Rui Santos, um empreiteiro que vive na Amadora — e é militante do PSD, do Núcleo Central, desde 2014 — é o dono da MTRSantos, a empresa que fazia obras em São Domingos de Benfica e que passou a fazer obras nas Avenidas Novas. Apesar das adjudicações em Benfica a esta empresa não constarem do Portal Base, o Observador consultou documentos que provam que o valor pago a esta firma rondou os 40 mil euros. Nas Avenidas Novas, a verba paga à MTRSantos desde finais de 2015 quase chega aos 125 mil euros, segundo os contratos depositados no Portal Base.

6 – A empresa que não voltou a ser contratada

A única empresa cujo contrato foi denunciado no final do mandato do PSD em São Domingos de Benfica, em 2013, e que não teve novas adjudicações nas Avenidas Novas foi a Newment, uma empresa de contabilidade. Luís Requicha, o dono da sociedade, não está inscrito no PSD, ou pelo menos não pertence ao Núcleo Central.

Há outras contratações comuns às duas freguesias, para além destas, que estão ligadas a familiares, amigos e colaboradores de Daniel e Rodrigo Gonçalves. Por exemplo, Jorge Barata: é vogal da concelhia do PSD/Lisboa presidida por Mauro Xavier, foi candidato suplente à Assembleia de Freguesia das Avenidas Novas e tem uma avença como assessor do gabinete de vereação do PSD no valor de 46,2 mil euros por três anos (1.280 euros brutos por mês). A sua mulher, Paula Caetano Barata, é deputada Municipal do PSD, e responsável pela coordenação do secretariado na Junta das Avenidas Novas. Segundo o Portal Base recebe cerca de 2 mil euros brutos mensais. Com o mesmo número fiscal de Jorge Barata, aparece uma adjudicação de 10 mil euros para a reparação e pintura das viaturas da higiene urbana nas Avenidas Novas. Segundo uma fonte da assembleia de freguesia, tratar-se-á do pai de Jorge Barata, que tem uma oficina em Queluz. De acordo com a mesma fonte, será também um animador de festas organizadas pela junta.

Outra contração por ajuste direto com uma evidente ligação partidária nas Avenidas Novas foi à empresa Heidelconsult, de outro dirigente do PSD, Cal Gonçalves, para consultadoria em gestão autárquica, o que teria a ver com as novas competências das freguesias em Lisboa. O contrato com este militante e dirigente, que foi presidente da Junta de Freguesia dos Anjos e chefe de gabinete do ex-presidente da câmara Carmona Rodrigues, totalizou 24 mil euros ao longo do ano de 2014. Coincidiu, assim, com o período em que Cal Gonçalves também foi vereador (substituto) pelo PSD na câmara de Lisboa, segundo os dados que o próprio publicou na rede social Linkedin.

Assim que chegou à junta, recordam membros da Assembleia de Freguesia ao Observador, Daniel Gonçalves queria que a Assembleia de Freguesia das Avenidas Novas lhe desse a capacidade para assumir despesas até 100 mil euros (mais concretamente 99.759,64 euros) sem precisar de levar a aprovação desses gastos àquele órgão. Até o CDS, que foi eleito em coligação com o PSD votou contra.

Sucessor de António Preto: como Gonçalves criou o seu poder

Mas a história dos Gonçalves no PSD é longa e atribulada. Dia 4 de novembro de 2009. São 10 horas. Rodrigo Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, e Pedro Reis, deputado municipal do PSD em Lisboa, agridem a murro e pontapé o seu companheiro de partido Domingos Pires, de 71 anos, que tinha acabado de perder a junta de Benfica para o PS. As eleições autárquicas tinham-se realizado no dia anterior. O Público divulgaria as fotos do autarca com marcas de ferimentos na cabeça.

Domingos Pires explicava que a agressão tinha a ver com rivalidades locais entre sociais-democratas. Os líderes da Secção A ― que abrangia as juntas de Benfica e de São Domingos de Benfica ― não o tinham conseguido remover das listas. Rodrigo Gonçalves seria condenado pelo tribunal ao pagamento de três mil euros de indemnização por esta agressão em janeiro de 2015. Mas havia de recorrer da decisão, que seria confirmada pelo Tribunal da Relação. “Nunca agredi ninguém. Sou um homem de família e repudio qualquer tipo de violência. Estou a ser alvo de calúnias e a ser injustamente acusado”, defendia-se Rodrigo Gonçalves em 2015.

Presidente da distrital do PSD/Lisboa ajuda agressores do partido em tribunal

Em Lisboa, há pelo menos três tribos laranjas que competem entre si. Foram fazendo alianças instrumentais e só em 2015 se uniram em torno do presidente da distrital, Miguel Pinto Luz, vice-presidente da câmara de Cascais. Por razões históricas, o PSD no município de Lisboa tinha um regime específico de secções sem a existência de uma concelhia (o Porto teve o mesmo tipo de organização durante muitos anos). Desde a fundação do partido e até 2011, havia nove secções do PSD espalhadas pela capital, da letra A à H, incluindo depois a secção Oriental. Acima destas, estava a poderosa distrital de Lisboa.

A repetição de polémicas relacionadas com as secções lisboetas levou à criação de uma concelhia de Lisboa, em 2011, depois de uma reformulação estatutária decidida em congresso nacional do partido. Fundiram-se as secções e foram criados três grandes núcleos: o Oriental, o Central e o Ocidental. Os dirigentes dos núcleos lisboetas mantêm um controlo dos seus votos e é isso que lhes vai garantindo algum poder, ou pelo menos o emprego. Depois de Rodrigo ser o líder da histórica secção A, quando esta foi convertida em Núcleo Central, o presidente passou a ser Daniel Gonçalves. Desde junho de 2015, porém, a liderança do Núcleo passou para Pedro Reis, o amigo de Rodrigo, que também foi condenado pela agressão a Domingos Pires.

A génese do poder de Rodrigo Gonçalves tem origem na ascensão do ex-deputado António Preto, responsável pelo processo de expansão da Secção A, que liderou entre 1995 e 2000. Apoiante de Manuela Ferreira Leite (que presidiu à distrital de Lisboa entre 2000 e 2002), António Preto teve no aparelho de Benfica um dos suportes para a futura líder do partido tomar conta da distrital. A seguir, foi o próprio Preto a ascender à liderança da distrital de Lisboa até 2006. Como uma formiguinha, estava a trabalhar desde 1996 a recuperar antigos militantes e a fazer novos.

Durante a investigação do processo por corrupção para ato ilícito de que sairia ilibado, Rodrigo Gonçalves disse ao DIAP que, pelo menos até 2008, o procedimento para se pagarem quotas da Secção A era o seguinte: “O dr. António Preto pedia as listagens dos militantes e as quotas apareciam pagas”. Asdrúbal Gonçalves, irmão de Rodrigo, disse aos investigadores que António Preto lhe dava fichas para assinar como proponente de novos militantes. Também referiu não saber se alguma vez esses militantes pagaram quotas, uma vez que “era o dr. António Preto que dizia que tratava desse assunto”.

A dinastia teria continuidade, embora acabassem todos de costas voltadas. Sérgio Lipari, o cacique que sucedia a Preto na Secção A havia de ganhar para o PSD a Junta de São Domingos de Benfica. Este “poder” contribuiu para aumentar ainda mais o colégio eleitoral da secção, sobretudo depois de Lipari ascender a vereador na câmara de Lisboa e de ter a alçada da Gebalis, a empresa municipal que trata dos bairros sociais. Só que esse crescimento não se deu por autogeração. Quando Lipari foi para a câmara de Lisboa, em 2005, Rodrigo Gonçalves, um antigo “jotinha” muito ativo, havia de lhe suceder na presidência da junta.

Nessa fase, a Gebalis contratou 27 funcionários, todos militantes da Secção A do PSD, segundo documentos que constam daquele processo (o próprio Rodrigo Gonçalves se tornaria quadro da Gebalis). Ao assumir a presidência da junta, Rodrigo Gonçalves terá despedido 14 funcionários, substituindo-os por militantes da secção, segundo a documentação processual. Até substituiu o TOC, que também era do PSD, pelo sogro da irmã. Com a gestão da Gebalis na mão, disparou o número de militantes do PSD provenientes do Bairro da Boavista, um bairro social abrangido pela freguesia. Até um militante do PCP ― que seria ouvido no DIAP ― tinha, sem saber, três filiados no PSD com a sua morada. Era tudo falso, apenas para engrossar a militância.

Votos por férias oferecidas por um Montepio e a absolvição no caso de corrupção

O primeiro escândalo relacionado com a secção tinha rebentado em 2003, por causa de uma forma demasiado criativa de atrair novos militantes no bairro da Boavista. O isco eram senhas para estadias num hotel do Algarve, disponibilizadas pelo Montepio Comercial e Industrial onde Daniel, o pai de Rodrigo Gonçalves, tinha funções de gestão. Uma moradora denunciou o caso no dia 21 de outubro de 2003 durante uma sessão da Assembleia Municipal de Lisboa. Sérgio Lipari, que ainda era o presidente da secção e da junta, seria acusado, em público, por outros deputados municipais, de usar “todos os meios, lícitos e ilícitos, para aumentar a sua influência junto das populações”, através da oferta de vales do PSD e da associação de moradores a dizer “oferta do PSD, Benfica ― Secção A”. Anabela de Jesus Leonardo, jurista e também autarca do PSD, declarou que foi agredida na sequência das primeiras denúncias que fez do caso. “Fui agredida violentamente, fui espancada e tive de meter baixa e ir para o hospital”.

A seguir a esta intervenção, Beatriz dos Santos, residente no Bairro da Boavista, pediu a palavra na mesma sessão da Assembleia Municipal para denunciar o aliciamento através da oferta de férias no Algarve:

“Senhora Vereadora, eu depois vou deixar cópia, porque passei por mentirosa, vigarista, aldrabona, com vales de uma semana de férias em regime de alojamento para seis pessoas num apartamento T2 em Albufeira, nos Jardins da Balaia, isto em nome do PSD, que se andou a dar no Bairro da Boavista. […] Isto era muito bom se tivesse sido realmente oferecido pelo Montepio Comercial e Industrial e não em nome do PSD. Só porque eu denunciei isto deu-se uma cena de pancadaria na Junta de Freguesia de Benfica. Há seis anos que sou autarca naquela Junta e nunca tinha passado por tão grande enxovalho, a vergonha das vergonhas na Av. Gomes Pereira. Os moradores todos a verem o que se passava, mas o mais caricato disto tudo era as pessoas dizerem “isto é militantes do PSD com PSD”. Isto é uma vergonha, isto julgo que está denunciado”.

Na sequência das cenas de pancadaria, Daniel Gonçalves, pai de Rodrigo, foi julgado por agressão em conjunto com a mulher. Ambos acabaram absolvidos em 2009, tendo o juiz invocado o princípio in dubio pro reo, por haver dúvidas quanto às circunstâncias em que o incidente ocorreu. Outra denúncia anónima daria entrada no DIAP a explicar como alegadamente funcionava o esquema: “O Montepio Comercial e Industrial tem um empreendimento turístico no Algarve, chamado Jardins da Balaia. Por troca de voto em Daniel Gonçalves para secretário-geral (cargo que tem poderes para gerir a ocupação do empreendimento), este mesmo Daniel Gonçalves dá um jeitinho para que a tão desejada semana nos Jardins da Balaia seja uma realidade. Da mesma forma, os associados do Montepio são aliciados para se fazerem militantes da Secção A do PSD, dando o voto ao Rodrigo Gonçalves por troca de semanas de férias no empreendimento”. Nunca tal foi comprovado judicialmente.

O poder de Rodrigo Gonçalves, apesar de todos os casos em que se viu envolvido, não diminuiu. Com os métodos de arrebanhamento de militantes, entre 2002 e 2008, os filiados da Secção de Benfica com quotas pagas passaram de 632 para mais de mil. Antes das eleições internas para presidente do partido, em 2010, a Secção A registava 1.438 filiados com as quotas pagas. Um documento de 2007 com o nome e a morada dos militantes do PSD demonstra que membros da família Gonçalves tinham, nas suas casas, oito militantes inscritos numa morada, dez noutra e 15 numa terceira.

Um antigo colaborador da junta de São Domingos de Benfica, que preferiu manter o anonimato por receio de represálias, explica que, para manter o emprego, tinha de arregimentar militantes. No seu caso, controlava cerca de 20 inscritos, que reunia e levava a votar sempre que havia atos eleitorais internos. Outros amigos funcionavam como “cabos eleitorais” e também controlavam algumas dezenas de filiados. Para manter o seu part-time na freguesia, esta fonte tinha de contribuir com votos para o presidente da junta manter o poder no partido. Rodrigo Gonçalves contestaria sempre estas informações: “A secção A sempre foi uma das maiores secções do PSD. O seu crescimento é, obviamente, um processo natural. Quanto à angariação de militantes são completamente falsas e absurdas estas acusações”, afirmava há cerca de dois anos.

No processo que começou a ser julgado em fevereiro de 2015 e que terminou em outubro do mesmo ano, Rodrigo Gonçalves e o pai, Daniel Gonçalves, foram absolvidos da acusação de corrupção passiva para ato ilícito, por não ser possível provar a acusação. No entanto, o antigo fiscal das obras de junta — que era considerado um homem de mão e um dos braços de Rodrigo Gonçalves — foi condenado a quatro anos de prisão. Mas estava ausente no estrangeiro.

O caso começou por ter a ver com o desaparecimento de 50 mil euros de umas obras para o Jardim Infantil O Povo. Circulava dinheiro vivo. Esse fiscal das obras da junta, chamado Carlos Vicente, pediu 50 mil euros ao responsável pelo Jardim Infantil, em numerário, para pagar ao empreiteiro que ia arranjar as instalações. Era uma verba que a junta tinha atribuído à instituição, ainda no tempo de Sérgio Lipari. O dinheiro desapareceu. E o fiscal também: foi para a Suíça. Em vez de fazer queixa às autoridades por causa do desaparecimento do dinheiro ― a Assembleia de Freguesia chumbou essa possibilidade ―, Rodrigo Gonçalves pediu mais 25 mil euros para a obra a Lipari, que já era vereador na câmara de Lisboa. Assim, uma obra com um orçamento inicial de 38 mil euros, recebeu 50 mil e depois passou a ter 75 mil euros atribuídos. Segundo a acusação, o dinheiro da freguesia circulava em numerário entre o fiscal e o pai do presidente da junta, Daniel Gonçalves. O desaparecimento da verba, porém, não chegou para acusar Rodrigo Gonçalves, que estava obrigado por lei a fazer queixa do desaparecimento do dinheiro ao Ministério Público. Como foi a Assembleia de Freguesia a deliberar a não apresentação de queixa, o presidente da junta ficou fora da alçada da Justiça.

Rodrigo Gonçalves acabaria por ser acusado de corrupção devido a seis mil euros que um empreiteiro que fazia as obras na junta levantou em numerário no banco, dando-os a Carlos Vicente, que depois diz tê-los entregue a Daniel Gonçalves. Outra acusação teve origem no depoimento de um empresário de uma firma de jardinagem que, depois de ganhar um concurso na junta, foi abordado para dar dois mil euros por mês ao “homem”. E o homem seria Rodrigo Gonçalves. Nenhuma destas alegações foi provada. O antigo autarca acreditou sempre que a sua “inocência seria provada”. Foi absolvido. Trata-se de um dos processos pelo qual o advogado João Nabais foi pago pela junta de São Domingos de Benfica.

Com todo este historial, mesmo depois das secções lisboetas do PSD terem sido extintas, Rodrigo Gonçalves manteve-se como vice-presidente da concelhia de Lisboa. Já com o julgamento por agressão terminado, e com a condenação, Mauro Xavier — presidente da concelhia — manteve-o no cargo. Rodrigo Gonçalves refuta todas as acusações de caciquismo que lhe fazem: “Desconheço totalmente esse tipo de acusação em relação à minha pessoa. Nunca fui acusado de tais práticas, que aliás, reprovo totalmente”.