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A universidade da elite — e onde ninguém quer fazer parte dela — está contra Le Pen

No domingo, Marine Le Pen disse que chegou a altura de libertar "o povo francês das elites arrogantes". Na Sciences Po, a universidade da elite política francesa, muitos digerem mal esse rótulo.

Reportagem em Paris, França

A frase de Marine Le Pen ficou a ecoar na cabeça de Raphaël Charpentier. “Chegou a altura de libertar o povo francês das elites arrogantes que querem ditar-lhe o seu comportamento”, disse a líder da Frente Nacional na noite de domingo, após ser claro que ela era a escolhida dos franceses para disputar a segunda volta das eleições presidenciais com Emmanuel Macron.

Recusando concessões ou exceções, Le Pen quis criar com aquela frase uma ideia muito simples, até simplista: de um lado está o povo, do outro as elites. Raphaël, estudante de Direito de 24 anos, ficou a pensar nisto. “Será que eu sou parte dessas elites arrogantes?”, perguntou a si mesmo.

Raphaël estuda numa das universidades mais conceituadas de França, a Sciences Po. É aqui que vêm estudar grande parte das futuras elites do país (e não só, já que foi aqui que José Sócrates fez os seus estudos em Paris), sobretudo no campo político — e muitos dos que cruzam aquelas portas ao pela primeira vez, aos 18 anos, sentem sobre os seus ombros a pressão de um dia virem a ser alguém nos corredores do poder francês. Para que se tenha uma ideia, os últimos quatro presidentes franceses estudaram na Sciences Po: François Mitterrand, Jacques Chirac, Nicolas Sarkozy (o único desta lista que não chegou a concluir o curso) e François Hollande. De tetra, a Sciences Po pode agora passar a penta, se Emmanuel Macron ganhar. O mesmo não se passará em caso de vitória de Marine Le Pen, que estudou noutra universidade, menos prestigiada.

"Nós temos de saber explicar ao povo que votou em Le Pen que votar nela outra vez será apenas juntar dor ao sofrimento deles."
Raphäel Charpentier, estudante de Direito na Sciences Po

No que depender de Raphäel, haverá um novo Presidente de Sciences Po. Depois de ter votado em François Fillon na primeira volta, o estudante de Direito está disponível para votar em Macron.

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“Tu! Tu és a elite!”

“Eu espero sinceramente não fazer parte dessa dita elite, como Marine Le Pen lhe quis chamar, porque ela não traz nada de positivo”, diz Raphäel, entre um grupo de cinco amigos. Está vestido com um fato azul escuro, sem gravata — tal como outros dois dos seus colegas. Estão todos sentados num banco do pátio interior da universidade, no centro de Paris. Os amigos olham atentamente para Raphäel, quando este pergunta em voz alta, mas como se falasse para ele mesmo: “O que é uma elite?”. Um deles responde, já numa gargalhada ainda antes de falar: “Tu! Tu és a elite!”.

Raphäel ri-se, também às gargalhadas, mas acaba por dizer ao amigo: “Cala-te!”. O rótulo de elite faz-lhe mesmo comichão. Raphäel vem do norte de França. Tem vivido “sempre uma vida confortável”, proporcionada por “pais que têm meios” e nunca teve qualquer “problema com falta de dinheiro”. Aos 18 anos, assim que entrou na Sciences Po, fez-se militante do UMP, o partido então dirigido por Nicolas Sarkozy e que hoje se chama Os Republicanos. Sobre uma eventual vida política num futuro próximo, Raphäel responde como… um político. “Não sei, só o futuro o dirá”, responde, com um sorriso na cara.

Além dos últimos quatro presidentes franceses, também aqui estudaram Boutros-Boutros Ghali (antigo secretário-geral da ONU), Dominique Strauss-Khan (antigo diretor do FMI) e o ex-primeiro-ministro português, José Sócrates (João de Almeida Dias / Observador)

A conversa vai e volta ao tema das elites. Raphäel evita-o por instinto, mas acaba sempre por tocar nele — como alguém que faz uma ferida e não sabe se deve ou não olhá-la, pudesse isso acalmar ou aumentar a dor. “O problema das ditas elites é que sempre que elas querem dizer ao povo o que fazer, as coisas tornam-se demasiado complicadas. Não é um bom sinal quando isso acontece”, diz. Raphäel pede desculpa. “Estou a pensar nisto à medida que falo e não é fácil”, acrescenta. Tanto que, pouco tempo depois, entra em contradição. Apenas dois minutos separam a sua frase sobre o “o problema das ditas elites” e esta: “Nós temos de saber explicar ao povo que votou em Le Pen que votar nela outra vez será apenas juntar dor ao sofrimento deles”.

Confrontado com esta contradição, Raphäel responde, algo exasperado: “Mas a política é assim! Temos de convencer o povo, não há outra maneira”.

Macron é a cara da elite até para alguns na Sciences

Também Bahar E., estudante de 22 anos de Administração Pública, rejeita o rótulo de elite, embora apenas em parte. “Eu faço parte da elite intelectual, mas não das outras”, diz, sentado no banco que atravessa zona de entrada da Science Po, que, pela sua forma de barco, é conhecido por péniche. “Eu vivo nos subúrbios, em Saint-Denis, sou filha de imigrantes turcos e estou aqui com uma bolsa de estudo”, diz. “É impossível eu fazer parte da elite e não faz sentido que Marine Le Pen me queira arrastar para esse buraco.” Discutir este tema acaba por assemelhar-se a uma sessão de psicanálise para Bahar. Às tantas, também ela se interroga em voz alta: “Sou elite? Mesmo? Não…”.

"Só se eu vir que as sondagens estão a ficar muito apertadas é que vou votar em Macron."
Bahar E., estudante de Administração Pública

Bahar votou em Jean-Luc Mélenchon, da extrema-esquerda, na primeira volta e, para já, está a pensar votar em branco na segunda volta. “Não sou capaz de votar em Macron e certamente que nunca votaria em Le Pen”, diz. Macron, explica, é uma incógnita demasiado grande para merecer o seu voto. “Nós mal sabemos quem ele é, o que é que ele fez durante a sua vida, sabemos apenas que tem 39 anos, foi ministro da Economia durante um par de anos e foi banqueiro para o Rotschild”, diz. “Não me parece um currículo perfeito.”

Ainda assim, a estudante de Administração Pública admite vir a mudar de ideias. “Só se eu vir que as sondagens estão a ficar muito apertadas é que vou votar em Macron”, diz. “Mas só se estiverem muito, muito apertadas. Para aí com 2% de diferença nas sondagens.” Até porque, admite Bahar, ajudar Macron seria fazer precisamente aquilo que ela não pretende: “Perpetuar as elites do no poder em França”. Perguntamos-lhe se, ao fim e ao cabo, essa mesma frase não poderia estar num discurso de Le Pen. Bahar ri-se, atrapalhada. Depois diz: “Não é a mesma coisa. A Marine Le Pen é uma pessoa das elites, viveu uma vida ultra-privilegiada. Ela, sim, é a elite”.

“Eu estudei mais do que eles”

Violette de la Croix, 18 anos, ouviu a palavra “elite” logo na primeira aula que teve na Sciences Po. “O professor disse-nos logo: ‘Vocês vão ser a elite deste país'”, recorda esta estudante do primeiro ano de Ciência Política. “Foi uma coisa que me incomodou verdadeiramente”, diz embora refira que tem a “certeza” de que um dos seus colegas “vai ser Presidente um dia destes”. “Parece-me que é demasiado simples distinguir o povo das elites, meter uns contra os outros, dizer que são bons contra maus. No meio disso tudo, germina a semente do populismo.”

Este domingo foi a primeira vez que Violette votou. Fê-lo por Benoît Hamon, o candidato que, ao conseguir apenas 6,4% dos votos levou o Partido Socialista ao seu pior resultado de sempre. “Houve uma altura em que pensei em fazer voto útil, noutro candidato, mas achei que nas minhas primeiras eleições tinha de votar com o coração”, explica. Agora, com Hamon derrotado, Violette está decidida a votar em Macron na segunda volta.

Viollette não ouviu o discurso de Marine Le Pen na noite de domingo. “Sinceramente, estava sem cabeça para ouvi-la”, justifica. Só já na segunda-feira é que leu a citação da líder da Frente Nacional, em que esta opôs o “povo” às “elites arrogantes”. Para esta estudante de 18 anos, votar naquele partido de extrema-direita é um humanamente impossível. “Nunca seria capaz de fazer isso, nunca na vida chegaria a esse ponto”, diz, demonstrando repulsa.

Violette de la Croix votou em Benoît Hamon — e agora está preparada para votar em Emmanuel Macron (João de Almeida Dias / Observador)

Ainda assim, diz que compreende porque alguns votaram em Marine Le Pen — e também que outros, que votaram na extrema-esquerda, possam agora estar encaminhados para votar nela na segunda volta. “Eu compreendo que um agricultor que tenha de vender leite sem fazer lucro por causa das leis das UE esteja lixado, tal como compreendo que um operário esteja chateado porque o país deu empregos a imigrantes e ele esteja desempregado”, concede.

E depois continua: “Mas votar na Frente Nacional não é a melhor solução para o problema deles. Não é. Eu pelo menos não acho que seja. Mas eu tive mais oportunidades do que eles, eu estudei mais do que eles, portanto é normal que tenha um ponto de vista mais alargado…”

Aos poucos, Violette pára de falar. Depois, ri-se um pouco. Finalmente, diz: “… Que horror, estou a falar como as elites arrogantes”.

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